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Falha em habilidade auditiva: 'Me sentia burra por dificuldade com idiomas'

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Imagem: iStock

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

02/02/2023 04h00

"Ficava extremamente irritada e confusa em ambientes cheios, com ruídos e várias pessoas falando ao mesmo tempo, perdia o foco e a concentração se tivesse qualquer som que não tivesse a ver com o que estava conversando. Também não conseguia aprender e memorizar as palavras e a pronúncia dos sons em inglês. Me sentia mal e burra com essa dificuldade no aprendizado de idiomas."

As queixas da fisioterapeuta Márcia Cintra, 63, estão relacionadas a uma falha na habilidade auditiva, caracterizada por uma alteração no PAC (processamento auditivo central), problema que atinge 20% da população.

Ingrid Gielow, fonoaudióloga e doutora em ciências dos distúrbios da comunicação humana, explica que a orelha ouve, mas é o "cérebro que escuta", isto é, que nos faz entender o que ouvimos.

"As habilidades auditivas são funções do sistema nervoso central que nos permitem processar e compreender o que ouvimos de maneira eficiente e efetiva. Além de detectar o som, precisamos localizar de onde ele vem, discriminá-lo de outros sons parecidos ou de ruídos no ambiente, reconhecê-lo, para associar esse som às experiências registradas na memória e compreender o que ouvimos, tudo isso em uma fração de segundos", explica Gielow.

Sem as habilidades auditivas, os sons e as palavras não teriam significados e não conseguiríamos entender alguém falando em uma ligação com conexão ruim ou em um ambiente com música, por exemplo.

Dificuldade de memorização

Kalinka Toral, personagem de VB - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Kalinka tinha problemas de memorização
Imagem: Arquivo pessoal

Ao notar algumas dificuldades na audição, a administradora de empresas Kalinka Toral, 47, foi ao otorrinolaringologista e exames apontaram alterações no PAC. Isso a ajudou a entender por que ficava tão furiosa e com raciocínio bagunçado quando participava de reuniões com conversas paralelas.

"Ouvia os sons, mas era incapaz de interpretar qualquer palavra. Outra situação comum era as pessoas afirmarem algo ou contarem alguma história e eu responder como se elas estivessem me perguntando. Também tinha dificuldades de memorização, de reter dados, esquecia quando ia anotar alguma coisa ou chegava na cozinha sem saber o que fui buscar", relembra.

Apesar de o sistema auditivo já estar pronto no quinto mês da vida intrauterina, as habilidades auditivas vão sendo desenvolvidas na primeira década de vida.

De acordo com Leticia Reis Borges Ifanger, diretora da Faculdade de Fonoaudiologia da PUC-Campinas, as causas podem estar relacionadas a:

  • episódios recorrentes de otite média
  • hereditariedade
  • experiências auditivas insuficientes
  • fatores perinatais/neonatais
  • alterações neurológicas
  • fatores genéticos
  • imaturidade do sistema nervoso auditivo central

Treinamento de habilidades auditivas existe!

Segundo Ifanger, treinar as habilidades auditivas é eficaz e cientificamente comprovado. O treinamento pode ser acusticamente controlado ou clínico e precisa conter exercícios auditivos que estimulem as habilidades com variação de tarefa e níveis de dificuldade. O paciente ouvirá os estímulos por meio de fone de ouvido e deverá emitir uma resposta verbal ou escrita.

Há diversas ferramentas disponíveis para treinar as habilidades auditivas, uma delas é a plataforma online Afinando o Cérebro, que oferece jogos que estimulam o cérebro com atividades auditivas verbais e não verbais, memória, linguagem e atenção.

"Mesmo quem não tem um problema diagnosticado ou uma falha no processamento auditivo central, mas quer melhorar suas habilidades auditivas, foco e memória, pode se beneficiar com o treinamento. E isso pode ser feito em qualquer idade", afirma Ingrid Gielow.

Márcia Cintra, personagem de VB - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Márcia esteve na Índia e conseguiu entender o inglês com sotaque
Imagem: Arquivo pessoal

Márcia fazia os exercícios diariamente em casa pelo computador para conseguir separar e reconhecer os sons e focar no que precisava ouvir sem ser "invadida" por outros ruídos. Ela também fazia acompanhamento fonoaudiológico uma vez por semana.

