'Meu inquilino secreto': jornalista enfrenta câncer provocado por sexo oral
Giovanna Arruda
Colaboração para VivaBem
12/09/2024 05h30
Casos de câncer na garganta e na boca têm crescido ao redor do mundo. Segundo especialistas, o HPV é um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da doença nessas regiões. Entenda como o contato com o vírus por meio do sexo oral pode desencadear diferentes tipos de câncer.
O que aconteceu
Jornalista britânico revelou que câncer na amígdala foi causado por fazer sexo oral. Em artigo ao The Express, Max Channon contou que foi diagnosticado com arcinoma espinocelular oral HPV16 positivo. Segundo Channon, a prática de sexo oral fez com que houvesse contato com o vírus HPV. No organismo do jornalista, o vírus se multiplicou e acabou se tornando um câncer. "Por razões que ainda não são claras para a ciência moderna, o HPV decidiu não desaparecer quando passou pelos meus lábios. Em vez disso, fixou residência permanente na minha amígdala esquerda", conta Channon.
Não satisfeito em reivindicar os direitos de invasor na minha garganta durante décadas, meu inquilino secreto começou então a fazer algumas remodelações celulares. Tenho certeza de que ser fumante há 30 anos, curtir festas ocasionais e tomar um copo (ou três) de uísque de vez em quando não ajudaram em nada
Max Channon, ao Express
Channon finalizou seu tratamento contra o câncer em dezembro de 2023. Em seu relato, o britânico conta que foi considerado curado da doença menos de um ano depois do diagnóstico. "Penso que é importante que mais pessoas saibam que o sexo oral pode causar câncer - mesmo que apenas ajude a desestigmatizar a questão. Espero também que encoraje os homens - que podem pensar que têm um risco muito baixo de desenvolver câncer da garganta ou da boca - a verificarem quaisquer sintomas, com rigor", diz.
Michael Douglas teve doença com a mesma origem. Em 2010, o ator norte-americano foi diagnosticado com câncer na língua, já em estágio quatro. De acordo com Douglas, o HPV, causador de sua doença, foi contraído por meio de sexo oral realizado em mulheres. Após sessões de quimio e radioterapia, o ator foi considerado curado da doença.
Sexo oral e câncer: qual é a relação?
Vírus pode acometer outras partes do corpo além da região genital e anal. O vírus pode estar presente em áreas chamadas de extragenitais, como conjuntivas (olhos), mucosa nasal, mucosa oral e laringe, órgão que fica na região do pescoço. O câncer de orofaringe, área que inclui a base da língua, o palato mole, as amígdalas e as partes lateral e posterior da garganta, tem demonstrado aumento crescente ao redor do mundo nos últimos anos.
O HPV já é responsável por 35% dos casos de câncer de orofaringe e 23% dos casos de câncer de boca. "Os cânceres de boca e garganta são o 6º tipo no mundo e a incidência está fortemente relacionada ao HPV e à prática de sexo oral" alerta o Ministério da Saúde.
Sexo oral pode aumentar chance de câncer de orofaringe. Ao praticar sexo oral em uma pessoa infectada, é possível contrair o vírus HPV. Segundo Hisham Mehanna, professor do Instituto do Câncer e de Ciências Genômicas da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, o principal fator de risco para o câncer de orofaringe é o número de parceiros sexuais ao longo da vida, em especial aqueles com quem se pratica o sexo oral. "Aqueles que têm seis ou mais parceiros de sexo oral ao longo da vida têm 8,5 vezes mais probabilidade de desenvolver câncer de orofaringe do que aqueles que não praticam sexo oral", escreveu o especialista ao The Conversation.
