Por que viver mais não significa viver melhor para as mulheres?

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As mulheres vivem mais que os homens, mas são realmente mais saudáveis? Um relatório do Fórum Econômico Mundial e da McKinsey, empresa de consultoria estratégica, do começo de 2024, intitulado "Fechando a lacuna da saúde das mulheres: uma oportunidade de US$ 1 trilhão para melhorar vidas e economias", mostra que as mulheres na verdade passam mais tempo de suas vidas com a saúde ruim.
A edição mais recente das Estatísticas de Saúde Mundial, divulgada pela OMS em maio de 2024, aponta que:
Entre 2019 e 2021, a expectativa de vida global caiu 1,8 ano, para 71,4 anos (voltando ao nível de 2012).
Da mesma forma, a expectativa de vida saudável global caiu 1,5 ano, para 61,9 anos em 2021 (voltando ao nível de 2012).
Já no Brasil, em dados do IBGE divulgados em novembro de 2024:
Uma pessoa em 2023 tinha expectativa de viver, em média, até os 76,4 anos. Para a população masculina, chega a 73,1 anos. Já para as mulheres, chega aos 79,7 anos.
Frequentemente consideradas o "gênero mais saudável" porque tendem a viver mais que os homens, esse estudo contesta essa e outras crenças comuns sobre a saúde feminina ao desvendar quatro mitos principais.
E o pior: essas concepções errôneas podem ter consequências negativas, levando a subinvestimento em pesquisa e acesso inadequado a cuidados, aumentando ainda mais a lacuna de saúde entre homens e mulheres.
As mulheres passam 25% mais tempo com saúde debilitada do que os homens. Mais da metade da lacuna de saúde das mulheres afeta as mulheres durante seus anos de trabalho, o que impacta significativamente o PIB [produto interno bruto] global. Valentina Sartori, líder global de desenvolvimento de serviços para a área de ciências da vida do McKinsey Health Institute
Mito 1: Mulheres são mais saudáveis que homens porque vivem mais.
Fato: Embora as mulheres tendam a viver mais, elas passam 25% mais tempo do que os homens lidando com problemas de saúde e deficiências. Isso significa que sua "expectativa de vida saudável", o período da vida passado com boa saúde, é menor que a dos homens. As mulheres passam uma média de nove anos de saúde debilitante, enquanto os homens passam seis, impactando sua qualidade de vida e capacidade de participação plena na sociedade.
Mito 2: Problemas de saúde das mulheres aparecem principalmente quando elas estão mais velhas.
Fato: Na verdade, grande parte dos problemas de saúde femininos ocorre durante os anos de trabalho das mulheres, quando são consideradas "produtivas" na sociedade, ou economicamente ativas, período entre os 20 anos e os 50 anos. Isso tem um efeito significativo na produtividade e no PIB global.
Mito 3: A saúde das mulheres é principalmente sobre saúde sexual e reprodutiva.

