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Quando comer gera sofrimento: os transtornos alimentares e como se prevenir

Samantha Cerquetani

Colaboração para o VivaBem

15/12/2022 04h00

Ficar muito tempo sem comer, alimentar-se até não aguentar mais e induzir o vômito, não sair de casa para não abandonar a dieta. Todos esses comportamentos podem indicar um transtorno alimentar.

Comer é vital e fornece nutrientes essenciais para o organismo funcionar adequadamente. Além disso, é fonte de prazer e ferramenta de socialização. Muitas vezes, no entanto, só de pensar nas refeições surgem sentimentos de culpa, angústia e até repulsa.

  • Transtornos alimentares são condições psicológicas que provocam mudanças alimentares pouco saudáveis. Surge uma diversidade de comportamentos persistentes que prejudicam a saúde física, mental e social --e, em alguns casos, levam à morte.

As causas envolvem uma grande insatisfação com a imagem corporal, além de questões biológicas e familiares, traços de personalidade e padrões de beleza distorcidos. É um problema de saúde que deve ser acompanhado por especialistas Fábio Salzano, coordenador do Ambulim (Programa de Transtornos Alimentares) do IPq (Instituto de Psiquiatria) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP)

Tipos de transtornos alimentares

Em alguns casos, além dos comportamentos acima, há a distorção de imagem corporal, ou seja, a pessoa se enxerga de uma forma irreal —com excesso de peso, na maioria das vezes.

Por que acontece?

Em 2018, Vitória da Cruz, 23, estudante de nutrição da Lapa (PR), ouviu uma crítica em relação ao seu corpo. Segundo ela, isso foi o gatilho inicial para a anorexia nervosa. Ela mudou totalmente a dieta e diminuiu a quantidade de alimentos drasticamente. Além disso, fazia atividade física de forma excessiva para emagrecer.

"Em pouco tempo, perdi mais de 20 kg, mas não me achava magra. Estava sempre ansiosa, perdi roupas, cabelos e baguncei meus hormônios. Porém, tive a sorte de conseguir ajuda e iniciar o tratamento, que me salvou", conta.

Assim como o que aconteceu com Vitória, alguns traumas podem desencadear transtornos alimentares. A seguir, veja quais são as principais causas:

Dietas restritivas causam mesmo transtornos mentais?

Um assunto bastante controverso é se as restrições alimentares (ou dietas) podem desencadear os transtornos alimentares. Os especialistas reforçam que o risco aumenta quando os indivíduos apresentam predisposição psicológica e genética —principalmente quando não há supervisão de profissionais.

"A dieta pode reforçar determinados tipos de comportamento na alimentação. Quando a pessoa fica horas sem se alimentar, há um aumento da ansiedade e da compulsão em quem já tem ou teve algum episódio anterior de transtorno alimentar", explica Renata Liboni, endocrinologista e professora da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

Uma pesquisa realizada pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) com mais de 800 universitários apontou que a prática não supervisionada de dietas aumenta os comportamentos transtornados em relação à alimentação.

Dos 25% dos universitários que aderiram a dieta low carb (baixo consumo de carboidratos), 7,5% usaram laxantes e induziram vômitos. Muitos sentiram culpa após comer e se preocupavam excessivamente com o peso.

Para Felipe Almeida, nutricionista e docente da Uniguaçu, entretanto, há poucos estudos no mundo associando diretamente as dietas restritivas, como o jejum intermitente, ao surgimento dos transtornos alimentares.

"A restrição alimentar não é considerada um fator causal e não temos comprovação científica de que provoque anorexia, sem histórico anterior, por exemplo. Além disso, nem sempre os estudos são claros sobre o tipo de dieta e focam mais nos comportamentos. É importante que se avaliem os antecedentes e o histórico de forma individual", opina.

Corpo inteiro é alterado

Um adulto saudável deve consumir cerca de 2.000 calorias por dia e manter uma dieta balanceada, o que significa incluir nas refeições todos os grupos alimentares (verduras, legumes, frutas, carnes, ovos, grãos, raízes). Agora, imagine o que acontece ao reduzir essa quantidade drasticamente ou aumentar o consumo de forma repentina?

As complicações advindas de um transtorno alimentar se relacionam a uma tentativa do organismo de economizar energia e se adaptar ao estado de carência nutricional. O corpo fica completamente descompensado, pois há um desequilíbrio de caráter crônico e progressivo Fabiano Roberto, nutrólogo e diretor da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia)

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Saúde mental e o risco de morte

  • Estima-se que de 50% a 70% das pessoas com algum tipo de transtorno alimentar também tenham depressão.
  • Em casos graves e crônicos, a pessoa não consegue mais realizar atividades do dia a dia, como trabalhar ou praticar o autocuidado.

Muitas vezes, a comida entra na rotina como uma válvula de escape para lidar com as emoções negativas. Esses transtornos causam bastante sofrimento e aumentam o risco de suicídio. Muitos sentem vergonha e escondem a condição, o que adia a procura por ajuda Christiane Ribeiro, psiquiatra da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Geralmente, os pensamentos passam a girar em torno do peso, imagem corporal e formas de controle para não engordar. Além da depressão, aumentam os casos de ansiedade e uso de substâncias como o álcool, e também comportamentos impulsivos.

