'Aos 23, perdi movimento do pescoço para baixo em segundos e sem acidente'
Pedro Marques, 24, tinha uma saúde que considerava perfeita até o último 14 de abril, quando começou a sentir dores na nuca. O que parecia um problema rotineiro teve um desfecho drástico: ele perdeu os movimentos sem ter sofrido qualquer tipo de acidente.
O estudante passou uma semana com dor antes de ir para o hospital. De lá para cá, os médicos não encontraram explicação para o quadro de Pedro, que parou de mexer o corpo do pescoço para baixo após um sangramento na medula, que começou "do nada".
"No começo, senti muita dor no ombro esquerdo. Aí, do nada, parou, em um sábado. No domingo, a dor ficou muito forte na nuca, uma dor insuportável. Aí lá pelas 19h, eu fui para o hospital. Não estava paralisado."
Os primeiros profissionais que atenderam Pedro deram alguns analgésicos para ele, mas ainda no domingo ele perdeu o movimento em todo o corpo, em poucos minutos.
Cheguei andando no hospital e paralisei lá dentro. Entrei com muita dor e estava tomando remédio na veia. Em um momento, tentei levantar para chamar a enfermeira, mas caí na poltrona, não senti mais o meu corpo.
Pedro Marques
Pedro diz ter entrado em um estado de choque. Tudo o que ele sabe foi contado pela mãe e pelos médicos que o acompanharam.
Eles retiraram líquido da medula do jovem duas vezes, para verificar se ele sofria de alguma doença autoimune, como a síndrome de Guillain-Barré, que causa fraqueza muscular e pode levar à paralisia, mas todas as hipóteses foram descartadas.
Entre a bateria de exames para descobrir a origem dos sintomas, o jovem passou por uma arteriografia e por uma ressonância magnética, que diagnosticaram um sangramento na medula —de origem desconhecida até hoje— na altura da vértebra C4.
Ele passou por uma cirurgia para reduzir o sangramento e ficou em coma pelos primeiros nove dias de internação.
Na hora da paralisia, eu só me lembro de flashes. E logo depois o meu diafragma parou de funcionar e fui intubado. Não sei explicar muito bem, mas já no coma eu estava sonhando que estava paralisado numa maca, não conseguia me mexer e escutava muito as vozes do pessoal de fora.
Pedro Marques
Ao acordar, ele conta que seu primeiro choque foi ver o tubo da traqueostomia saindo de seu pescoço. Apesar disso, o jovem se surpreendeu com a própria tranquilidade.
@pedromarquesrb Perdi os movimentos do corpo do nada e essa é minha história #fy #fyp ? som original - Pedro
"Quando eu paralisei, fiquei muito assustado, com medo. Foi o único momento de susto mesmo. Primeiro as pernas pararam e logo em seguida os braços. Foi muito rápido."
Entre a entrada no hospital e a alta se passaram 105 dias. O estudante diz que carrega uma frustração por não saber exatamente a causa de seus problemas. Por enquanto, o caso consta como "sangramento espontâneo na medula", um caso extremamente raro, segundo a equipe que o atende.
Como não tem muitos casos parecidos, os médicos e os fisioterapeutas não sabem lidar com uma lesão dessas. Para mim, foi um pouco assustador esse diagnóstico, de sangramento espontâneo sem causa definida. Meu neurologista falou que, por enquanto, não vai ter outra explicação. Eu posso fazer um outro exame, para tentar investigar mais, mas tem risco de ter outro sangramento.
Pedro Marques
Caso Pedro volte a ter um sangramento na medula, as novas sequelas dependem da altura da lesão: se for muito "alta", como a primeira, seus pulmões podem ir à falência, principalmente por já estarem debilitados.
"O médico falou que se minha lesão fosse um centímetro para cima, eu teria morrido. E se fosse depois, uma vértebra para baixo, na C5, eu não teria perdido [o movimento] os braços", exemplificou.
Apesar dos obstáculos para criar um protocolo de reabilitação, Pedro já conseguiu progressos: com fisioterapia pulmonar, ele tirou a traqueostomia e voltou a respirar sozinho.
Quando teve alta, voltou para casa ainda conectado ao ventilador, equipamento que ajuda na saída e entrada de ar dos pulmões.
Em duas semanas, ele conseguiu um "desmame" parcial, usando só à noite, e voltou a se alimentar pela boca, e não por sonda. Hoje, ele não usa mais aparelhos que ajudam na respiração.
