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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Entenda o 'efeito porta', quando esquecemos algo ao mudar de ambiente

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Imagem: iStock

Flávia Santucci

Colaboração para VivaBem

24/09/2022 04h00

Já deve ter acontecido com você: bastou sair da sala e ir para o quarto para esquecer o que foi fazer lá. É o chamado 'efeito porta' e, na maioria das vezes, acontece quando estamos sobrecarregados e com a mente exausta.

Antes de se preocupar, calma: a princípio, isso não indica nenhum problema de saúde grave. A situação acontece porque a memória costuma ser ligada ao local em que a pessoa está. Por isso, quando se muda de ambiente, acaba não lembrando o que ia fazer ou por que chegou ali.

"Quando mudamos de local, mudamos também o foco de atenção, como se deixássemos a memória vinculada apenas ao ambiente anterior. Isso também pode ser chamado de efeito de atualização de localização", explica a neurocientista Livia Ciacci, da rede Supera Ginástica para o cérebro, especialista em bioengenharia dos sistemas neuronais pelo Laboratório de Neurociência Experimental e Computacional da UFSJ (Universidade Federal de São João Del-Rei).

Segundo ela, muitos experimentos já testaram o efeito da mudança de local sobre tarefas em andamento, incluindo objetos ou listas de palavras. Um estudo publicado no The Quarterly Journal of Experimental Psychology, por exemplo, mostrou que sim, as memórias estão ligadas ao local em que estamos.

Apesar disso, Ciacci afirma que o 'efeito porta' só ocorre se estivermos em um estado cognitivo vulnerável, com o foco de atenção dividido.

"A atenção é uma função cognitiva que direciona nossa consciência para uma informação de cada vez", explica. "E sempre será apenas uma informação de cada vez, por mais que seja possível alternar entre uma coisa e outra", diz.

Muita coisa ao mesmo tempo agora

O engenheiro civil Renato Morettini, 37, confessa que, pelo menos uma vez por dia, costuma esquecer o que estava prestes a fazer. De tarefas simples em casa a coisas mais importantes no trabalho, vira e mexe se perde nos pensamentos.

"Ir à cozinha e não saber o que ia pegar lá é todo dia. Direto minha mulher pede alguma coisa e esqueço também. O que mais me marca são as contas que esqueci de pagar, aí tenho que pagar multa. No trabalho, vejo algum e-mail que fiquei de responder, começo a ler outros e não respondo aquele que precisava", diz.

Quem também costuma esquecer coisas simples do dia a dia é o promotor de eventos André Carlini, 40, que já passou por algumas situações engraçadas por conta da falha de memória.

Em uma delas, há cinco anos, entrou no carro sem as calças, apenas vestindo uma cueca boxer amarelo limão. Ele percebeu o erro quando se aproximava de um pedágio e procurou pela carteira, que deveria estar nos bolsos.

"Achei que estava com a bermuda do crossfit, porque era da mesma cor. Minha mãe ligou falando para ir naquela hora para minha cidade natal [a 120 km de distância de onde morava na época] porque minha avó estava muito ruim. Só coloquei o tênis, fechei a casa e fui", conta.

Ao notar a situação, 30 minutos depois de sair de casa, André fez o retorno na pista e voltou para buscar a calça. "Peguei a mochila, entrei no carro e segui viagem. Novamente chegando no pedágio, fui colocar a mão no bolso e vi que não tinha vestido. A calça estava na mochila. Parei no acostamento, vesti a peça e segui viagem", lembra.

De acordo com os especialistas, esses esquecimentos, quando pontuais, indicam excesso de estímulos que pedem a nossa atenção. "Na verdade, é uma defesa diante de uma sobrecarga do nosso processo de atenção", aponta Danielle Admoni, psiquiatra preceptora da residência na Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).

Até aí, isso pode acontecer eventualmente com todo mundo. Mas quando o problema começa a ser frequente é preciso investigar. "Uma coisa é você entrar no quarto e esquecer o que foi fazer lá", alerta a médica. "Outra é deixar o fogão ligado e sair, por exemplo, colocando você e outras pessoas em risco. Daí, sim, é preciso entender o que está acontecendo."

