Elas contam como é gravidez quando se tem epilepsia; veja riscos e cuidados

A epilepsia é uma doença que tem registros ainda na Antiguidade, quando já era considerada uma doença espiritual. Mais para frente, os gregos acreditavam que essas pessoas eram possuídas por entidades divinas. Já na Idade Média, dominada por dogmas religiosos, essas mesmas pessoas eram vistas como tomadas pelo demônio e, portanto, perigosas.

Essa ideia mística da epilepsia e de que as crises convulsivas são uma expressão de algo sobrenatural já foi analisada em diversos estudos. E é justamente essa visão que acaba gerando vergonha e receio de se expor em quem vive com o problema.

Imagine, então, o tamanho do estigma quando se é uma mulher com epilepsia e tem o desejo de ser mãe. "Há muita desinformação e a doença é rodeada de preconceito", afirma Tatiane Boute, ginecologista e obstetra do Fleury Medicina e Saúde. "Mas com planejamento e acompanhamento corretos, mulheres podem sim engravidar de forma segura", diz a especialista.

A epilepsia é uma doença provocada por um mau funcionamento do cérebro e que ocorre quando os neurônios de uma determinada área do órgão emitem impulsos elétricos incorretos, provocando convulsões.

"Essas convulsões podem variar desde breves lapsos de atenção ou espasmos musculares até crises prolongadas", explica Diogo Haddad, neurologista do Hospital Nove de Julho, em São Paulo.

É uma das doença neurológicas mais comuns e que pode afetar desde recém-nascidos até idosos. Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que a doença acomete cerca de 2% da população brasileira e cerca de 50 milhões de pessoas no mundo.

O manejo da doença já é bem estabelecido e envolve uso de medicações para controlar as convulsões, por exemplo. O problema é que algumas dessas medicações são teratogênicas, ou seja, podem provocar má formação no bebê de mulheres que fizerem uso deles durante a gravidez. Daí a necessidade de engravidar de forma planejada, para que seja feita a troca de medicação para opções mais seguras de forma controlada e sem atropelos.

O receio de má formação era o principal medo da fisioterapeuta Juliane Ramos, 36, de São Paulo. Ela descobriu a epilepsia com 11 anos, embora a mãe dela recorde de alguns episódios de ausência —uma crise em que a pessoa fica sem reação— antes disso.

Por isso, ela fez o que todos os médicos ouvidos pelo VivaBem recomendam nesse caso: planejou muito bem a gestação antes de engravidar. Mas nem tudo saiu como ela esperava.

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"Eu tentei fazer a troca do remédio por outro, mais seguro. Mas o foco de epilepsia no meu cérebro voltou a ficar visível no exame e minha neurologista preferiu voltar atrás", revela. Mesmo assim, ela não teve problemas durante a gravidez e Benjamin, hoje com 8 anos, nasceu e segue crescendo saudável.

Juliane não conseguiu trocar o medicamento, mas Ben nasceu saudável
Juliane não conseguiu trocar o medicamento, mas Ben nasceu saudável Imagem: Arquivo pessoal

Quais os riscos para mãe e bebê?

De acordo com José Marcos Vieira, neurologista do Grupo Santa Joana, de São Paulo, o principal risco envolve mesmo o uso de medicações. "São substâncias usadas para controlar as convulsões que podem levar à má formação do bebê ou causar problemas na infância da criança", explica.

Segundo ele, esses problemas podem ser desde má formações físicas, que inviabilizam a vida do bebê ainda no útero, até questões mais sutis, como a redução do QI da criança. "Por isso, a recomendação é sempre de que essas mulheres tenham uma gravidez planejada, para que exista a possibilidade de troca de medicação, sempre, primando pelo segurança física da mulher", diz o especialista.

Quando essa troca não é possível, como no caso de Juliane, o acompanhamento precisa ser feito ainda mais de perto por um neurologista e um obstetra especialista em gestação de risco. Uma recomendação muito comum é a ingestão de ácido fólico em doses maiores para diminuir os riscos de má formação neural, explica o neurologista Diogo Haddad.

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Isso porque o ácido fólico tem um papel importante na multiplicação celular e previne também outras deficiências congênitas, como fissura labial e má formação nos membros.

Outro ponto importante é o cuidado em manter hábitos saudáveis e controle de gatilhos para as convulsões, principalmente nesse período em que o corpo vai mudar tanto. "O padrão de sono, por exemplo, pode mudar muito na gravidez, e privação de sono é um gatilho importante para as crises", afirma Vieira. "Isso é perigoso não só por colocar em risco a integridade física da mulher, como também por interferir no crescimento do feto", explica.

Por fim, é importante saber também que a doença pode aumentar o risco para complicações na gestação. "Sabemos que mulheres com epilepsia têm maior risco de parto prematuro e de terem bebês com baixo peso ao nascer", alerta Boute.