"Evoluiu tão rápido. O plano era que eu fizesse tudo isso em seis meses e aconteceu em três. Um ponto muito importante na reabilitação também foi tirar a traqueostomia, que é uma porta enorme para a infecção pulmonar, para a pneumonia. E depois que eu tirei ela, minha qualidade de vida melhorou muito."
Agora, ele está começando a reabilitação dos membros, investindo em táticas diversas na tentativa de recuperar o máximo de movimentos possível.
Entre seus planos para os próximos meses, está o de viajar do Paraná até outros estados do Brasil para acessar serviços de referência na reabilitação de pessoas com deficiência.
"É tudo uma questão de acertar com os médicos, com o home care e com o plano de saúde, e começar a fazer. E já fiz uma inscrição também para o centro de reabilitação de Brasília e para o centro de São Paulo, que é o Lucy Montoro", conta.
A vida antes da paralisia
Natural de Ourinhos, no interior de São Paulo, Pedro se mudou para Maringá, no Paraná, há cinco anos, para estudar administração na universidade local.
Morando sozinho na cidade, ele já estava acostumado com a rotina longe da família quando tudo aconteceu. Seus pais, que tinham se mudado três meses antes para Foz do Iguaçu, agora se dividem nos cuidados com o filho.
"Eles alugaram uma casa aqui em Maringá. E o que me pegou muito foi essa questão de me despedir do meu apartamento, não conseguir trabalhar com o que eu trabalhava. Eu tive de deixar de lado tudo o que eu fazia", diz Pedro, que trabalhava gerenciando uma empresa.
O jovem diz que tem sensibilidade nos membros, o que aumenta sua esperança de conseguir retomar movimentos do corpo com o tratamento correto.
A minha lesão é considerada incompleta (o que permite que algumas fibras ainda levem informação do cérebro para o músculo e vice-versa) e eu tenho sensibilidade no corpo e nos membros, isso é muito importante. Eu sinto toque, eu sinto dor.
Pedro Marques
Apesar de mostrar otimismo com o futuro, ele conta que não faz mais planos. Antes, pretendia abrir uma empresa no ramo da moda ao lado da namorada, que estudou o assunto na faculdade.
Agora, o foco de Pedro e das pessoas ao seu redor é conseguir superar o que aconteceu, fisicamente e psicologicamente.
Por que sangramento causou paralisia?
Gabriel Bortoli, neurologista que cuidou do caso de Pedro em Maringá, explicou que por mais que o sangramento de Pedro tenha acontecido na altura da vértebra C4, a medula em si foi afetada em mais regiões.
De início, o jovem teve um acometimento que ia da vértebra C2 até a C7, mas com a cirurgia e a reabilitação o problema retrocedeu um pouco.
"O sangramento fez com que a medula espinhal dele, a nível cervical, fosse comprimida contra a parte óssea da vértebra. Como o sangramento foi na região posterior, a parte anterior da medula foi a mais afetada pela compressão, e é justamente onde passam nossas fibras neuronais que comandam os estímulos motores do cérebro pro corpo", detalhou o médico a VivaBem.
Sangramento é raro e pode acontecer sem traumas
Hemorragia de medula espinhal, como a de Pedro, é uma condição rara, mas que tem diversas origens possíveis, que não necessariamente um acidente, explica André Sugawara, médico fisiatra da Rede Lucy Montoro e professor de fisiatria da USP.
Pode acontecer por traumas ou até mesmo por estar próximo a agentes físicos traumatizantes, como explosões de bombas. Mas também pode ser causado por questões infecciosas como sífilis, tuberculose, febre tifoide, por erros de coagulação que predispõem a sangramentos e fatores genéticos, com síndromes que causam sangramentos na medula.
André Sugawara
Nem sempre esse sangramento causa dor, o que pode gerar ainda mais confusão sobre o quadro. A demora para encontrar a causa da paralisia não é incomum, mas Pedro segue o protocolo correto, começando a reabilitação o mais cedo que pode, segundo Sugawara.
[Pode acontecer de] alguém que está trabalhando, viajando num ônibus, vai se levantar da cadeira e percebe que está paralisado. Frequentemente são casos dramáticos, onde o diagnóstico da paralisia é rápido, mas a causa desta paralisia demora para ser encontrada e muitas vezes pode ficar sem uma etiologia [causa] definida.
André Sugawara
Dependendo da condição, pode recidivar (retornar) e piorar progressivamente. "Independentemente da causa, sempre é de extrema importância a investigação e a reabilitação para recuperar o máximo de movimentos e da funcionalidade possível", diz o especialista.
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