"No começo, até evitei fazer os exercícios que eram mais difíceis para mim, mas, de forma geral, foi um trabalho gostoso e lúdico e tive resultados rápidos. Hoje em dia, consigo estar em lugares cheios com várias pessoas falando ao mesmo tempo e manter minha atenção no que preciso sem ficar irritada e nem me distrair. Após o treino, fiz uma viagem para a Índia e consegui entender o inglês com sotaque indiano. Treinar as habilidades auditivas melhorou a minha autoestima e segurança", comemora a fisioterapeuta.

Kalinka passou a bloquear 20 minutos do horário do almoço para garantir a frequência dos exercícios que ela alternava com outras atividades, como jogar sudoku, fazer problema de lógica e leituras, todos sob a orientação de uma fonoaudióloga.

"Após dois meses fazendo o treinamento auditivo, passei a jogar sudoku ouvindo música clássica. E depois de 10 meses de tratamento, li 12 livros técnicos em um ano, uma quantidade de livros que não tinha lido na minha vida inteira. Minha comunicação melhorou muito, irritabilidade, autopercepção, memória e flexibilidade de raciocínio", conta a administradora de empresas.

Segundo as fonoaudiólogas consultadas pela reportagem, os benefícios observados nos indivíduos que treinam as habilidades auditivas são:

  • Maior facilidade em entender o que é falado em um ambiente com outros sons/ruídos ou pessoas falando
  • Melhor percepção da própria fala, facilitando a dicção correta e a expressividade da fala
  • Maior agilidade cerebral para compreender o que ouve
  • Foco e atenção
  • Melhora da memória auditiva, da aprendizagem, incluindo idiomas estrangeiros
  • Controle da voz durante o canto e na afinação da voz
  • Interpretação e elaboração de texto
  • Organização
  • Discriminação auditiva
  • Acentuação de palavras e pontuação de textos
  • Memória
  • Compreensão de piadas/palavras de duplo sentido e ironias
  • Evocação de palavras

Conheça exercícios de treinamento auditivo

  • Figura fundo auditiva

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Imagem: iStock

É a habilidade de escolher em qual som você vai prestar atenção, em situações com outros sons presentes ao mesmo tempo. Contribui para focar e entender uma pessoa falando em ambientes ruidosos com música, e/ou outras pessoas falando, como ocorre em reuniões, festas, congressos, feiras, shows ou ambientes públicos.

Como treinar?
- Material: pessoas conversando em um ambiente com fala competitiva (tipo cafeteria, padaria, restaurante, feira).

Instrução: Preste atenção em uma pessoa falando nesse local, ou na letra da música ambiente. Uma alternativa similar que pode servir de treino em casa é repetir palavras, frases ou versos lidos ou gravados por uma pessoa com a TV, um podcast ou rádio ligados para dificultar a tarefa. Quando estiver fácil, o volume do som competitivo pode ser aumentado.

  • Fechamento auditivo

É a habilidade do cérebro de compreender o que foi dito, mesmo quando a fala não está clara ou falta alguma informação. É útil para entender uma fala distorcida, como em um telefonema com sinal ruim, ou abafada por uma máscara ou capacete.

Como treinar?
Material: textos ou trava-línguas; um objeto para filtrar a fala de quem fará a leitura dos textos/trava-línguas selecionados (copo de isopor, caneca de cerâmica, máscara e/ou face shield).

Instrução: Ouça a pessoa falando com copo de isopor, caneca sobre os lábios, ou máscara/face shield) e repita o que entender.

  • Memória auditiva

É a habilidade do cérebro em lembrar de uma sequência de sons ou palavras, na ordem que foram apresentadas. Contribui para conseguir lembrar uma sequência de informações na ordem em que ouviu, prestando atenção em mais de uma informação ao mesmo tempo.

Como treinar?
- Material: 4 objetos que fazem som (chaves, sino, coco, chocalho, bichinho de borracha)

Instrução: De olhos fechados ou de costas, a pessoa deve ouvir sequências de 3 sons e, em seguida, apontar quais foram os objetos na sequência correta. Para dificultar, é possível aumentar gradativamente o número de sons.