Fato: Embora esses sejam aspectos importantes —embora só representem 5% da carga de saúde feminina—, a maioria dos problemas de saúde que afeta as mulheres são condições que ou as impactam de maneira diferente dos homens, ou são mais comuns nas mulheres, tais como:
Doenças autoimunes;
Enxaquecas;
Doenças cardíacas (que muitas vezes se apresentam de maneira diferente nas mulheres).
"Além da TPM, menopausa e câncer ovariano, as principais condições de alto impacto não são específicas das mulheres, mas muitas afetam desproporcionalmente as mulheres, exigindo um repensar holístico de como cuidamos da saúde das mulheres além dos temas sexuais e reprodutivos", explicou Valentina durante apresentação do relatório no Roche Press Day, em Miami (EUA).
- Nos EUA, 78% das pessoas com doenças autoimunes são mulheres, mas apenas 7% do orçamento do NIH (National Institute Health) para artrite reumatoide foi especificamente alocado para pesquisa em saúde feminina em 2019.
Mito 4: A saúde das mulheres é uma pequena oportunidade de mercado.
Fato: Esse mito é particularmente prejudicial. Como muitos acreditam que a saúde das mulheres é uma área de "nicho", há menos investimento em pesquisa e desenvolvimento de tratamentos e medicamentos inovadores.
A realidade é que as condições de saúde das mulheres representam um enorme mercado. Há uma grande necessidade não atendida de tratamentos eficazes para condições que afetam milhões de mulheres em todo o mundo, como endometriose e menopausa.
Essa falta de investimento cria um ciclo vicioso: a percepção de um mercado pequeno leva a menos financiamento, o que leva a menos tratamentos, o que reforça a ideia de que não é uma área lucrativa.
- Fechar a lacuna de saúde das mulheres poderia impulsionar a economia global em pelo menos US$ 1 trilhão anualmente até 2040.
Faltam dados e investimentos
O relatório também mergulha em como a falta de dados cria grandes obstáculos para a saúde das mulheres. Essas lacunas existem em todas as etapas, desde como as condições são definidas até como a pesquisa é conduzida e relatada.
Vamos explicar isso de forma mais simples:
O problema começa com a definição de "saúde feminina". Não há sempre um consenso sobre o que conta como uma condição de saúde feminina, ou mesmo como medir os sintomas. Por exemplo, pense na menopausa —a experiência é diferente para cada mulher. Então, é difícil capturar toda a extensão do problema se não houver uma maneira padrão de defini-la ou rastreá-la.
Em seguida, há uma falta de dados bons sobre como as mulheres experimentam condições de saúde de maneira diferente. Por muito tempo, a pesquisa médica se concentrou principalmente nos homens, assumindo que sua biologia era o padrão. Isso significa que nem sempre sabemos como as doenças progridem de maneira diferente nas mulheres, como seus sintomas variam ou como os tratamentos funcionam para elas.
Os ensaios clínicos, que testam novos medicamentos e tratamentos, muitas vezes não incluem mulheres suficientes. Isso dificulta a determinação se um tratamento é seguro e eficaz para as mulheres ou se a dosagem precisa ser ajustada.
Mesmo quando os dados são coletados, nem sempre são analisados por sexo. Isso significa que informações valiosas sobre como os tratamentos afetam as mulheres de maneira diferente se perdem.
Tudo isso dificulta para os pesquisadores entenderem os problemas de saúde das mulheres e para as empresas investirem no desenvolvimento de novos tratamentos. Se os dados não estiverem lá, é difícil justificar que uma determinada condição merece financiamento e atenção.

O relatório usa o exemplo da endometriose, uma condição dolorosa que afeta o sistema reprodutivo. A OMS estima que cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva têm endometriose. Mas a Carga Global de Doenças (estudo que quantifica a perda de saúde causada por doenças, lesões e fatores de risco), outra importante fonte de dados de saúde, coloca esse número muito mais baixo, entre 1% e 2%. Essa diferença enorme mostra o quão pouco confiáveis os dados podem ser, dificultando saber quantas mulheres realmente precisam de ajuda.
Essas lacunas de dados têm consequências graves. Elas podem levar a:
Diagnóstico errado e tratamento atrasado;
Financiamento inadequado para pesquisa;
Menos opções de tratamento para mulheres;
Piores resultados gerais de saúde para as mulheres.
O relatório pede um esforço coletivo para enfrentar essas lacunas de dados, incentivando as partes interessadas a:
Investir em pesquisas que se concentrem nas mulheres;
Desenvolver melhores maneiras de coletar e analisar dados específicos de sexo e gênero;
Melhorar o acesso a serviços de saúde adaptados às necessidades únicas das mulheres;
Ao enfrentar essas lacunas de dados, podemos ajudar a garantir que as mulheres recebam os cuidados e o tratamento que merecem.
*A jornalista viajou a convite da Roche.
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