Por esse motivo, é importante planejar o parto para que ocorra em um ambiente hospitalar que possua UTI materna e neonatal. "Além disso, é recomendado que a gestante seja acompanhada, além do neurologista, por um obstetra que tenha experiência com pacientes que vivem uma gravidez de alto risco", avalia Breno Sena, obstetra da Maternidade Brasília, da rede Dasa, no Distrito Federal.

E quando não é planejada?

Estima-se que cerca de 55% das gestações não são planejadas no Brasil. Mas e quando isso ocorre com uma mulher que tem epilepsia? Esse foi o caso da jornalista Tainá Goulart, 33. Ela já sabia que tinha a doença desde 2019 e sofria praticamente uma convulsão por mês enquanto ajustava a medicação e se adaptava ao diagnóstico.

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"Eu quebrei meu ombro, tive luxações, tomei ponto na cabeça por quedas causadas pelas convulsões", relembra. "Eu tinha muita raiva porque aquilo não parava e, ao mesmo tempo, tinha medo de andar sozinha na rua, ter uma crise e morrer ao bater a cabeça no chão", afirma.

Em 2022, após um relacionamento de uma noite, Tainá engravidou de forma inesperada. "Não foi planejado, mas decidi seguir em frente. Havia passado por tanta coisa, já estava mais estável e acreditei que daria conta do desafio", afirma.

Laura (avó), Francisco e Tainá
Laura (avó), Francisco e Tainá Imagem: Arquivo pessoal

Nesses casos, a principal recomendação dos médicos é de não parar o uso da medicação por conta própria, já que isso aumentaria o risco de novas crises, colocando em risco a vida da mãe e do bebê. "Idealmente, a gravidez deve ser planejada. Mas, se isso não foi possível, é importante ir ao médico e fazer a troca da medicação o quanto antes", afirma Vieira.

Foi o que Tainá fez: buscou orientação da neurologista que a acompanhava e também de uma obstetra. Adaptou os remédios, introduziu os suplementos necessários e cuidou melhor da alimentação, monitorou o sono para dormir as horas necessárias e seguiu praticando atividade física. Dessa forma, não teve crises no período e conseguiu dar à luz Francisco após 38 semanas e cinco dias.

O bebê, no entanto, precisou ficar na UTI durante 13 dias por ter nascido com líquido nos pulmões. "Não sei se foi ou não o uso da medicação. Foi um momento desafiador no sentido mental e emocional, mas sinto que isso nos fortaleceu no final", afirma ela, que hoje vive bem com o filho de 1 ano e 3 meses.

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Pós-parto e amamentação trazem mais desafios

Se, por um lado, há muito receio da gestação em mulheres com epilepsia, por outro, é o pós-parto e o puerpério que representam desafios tão ou mais intensos do que a gravidez. Além da flutuação hormonal, que influencia no físico e na saúde mental das puérperas, a privação de sono típica desse período pode desencadear crises epilépticas em quem tem a doença.

Por isso, é importante que a mulher mantenha o acompanhamento frequente com os médicos. "Há um risco maior de mudança na frequência de crises convulsivas no puerpério", afirma Elisa Braun Rizkalla, neurocirurgiã da rede de clínicas AmorSaúde, parceiras do Cartão de TODOS, de Imperatriz, no Maranhão.

A especialista lembra ainda que o pediatra que acompanha o recém-nascido deve ser informado sobre as medicações de uso contínuo da mulher, já que as medicações podem passar para o bebê por meio do leite materno.

Esse era o maior medo da fisioterapeuta Juliane. "Minha mãe já havia tido uma experiência difícil com amamentação e eu associei esse medo com o das medicações fazerem mal para o bebê", afirma. No entanto, ela conseguiu amamentar por um ano e um mês sem nenhum problema, mesmo fazendo uso das medicações.

No caso da jornalista Tainá, durante o puerpério, ela descobriu um tumor na hipófise que influenciava na produção de prolactina, o hormônio responsável por induzir a produção de leite. Por isso, ela parou de amamentar o filho com quatro meses.

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"O aleitamento sempre foi misto e, quando meu leite secou, minha neurologista achou melhor não estimular pelos riscos envolvidos", explica Tainá. Nesse período, ela tomou medidas preventivas para não ter crises, como colocar fone de ouvido para dormir enquanto a mãe dela cuidava do bebê.

"Sempre falo a todos a importância da rede de apoio para uma mãe com epilepsia", reforça a jornalista. "E não me culpo. Eu fiz o que deu, o que foi possível para mim, e tudo bem."

O que fazer ao presenciar uma crise de epilepsia:

Deite a pessoa de lado para que não engasgue com a própria saliva ou vômito;

Remova todos os objetos ao redor que possam machucá-la;

Afrouxe as roupas;

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Erga o queixo para facilitar a passagem do ar;

Não introduza nenhum objeto na boca nem tente puxar a língua para fora;

Leve a pessoa a um serviço de saúde assim que a convulsão passar.

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