'Com dor 3 dias após parto, descobri que esqueceram placenta dentro de mim'

A influenciadora digital Vitória Back, 25, é mãe de dois. Se a primeira gestação foi tranquila, a segunda fez com que ela precisasse abrir um processo contra a maternidade e o médico que conduziu o nascimento da caçula, atualmente com três anos, por violência obstétrica.

Além de ser tratada com descaso, ela descobriu que restos placentários foram deixados dentro dela mesmo após passar por duas curetagens, o que a levou a ter uma hemorragia profunda a ponto de desmaiar de fraqueza e precisar de transfusão de sangue.

"Tive duas gestações. A primeira, em que o meu filho atualmente tem sete anos, foi uma gravidez tranquila.

O parto da minha filha, que hoje tem três anos, foi tranquilo até o momento em que fiquei com 9 centímetros de dilatação. As enfermeiras e a pediatra foram atenciosas. Comecei a ficar desconfortável quando um médico entrou na sala e estava na parte de expulsão do bebê. Ele bateu na minha perna e disse: 'Vamos, mãe, já não é o primeiro, né?'.

Minha filha nasceu e eles a colocaram em cima de mim, como deve ser. Meu marido, pai dos meus filhos, cortou o cordão umbilical e a enfermeira mostrou a placenta para nós. Ela até perguntou se não queríamos trazer para casa.

Ali já comecei a sentir muita cólica, algo que não tive no parto anterior. Mas como um nascimento nunca é igual ao outro, achei que estava normal. Me deram remédio e falaram que poderia ser também a adrenalina da hora do parto. Fui para o quarto e ali as cólicas ainda continuaram, mas já estavam mais leves. Recebi alta e fui para casa.

No terceiro dia pós-parto, comecei a sentir cólicas muito mais avançadas, que eram praticamente contrações. Comecei a ter muita dor e muita febre, que não baixava. A cólica não amenizava nem com remédio. De manhã, fui para a maternidade onde tive minha filha. A princípio, eles achavam que era apendicite. Mas fizeram o exame e disseram que não era. Acharam que fossem pedra no rim, mas também não era.

A médica me examinou de novo e chegou à conclusão que poderiam ser restos placentários. Fizeram um ultrassom novamente e o exame mostrou que ainda tinha bastante resto da placenta dentro de mim.

Curetagem, problema com jejum e demora anormal

Vitória logo após o parto da caçula
Vitória logo após o parto da caçula Imagem: Arquivo pessoal
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Eles me internaram e disseram que uma cirurgia rápida seria feita, teria alta no mesmo dia e não era para me preocupar. Estávamos no hospital onde tinha ganhado minha filha, confiamos neles.

Quem ficou comigo lá no hospital foi a madrinha da minha filha. Na hora em que ela foi assinar a internação, viu que seria feita uma curetagem. Na mesma hora ligou para a tia dela, que é enfermeira, e ela explicou para nós, por cima, o que seria feito. A tia dela falou que era supertranquilo.

Perguntamos para as enfermeiras se ia ser anestesia local e elas disseram que parecia que sim. Falaram que a cirurgia seria bem rapidinha. Elas me deram comida o dia inteiro. Comi normal. Quando deu o horário, vieram no quarto e me levaram. Falaram para a minha amiga que ia demorar só meia hora.

Quando cheguei no centro cirúrgico, deitei na maca e o anestesista veio falar comigo. Já estava deitada e ele foi aplicar a anestesia e perguntou se tinha comido alguma coisa. Disse que sim, que tinha acabado de almoçar. Então ele disse que não podia porque ia ser anestesia geral, só que ninguém me avisou que era para ficar em jejum. Ele falou que se tivesse me anestesiado, poderia ter broncoaspirado ou algo pior e que aquilo não podia se repetir, que foi um erro das enfermeiras.

Minha cirurgia foi cancelada e me mandaram para o quarto. Só sei que as enfermeiras, a partir daquele momento, começaram a me destratar porque nos culpavam pelo que aconteceu. Elas levaram uma advertência por terem me dado comida.

Eles remarcaram a minha cirurgia para a noite, para ficar o tempo necessário em jejum. Voltei quase cinco horas depois.

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Quando voltei para o quarto, estava bem anestesiada ainda e só me sentia muito gelada. Achava que era por causa da anestesia, mas quando botei a mão embaixo do lençol, senti que estava molhada. Falei para a minha comadre que achava que tinha feito xixi e pedi para ela olhar.

Quando ela levantou o lençol, estava com muito sangramento, uma hemorragia muito forte que já tinha passado da fralda para o lençol. Ela se desesperou. Chamou uma enfermeira, que ficou apavorada e chamou outra profissional.

Essa outra enfermeira chamou o médico. Ele disse que saí do centro cirúrgico com uma hemorragia muito forte. Perguntou minha idade, disse que já tinha dois filhos e o que ele podia fazer é que, se até tal horário a hemorragia não parasse, ele faria uma histerectomia.

Na época, nem sabia o que isso significava. Perguntamos o que era, ele disse que se a hemorragia não parasse, ia ter que tirar meu útero e que era para minha acompanhante assinar os papéis na recepção porque já estavam com tudo encaminhado.

Minha comadre disse que não ia assinar e que ia ligar para minha família, para minha mãe e meu marido irem até o hospital porque ainda estava muito anestesiada e não era uma decisão dela. Consegui falar com eles e me acalmei.

