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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


'Você tem a droga na palma da mão': bets são 'pandemia'; como tratar vício?

Maioria dos jogadores de apostas online são homens jovens Imagem: Arte/UOL

De VivaBem, em São Paulo

10/10/2024 05h30

O vício em jogos de apostas com a popularização das bets esportivas e ao estilo tigrinho tem adoecido a mente dos brasileiros, além de levar a perdas bilionárias.

Embora o problema seja antigo (bingos, cassinos online e loterias esportivas), o novo cenário na internet preocupa o sistema de saúde. Ele é intensificado por fatores como a maior exposição à oferta dos jogos, a dependência mais rápida e o perfil jovem do público.

O que mudou?

Profissionais ouvidas por VivaBem marcam 2018 como o ano da mudança. Foi quando o governo Michel Temer aprovou a lei que liberava as casas de apostas esportivas. As bets vieram e, com gargalos na regulamentação, os casos de vício voltaram a subir.

A maioria é homem. Antes, eles chegavam no nosso ambulatório pedindo ajuda aos 40 anos. Hoje, pela intensidade do estímulo e facilidade de acesso, chegam entre 20 e 30 anos. A média é 25. Katia Branco Domingues Valente, psiquiatra voluntária do Pro-Amiti (Programa de Transtornos do Impulso) do Instituto de Psiquiatria da USP

Pesquisa Datafolha mostra que 30% dos brasileiros que fazem apostas esportivas online têm de 16 a 24 anos. O problema é que a parte do cérebro humano responsável por melhor discernimento e capacidade de escolhas só está totalmente formada após os 25. "Um garoto de 15, 16 anos vai entrar nessa vida sem critério para perceber que está tendo um problema", diz a médica.

Em 2023, o Pro-Amiti teve 160 inscrições para atendimento, das quais 94 estão em espera. Neste ano, já foram 115 inscritos para triagem, que também aguardam, totalizando 209 na fila. A assessoria de imprensa do IPq informou que "em razão do aumento de demanda desde 2023, as triagens de casos novos estão suspensas por tempo indeterminado".

Enquanto no jogo do bicho ou loterias esportivas a pessoa jogava uma vez e esperava de três dias a uma semana para ter o resultado, hoje é possível apostar em vários jogos ao mesmo tempo e ter retorno ao longo do dia com alguns cliques.

Quando você tem a droga na palma da mão, o grau de estimulação é mais rápido, e maior é o poder de dependência. Elizabeth Carneiro, psicóloga especialista em dependência química pela Unifesp

Segundo ela, ficar 24 horas à espera de resultados que podem mudar a vida financeira gera uma tensão sustentada muito adictiva. E esse novo modo de jogar, que tem um efeito no cérebro semelhante ao da anfetamina, "tem sido visto como uma grande pandemia".

Como tratar o vício em apostas?

O vício em apostas online se enquadra no transtorno do jogo —jogo patológico ou ludopatia—, descrito no DSM-5, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. A CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) trazia o quadro como um transtorno dos hábitos e dos impulsos, e a CID-11, dentro dos comportamentos aditivos.

O protocolo para esse transtorno é o mesmo tanto nos casos de apostas online como offline. O tratamento é direcionado para a pessoa com dependência e a família dela, que desempenha papel importante no controle do vício.

Fazem parte do tratamento:

Avaliação neuropsicológica;

Grupos motivacionais;

Grupo de psicoterapia especializado;

Apoio de consultor financeiro;

Consulta com psiquiatra.

A condução envolve diferentes trabalhos que são feitos em conjunto:

Psicoeducação: a pessoa com dependência é orientada sobre o problema, os mecanismos do jogo e a ilusão de que tem controle sobre o transtorno.

Balanço financeiro: visualizar o problema é fundamental, então pode-se criar uma planilha de ganhos e perdas, porque geralmente a pessoa só se lembra do que ganhou.

Terapia cognitivo-comportamental: até o momento, é a melhor abordagem psicológica no manejo desses quadros. Nas sessões, a pessoa é conduzida para entender os pensamentos e emoções que precedem o ato de jogar, como um gatilho, a fim de criar estratégias para lidar de outra forma com a situação de risco.

Envolvimento familiar: grupos de apoio orientam a família para lidar com o problema e especialistas analisam questões sistêmicas, como dependência prévia e traumas.

Muitos familiares acreditam que ajudam pagando as dívidas, mas o mecanismo é que se a dívida é paga, a pessoa se sente menos pressionada e joga novamente. Elizabeth Carneiro, psicóloga

Terceirizar a vida financeira: uma pessoa da família ou outra de muita confiança é orientada a assumir a vida financeira do jogador com dependência para evitar novas apostas. O celular é confiscado e a pessoa fica sem acesso a contas bancárias e cartões. Se precisar de dinheiro, apenas em espécie.

Possibilidade de internação voluntária ou involuntária: é uma opção quando a pessoa coloca a própria vida ou de outras pessoas em risco, como ter dívidas com agiotas ou acabar com o patrimônio da família.

Medicação: ainda não existem remédios aprovados para a fissura em jogo. O que se trata, hoje, são as comorbidades: depressão, ansiedade, abuso de álcool e outras drogas.

Preocupação de saúde pública

"Depois de álcool e tabaco, acredito que vai ser o comportamento compulsivo de mais prevalência no Brasil e no mundo", avalia Carneiro sobre as bets.

No cenário atual, uma preocupação dos profissionais de saúde é com o "estímulo avassalador" e sem critério que facilita a exposição aos jogos de aposta online a qualquer momento. "A gente precisa realmente tentar proibir", manifesta Valente, do IPq.

"A grande preocupação é a busca de uma regulamentação para tentar coibir o crescimento absurdo dessas bets e para ajudar essas pessoas que adoeceram e as suas famílias", diz a psiquiatra. "Quando a gente legaliza, diminui a percepção de risco do comportamento", completa Carneiro.

Outra preocupação é com a saúde das pessoas, que têm prejuízos psicológicos, financeiros, familiares, sociais e estão sujeitas a outros vícios. "O sistema público de saúde já não dá conta há muito tempo. Existem pouquíssimos centros especializados, e a maior parte das cidades não tem nada", diz Carneiro. "Precisamos ampliar nossa estrutura."

Em paralelo, vem a necessidade de treinar mais profissionais de saúde para atender o problema crescente. "Se já é difícil hoje, ou antes desse 'boom', imagina agora que a demanda aumenta muito", diz Valente.

Onde buscar ajuda

Há poucos centros especializados em dependência por jogos de aposta no Brasil, como o Pro-Amiti. A indicação é procurar assistência nas UBS ou nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) mais próximos.

Procure ajuda também no CVV (Centro de Valorização da Vida), que funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente.

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