Deu 'branco'

Homem com cara de que se esqueceu algo, memória, esquecimento, confusão mental - iStock - iStock
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Quando sofremos esse tipo de "branco", significa que houve uma falha no nosso processo de atenção. Ele depende basicamente de dois fatores: o estado geral de sensibilização, que chamamos de alerta; e o direcionamento desse alerta para pensamentos, lembranças ou estímulos sensoriais externos (o som da TV ou as palavras de alguém falando com você, por exemplo).

É como quando estamos lendo um livro e nos distraímos por segundos ao ouvir um barulho na cozinha — certamente, você vai precisar ler novamente a última frase da obra ou irá esquecê-la.

"Para memorizar algo, primeiro precisamos fazer a aquisição daquele estímulo, mas não são todos os estímulos que serão absorvidos, pois o cérebro faz uma seleção daquilo que é importante", afirma Ciacci.

"Como os eventos do ambiente sempre são complexos e múltiplos, a memória só registrará o que for mais relevante, mais marcante emocionalmente e mais focalizado pela atenção", afirma a especialista.

Assim, o simples fato de alguém sair de uma sala e pensar em outros assuntos enquanto se dirige ao outro cômodo faz com que a pessoa tenha vários focos de atenção, substituindo o foco primário —e esquecendo o que foi fazer naquele lugar.

Sobrecarga mental

Pessoa com TDAH, mente cheia, ansiedade, cérebro - iStock - iStock
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Mas alguns fatores fazem com que a nossa mente fique com dificuldade para processar vários focos de atenção, como quando estamos mais cansados e estressados. É aí que os lapsos se tornam mais frequentes.

"Às vezes, o cérebro está muito cansado, precisa de uma pausa, e o excesso de informações acaba comprometendo a questão da memória, assim como a ansiedade e depressão também podem afetá-la", explica a psicóloga Vanessa Gebrim, especialista em psicologia clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Para Luiz Mafle, psicólogo com especialização na Universidade de Genebra, o estresse e a sobrecarga mental também são condições que nos tornam mais propensos a sofrer lapsos de memória.

"Nessas condições, a pessoa tem muitas coisas na cabeça, perdendo a atenção para outras demandas", explica. "O lapso vem quando a mente já está sobrecarregada, por isso é importante diminuir a carga no trabalho e na escola."

Outro problema bastante comum é quando tentamos dar conta de tudo realizando várias tarefas ao mesmo tempo. "Além de diminuir o tempo de atenção em cada uma delas, isso satura a memória de trabalho, que usamos para lidar com as atividades momentâneas e está ligada à atenção. Quanto mais alternamos ou dividimos a atenção, menor fica a capacidade de memorizar", diz Ciacci.

Isso ocorre porque o nosso cérebro tem uma quantidade máxima de informações que consegue reter. Por isso, se não selecionamos e priorizamos o que realmente importa, o órgão vai fazer isso por nós. "O que não é fundamental vai ficar esquecido, é uma forma da mente dizer 'nós não damos conta de tudo'", afirma Admoni.

Quando se preocupar

Bom, até aqui, já ficou claro que o efeito porta pode acontecer a qualquer um de nós em momentos diversos da vida. Mas quando a frequência dos esquecimentos começa a aumentar, provocando sofrimento emocional e/ou colocando a segurança do indivíduo e de outras pessoas em risco, é hora de dar uma atenção maior ao problema.

"É importante procurar ajuda quando esses lapsos de memória forem recorrentes, desencadeando sofrimento emocional e atrapalhando o seu desempenho psicossocial", acredita Glaucia Ferreira Costa de Paiva, psicóloga da healthtech Telavita, com especialização em psicopedagogia e psicologia hospitalar pelo Cintep (Centro Integrado de Tecnologia e Pesquisa) em João Pessoa, na Paraíba.

"Consideramos normal uma pessoa ter um lapso de memória no dia, mas se isso se torna frequente, é importante procurar ajuda de um profissional especializado em saúde mental", alerta a especialista.

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