Jogue fora: utensílios pretos de cozinha podem liberar toxinas na comida

Espátulas, pegadores e outros utensílios plásticos de cozinha na cor preta têm o potencial de liberar produtos tóxicos e cancerígenos, apontou um estudo conduzido por pesquisadores da organização independente de pesquisa Toxic-Free Future, dos EUA, e da Universidade Vrije, dos Países Baixos, publicado na edição de outubro do periódico Chemosphere.

Para chegar a esta conclusão, estudiosos analisaram a composição química de 203 produtos de uso doméstico (utensílios de cozinha, brinquedos infantis, acessórios de cabelo e embalagens de comida de delivery ou congelados) em busca de dois tipos de substâncias retardantes de chamas: os bromados (BRFs) e os organofosforados (OPRFs), além de outros polímeros plásticos.

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Imagem: James Pauls / eyecrave LLCwww.eyecrave.com/Getty Images

A exposição prolongada a estes químicos, geralmente utilizados para conter o fogo em caso de explosão, curto-circuito ou incêndio, pode levar ao desenvolvimento de câncer, disfunções hormonais e doenças cardiovasculares, associam estudos anteriores.

O resultado foi preocupante: 85% dos produtos analisados possuíam algum dos retardantes de chamas, sendo que os níveis mais altos foram encontrados em uma bandeja de sushi, uma espátula e um colar de contas plásticas para crianças.

Como o plástico preto é difícil de reciclar, ele frequentemente é rejeitado no processo tradicional e reaproveitado de resíduos eletrônicos, sem regulamentação clara, o que aumenta o risco de contaminação em utensílios domésticos.

Tevês e outros eletrônicos podem ser origem do problema

Também foi detectado em 70% dos itens o composto éter decabromodifenílico (decaBDE), que era usado em invólucros de eletrônicos há décadas, mas foi proibido há mais de 20 anos em países que assinaram a Convenção de Estocolmo, como o Brasil, por ser considerado um "poluente orgânico persistente".

A Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), por exemplo, considera o decaBDE como tóxico, especialmente para fetos e crianças.

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A IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer) classifica o éter decabromodifenílico em seu grupo 3 de substâncias, isto é, ele é considerado "não classificável quanto a carcinogenicidade" —uma categoria comumente usada para agentes para os quais a evidência de câncer é inadequada em humanos e animais de experimentação.

No entanto, esta avaliação feita pela agência da ONU é de 1998. Um estudo realizado pela Universidade de Ciência e Tecnologia da China e publicado em abril no periódico Jama Network Open, da Associação Médica Americana, concluiu que há relação significativa entre o aumento de mortalidade por câncer e a exposição a este tipo de produto.

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Imagem: Liudmila Chernetska/Getty Images

Diversos dos utensílios de cozinha testados pelo time de pesquisadores que publicou na Chemosphere possuíam o decaBDE em níveis (34.700 ng/por dia) acima dos limites de exposição involuntária segura, como através da poeira.

De acordo com os padrões estabelecidos pela União Europeia, por exemplo, é considerada tolerável a presença do decaBDE até 10 ppm (partes por milhão). Os pesquisadores os detectaram em níveis de 5 a 1.200 vezes maiores.

E como uma substância que era encontrada em tevês e aparelhos de som nos anos 70 veio parar no seu prato?

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"Estes resultados claramente demonstram que eletrônicos contendo retardantes de chamas, como invólucros de grandes televisões, estão sendo reciclados em utensílios e potes de comida. Apesar de ser crítico que desenvolvamos abordagens sustentáveis ao lidar com o nosso fluxo de lixo plástico, temos que tomar algum cuidado e garantir que não estejamos contribuindo para exposições adicionais a estes químicos perigosos em materiais recicláveis", apontou a professora Heather Stapleton, da Universidade Duke, em um comunicado à imprensa sobre o estudo.

Reaproveitar o potinho da entrega nem sempre é boa ideia

Apesar de esforços de reaproveitamento de materiais serem geralmente interessantes para o meio ambiente, neste caso é preciso cuidado, como lembrou Stapleton. Um dos itens com maior nível de decaBDE (11.900 ppm) era a bandeja utilizada para a entrega de um sushi.

E se não vale a pena guardar a embalagem para deixar a comida na geladeira, o nível de preocupação aumenta caso você leve um potinho de delivery destes para o microondas —nenhum plástico deve ser aquecido dentro dele, mesmo que a embalagem diga que é seguro. Esta orientação se refere a risco de explosões ou danos a ambos os equipamentos, não à sua saúde.

"Levar o pote plástico ao microondas aquece tanto a embalagem quanto a comida. O aumento de temperatura permite que substâncias químicas dentro do plástico sejam liberadas dentro da comida enquanto é aquecida", explicou à revista Travel and Leisure a professora de farmacologia e toxicologia Phoebe Stapleton, da Universidade Rutgers, nos EUA.

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Imagem: SeventyFour/Getty Images
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A toxicologista Linda Birnbaum, ex-diretora do Instituto Nacional para Ciências da Saúde Ambiental e do Programa Nacional de Toxicologia dos EUA, explicou à CNN que é melhor evitar o plástico preto já no supermercado.

"Eu recomendaria não utilizar plástico preto para materiais que terão contato com a comida ou comprar brinquedos com peças plásticas pretas".

Para ela, o resultado do estudo não é novidade —quem trabalha na indústria sabe que este tipo de plástico não deveria ser reciclado porque pode conter produtos químicos perigosos, mas que o seu alerta é importante.

"Não estou ciente [de que haja] qualquer nível seguro de retardantes de chamas bromados", categorizou ainda o médico Leonardo Trasande, professor de pediatria e saúde populacional da Universidade de Nova York à emissora americana.

Ele frisa que este tipo, especialmente, tem a tendência de se acumular no corpo humano por anos e são bastante tóxicos. Trasande é o autor principal de um estudo que concluiu que a intoxicação por este tipo de substância levou a um custo de US$ 159 bilhões ao sistema de saúde dos EUA apenas em 2018.

A Toxic-Free Future mantém uma plataforma, a Retailer Report Card, em que é possível checar os níveis de materiais tóxicos presentes em produtos de marcas internacionais. Caso queira checar a avaliação do que você tem em casa, é só acessar o retailerreportcard.com.

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Substituir utensílios de plástico preto por opções de silicone, vidro ou aço inoxidável é uma medida prática para reduzir a exposição a esses compostos.

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