Foram muitas fraldas trocadas e muita medicação envolvida. Até que, meia hora antes do horário limite que ele tinha me dado, uma enfermeira veio até o quarto para me dar banho e quando ela tirou minha fralda, viu que não tinha mais sangramento.

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A espera pelo ultrassom, uma nova curetagem e anemia profunda

Até o momento, estava sob efeito de remédios, logo, não estava sentindo dor. Fui conversar com o médico e ele me deu duas alternativas: ou poderia esperar mais dois dias no hospital e fazer um ultrassom ali, ou poderia ir para casa e, caso tivesse dor, faria exame no particular e para ver meu útero.

Como estava com um recém-nascido e mais uma criança em casa, decidi ir embora. Inicialmente, não tinha dor por causa dos remédios. Até que se passaram alguns dias e comecei a sentir dor, febre e muito odor vaginal. Marquei um ultrassom, fiz e deu que ainda tinham restos placentários dentro de mim.

Arrumei minha mala, dormi e, no dia seguinte, já fui em jejum ao hospital porque estava com medo de acontecer igual da outra vez. Ao chegar lá, pedi para consultar com o médico que fez o meu parto, o mesmo que fez a minha curetagem.

O médico perguntou o que estava acontecendo, entreguei o exame e disse que ainda tinham muitos restos placentários dentro de mim. Sinalizei também que estava com febre, dor e muito mau cheiro.

Vitória com os dois filhos e o marido
Vitória com os dois filhos e o marido Imagem: Arquivo pessoal
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Ele olhou para o ultrassom, para mim e perguntou quem tinha feito aquela curetagem malfeita. Olhei para ele e disse que tinha sido ele. O médico largou meus exames em cima da mesa e saiu da sala. Quando voltou, explicou que tinha que fazer uma segunda curetagem.

Falei que já estava em jejum, então ele disse que já podíamos internar. Eles não autorizaram a minha bebê ficar comigo e nem acompanhante. Fiquei sozinha. Fiz a curetagem e voltei para o quarto. Dessa vez, levei aquela anestesia que é nas costas, a raqui. O médico disse que passei mal no meio da cirurgia, mas não me lembro.

Ao chegar no quarto, pude ligar para alguém ficar comigo no hospital. Liguei para o meu marido e eles deixaram minha bebê entrar. Consegui amamentá-la, tomei banho e no dia seguinte tive alta. Em casa, continuei tendo sangramento a ponto de ter uma anemia profunda.

Fui em outra maternidade para ver se conseguia alguém para resolver meu quadro, mas não encontrei ninguém. O médico disse que minha filha já tinha nascido, que ela estava bem, então ele tinha mais coisa para fazer do que se preocupar comigo e me mandou pra casa com hemorragia.

Decidi não procurar mais hospital. Fiquei em casa tomando a medicação que foi passada na primeira maternidade, mas continuei tendo muita hemorragia. Mal me lembro dos primeiros meses da minha filha, de recém-nascida, porque vivia só dormindo em cima da cama de fraqueza.

Usei fralda esse tempo todo que fiquei com hemorragia porque nenhum absorvente segurava meu sangramento. Até que teve um dia que desmaiei dentro de casa e me levaram para uma UPA. Chegando lá, fui muito bem atendida. Estava com tanto sangramento que ele caía da maca e escorria pelo chão.

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Fui transferida para outra maternidade para fazer uma transfusão de sangue. Fiz vários exames e eles mostraram que realmente houve bastante negligência dos médicos. Estava com anemia gravíssima e eles resolveram o meu problema. Abri um processo de violência obstétrica contra o hospital e o médico."

O que são restos placentários?

Após o parto vaginal ou cesárea, é esperado que toda a placenta seja eliminada junto com o restante das membranas ovulares. Entretanto, há casos em que esses materiais ficam retidos na cavidade uterina, o que é conhecido como restos placentários.

Cerca de oito a 15 dias após o nascimento do bebê, cria-se uma película ao redor desses pedaços de placenta, desgrudando de onde estavam e podendo levar a uma hemorragia tardia. Outra possível complicação é uma infecção intrauterina.

Os restos placentários podem causar sintomas como:

  • sangramento vaginal
  • corrimento com mau cheiro
  • febre alta
  • dor abdominal/cólica
  • tontura
  • suor frio
  • fraqueza
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Diante desses sinais, a puérpera deve procurar pronto-atendimento imediatamente.

O diagnóstico costuma ser feito a partir da história clínica da paciente. Primeiro, o médico deve conferir se a placenta saiu intacta ou não na hora do parto. Caso não tenha saído, o restante pode ser retirado manualmente ou com uma pinça cirúrgica.

Quando a paciente desenvolve sintomas de restos placentários, o exame físico pode mostrar o útero maior do que deveria estar e com o colo aberto. Com a suspeita, o ultrassom intravaginal pode confirmar.

Os restos placentários devem ser retirados com aspiração manual intrauterina ou curetagem. Os dois procedimentos devem ser cautelosos porque o útero estará mais mole e com risco de perfuração. Se possível, eles devem ser realizados com ultrassom.

Normalmente, os restos placentários permanecem no organismo feminino caso as contrações do útero não tenham sido suficientes para expulsar a placenta, se o colo do útero fechar antes da saída completa dela ou caso ela esteja aderida aos músculos do órgão feminino, dificultando a eliminação.

Para além dessas causas entendidas como naturais, há a possibilidade do erro médico que leva ao esquecimento do material dentro do organismo feminino, principalmente em caso de cesárea.

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Fonte: Rosiane Mattar, coordenadora científica de obstetrícia da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo).

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