Desde a adolescência, Amanda Corrêa, 28, luta contra a compulsão alimentar e ansiedade.

"Quando estava feliz ou triste, eu descontava na comida. Comia tudo o que via pela frente e depois induzia o vômito. Na pandemia, cheguei a 123 kg. Sofri muito, mas busquei ajuda após um ataque de pânico em 2021. Agora, estou medicada e já perdi 20 kg", conta a moradora de Manaus (AM).

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A importância do tratamento multidisciplinar

Após o diagnóstico de um transtorno alimentar, é preciso realizar o acompanhamento com diferentes profissionais. Na maioria das vezes, o tratamento envolve uma combinação de aconselhamento médico, psicológico e nutricional.

As medidas terapêuticas devem englobar os sintomas específicos do tipo de transtorno, assim como as questões culturais e biológicas de forma individual. Alguns casos necessitam de internação, principalmente quando há risco de morte ou desnutrição severa.

Entre os principais profissionais envolvidos, estão:

  • Nutricionista: o especialista trabalha as questões relacionadas à alimentação, como crenças equivocadas, percepção de fome e saciedade, qualidade e quantidade da alimentação. Pode montar um cardápio de acordo com a necessidade e limitações da pessoa.
  • Psiquiatra: o médico investiga e trata as complicações clínicas, avalia se há outros transtornos psiquiátricos e indica medicamentos.
  • Psicólogo: por meio da terapia comportamental, é possível analisar as questões internas envolvidas, traumas, medos, ansiedade e culpa que mantêm um relacionamento patológico com a comida. O objetivo é ajudar a entender e mudar padrões de pensamento distorcidos que impulsionam os comportamentos e as emoções.

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Formas de prevenção

Desde cedo, crianças e jovens devem ser estimulados a ter uma boa relação com a comida e com seu corpo. A autoestima também precisa ser fortalecida pelos pais e familiares. Além da aparência física, outras questões devem ser valorizadas, como desempenho escolar e pequenas conquistas.

De forma geral, o ideal é evitar fazer comentários sobre os corpos alheios e julgamentos sobre as escolhas alimentares. Outro ponto relevante para a prevenção dos transtornos alimentares é moderar o uso das redes sociais, que geralmente propagam padrões de beleza distorcidos e dietas mirabolantes.

A recomendação é tentar manter uma alimentação variada, o mais próximo possível do saudável, sem excessos ou restrições. É importante não categorizar os alimentos e evitar estimular o sentimento de culpa ao comer, aquela sensação de estar fazendo algo errado Camyla Rocha, nutricionista e docente da UFAL (Universidade Federal de Alagoas).

Quem tem tendência a desenvolver um transtorno alimentar precisa resgatar a importância da alimentação em sua vida. Muitas vezes, é necessário rever conceitos que absorveu durante anos, desprender-se da cultura da dieta, reaprender a perceber os sinais de fome e ansiedade e entender a necessidade de não se privar de nada, mas saber consumir a quantidade ideal.

Apoio é fundamental

Quem tem um transtorno alimentar não escolheu estar nessa situação. Mesmo com o tratamento, por ser um processo contínuo, muitos terão recaídas, ou seja, voltam a ter comportamentos que prejudicam a sua saúde. Nesses casos, a família e os amigos devem acolher e dar apoio em momentos difíceis. É comum que sejam eles os primeiros a perceber que há algo errado.

O primeiro passo é não banalizar os transtornos alimentares e não julgar como frescura ou fraqueza. "É preciso entender que a pessoa não consegue sozinha voltar a ter uma relação saudável com a dieta. É necessário se informar, buscar ajuda e falar com cuidado e atenção ao tocar no assunto para ajudar de verdade", diz Lara Herrera, psicóloga do Proata (Núcleo de Atenção aos Transtornos Alimentares) do Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Mas como e onde buscar ajuda? Caso você se identifique com os sintomas relatados na matéria (ou conheça alguém que apresentam esses sinais), procure apoio e ajuda profissional o quanto antes. No Brasil, há diversos programas disponíveis, vinculados às universidades públicas, que oferecem apoio psicológico e orientação profissional de forma gratuita.

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

Fontes: Camyla Rocha, nutricionista e docente da UFAL (Universidade Federal de Alagoas); Christiane Ribeiro, psiquiatra da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria); Fabiano Roberto, nutrólogo e diretor da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia); Fábio Salzano, coordenador do Ambulim (Programa de Transtornos Alimentares) do IPq (Instituto de Psiquiatria) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP); Lara Herrera, psicóloga do Proata (Núcleo de Atenção aos Transtornos Alimentares) do Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo); Luisa Bisol, psiquiatra e coordenadora do CETRATA (Centro de Tratamento de Transtornos Alimentares) do Hospital Universitário Walter Cantídio (Ceará).

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