Nas últimas duas décadas, houve um rápido aumento do câncer de garganta no Ocidente, ao ponto de alguns o chamarem de epidemia. Isso deve-se a um grande aumento de um tipo específico de câncer de garganta denominado câncer da orofaringe [...] A principal causa deste câncer é o papilomavírus humano (HPV), que também é a principal causa do câncer do colo do útero. O câncer orofaríngeo tornou-se agora mais comum do que o câncer cervical nos EUA e no Reino Unido
Hisham Mehanna ao The Conversation
O HPV
HPV é responsável pela infecção sexualmente transmissível (IST) mais frequente no mundo. Segundo o Ministério da Saúde, o HPV (sigla em inglês para Papilomavírus Humano) está associado ao desenvolvimento de quase todos os casos de câncer de colo de útero, também chamado de câncer cervical. De acordo com dados do Ministério, o câncer cervical é o terceiro tumor maligno mais frequente na população feminina, atrás somente do câncer de mama e do colorretal. Além de provocar diversos outros tipos de tumores em homens e mulheres, o HPV pode causar provoca verrugas anogenitais (região genital e ânus), a depender do tipo de vírus.
Transmissão do HPV pode acontecer mesmo sem penetração sexual. O contágio acontece por meio de contato com a pele ou a mucosa infectada, e a principal forma de transmissão é pela via sexual, seja por contato oral-genital, genital-genital ou manual-genital. Como muitas pessoas infectadas pelo HPV não apresentam sinal visível ou sintoma, é possível transmitir o vírus mesmo sem ter conhecimento da presença do mesmo no organismo.
Infecção pelo HPV não apresenta sintomas na maioria das pessoas. Em alguns casos, o HPV pode ficar adormecido de meses a anos, sem manifestar sinais visíveis ou sintomas suspeitos. A eventual diminuição da resistência do organismo do portador pode desencadear a multiplicação do HPV e provocar o aparecimento de lesões. Em sua maioria, as infecções têm resolução espontânea em um período aproximado de até 24 meses. No entanto, é possível que alterações celulares aconteçam ao longo dos anos, fazendo com que alguns casos de HPV evoluam para o câncer.
Prevenção tem diferentes frentes. O uso de preservativo masculino ou feminino durante a prática sexual é uma das formas mais eficazes para prevenir diferentes tipos de infecções. Apesar de prevenir a maioria das ISTs, o preservativo não impede totalmente a infecção pelo HPV já que, frequentemente, as lesões causadas pelo vírus estão presentes em áreas não protegidas pelo dispositivo, como vulva, região pubiana, perineal ou bolsa escrotal. "A camisinha feminina, que cobre também a vulva, evita mais eficazmente o contágio [do HPV] se utilizada desde o início da relação sexual" orienta o Ministério da Saúde.
Exames de rotina são indispensáveis. A realização de exames de rotina, como o papanicolau para as mulheres, é fundamental para acompanhamento e diagnóstico precoce de eventual HPV. O exame ginecológico é o mais comum para identificar lesões precursoras do câncer do colo do útero, detectando células anormais no revestimento dessa área, que são tratadas antes de se tornarem, de fato, um câncer. "Quando essas alterações que antecedem o câncer são identificadas e tratadas, é possível prevenir 100% dos casos", diz o Ministério.
Vacinação contra o vírus também faz parte das principais formas de prevenção. A vacina não previne infecções de todos os tipos de HPV, mas age contra os tipos mais comuns do vírus. De acordo com o Ministério da Saúde, a vacina está disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para diferentes grupos, como: meninas e meninos de 9 a 14 anos; portadores do vírus HIV; transplantados de órgãos sólidos ou de medula óssea; pacientes oncológicos entre 9 e 45 anos; vítimas de abuso sexual, entre outros. Vale ressaltar que a vacina está disponível também na rede particular. A vacina é contraindicada para gestantes, pessoas com doenças agudas e com hipersensibilidade aos componentes do imunobiológico.
Tratamento para pessoas infectadas com o vírus é individualizado. Eventuais verrugas causadas pelo HPV podem ser tratadas em casa, com o uso de medicamentos e pomadas, ou de forma cirúrgica, com técnicas como a eletrocauterização. "O tratamento das verrugas anogenitais não eliminam o vírus, por isso as lesões podem reaparecer. As pessoas infectadas e suas parcerias devem retornar ao serviço [de saúde], caso identifique novas lesões", reforça o Ministério da Saúde.