Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


O que é terapia comportamental dialética, que Mulher-Hulk faz?

Divulgação/Disney+
Imagem: Divulgação/Disney+

Isabella Abreu

Colaboração para o VivaBem

02/09/2022 04h00

No primeiro episódio de "Mulher-Hulk: Defensora de Heróis", nova série da Marvel, a advogada Jennifer Walters vive uma vida comum e tranquila até sofrer um grave acidente. Durante o imprevisto, ela acaba recebendo, acidentalmente, o sangue do seu primo, o cientista e super-herói Bruce Banner, o Hulk. A partir daí, sua vida muda completamente, enquanto ela se transforma na versão feminina da criatura verde. Para aprender a controlar seus novos e intensos poderes e se adaptar a sua nova condição, ela recorre à terapia comportamental dialética (DBT, do inglês dialectical behavior therapy).

Essa abordagem terapêutica também vem se tornando mais conhecida pelos relatos de vários famosos sobre a sua própria experiência, como Lady Gaga e Selena Gomez. De acordo com Kalil Duailibi, psiquiatra e professor do curso de medicina da Unisa (Universidade Santo Amaro), seu principal objetivo é que o paciente aprenda a regular a sua resposta emocional extremada e que consiga controlar seus impulsos e atitudes, modificando seus comportamentos.

Jan Luiz Leonardi, psicólogo com doutorado pela USP (Universidade de São Paulo), conta que a terapia comportamental dialética foi desenvolvida como uma forma de intervenção em comportamentos suicidas e de autolesão sem intenção de morrer (se cortar, se bater, se queimar etc.).

Como ela funciona?

Segundo ele, essa terapia é organizada em três partes: aceitação, mudança e dialética —conceito que vem da filosofia e é uma forma de diálogo entre pessoas que têm diferentes pontos de vista. "A boa condução dessa terapia pode ser descrita como a dança entre esses três pontos, isto é, a capacidade de navegar entre os princípios de aceitação do mindfulness [atenção plena], as técnicas de mudança das terapias cognitivo-comportamentais e estratégias derivadas da filosofia dialética", explica.

A ideia é trabalhar com equilíbrio os processos de aceitação —que auxiliam os pacientes a aceitarem as suas histórias de vida, os seus problemas e as suas reais limitações— e de mudança. De acordo com Vinícius Guimarães Dornelles, mestre em psicologia pela PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e sócio-diretor da DBT Brasil, como consequência, esses processos culminam em:

  1. Aquisição, fortalecimento e generalização das habilidades fundamentais para atingir suas metas de vida;
  2. Manejo de incertezas ambientais que sejam reforçadoras dos comportamentos problemáticos dos pacientes;
  3. Modificação de processos cognitivos que embasem condutas extremas e inefetivas dos pacientes;
  4. Trabalho efetivo com o processamento emocional quando emoções intensas assumem o controle do paciente e bloqueiam o uso efetivo das habilidades.
A atriz Tatiana Maslany é protagonista da série "Mulher-Hulk" - Reprodução - Reprodução
A atriz Tatiana Maslany é protagonista da série "Mulher-Hulk"
Imagem: Reprodução

Quem pode fazer?

Segundo evidências científicas, a terapia comportamental dialética é o melhor tratamento disponível para o transtorno de personalidade borderline e, mais recentemente, vem sendo adaptada e pesquisada para outros quadros clínicos, sendo efetiva em casos de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, o TDAH, transtorno do humor bipolar, transtorno do estresse pós-traumático, transtorno de compulsão alimentar, abusos na infância e transtorno por uso de substâncias.

"Além disso, também é indicada para qualquer caso em que há desregulação emocional, isto é, uma maior suscetibilidade a experimentar emoções de forma intensa e de inibir comportamentos impulsivos relacionados a elas, e pode ser extremamente útil para pessoas que apresentam comportamentos suicidas e autolesivos", afirma Leonardi.

O especialista observa que os efeitos das emoções sobre o comportamento são universais, não sendo restritos às pessoas com dificuldade de regulação. "Ao acordar atrasado e sair correndo para uma reunião, a maior parte das pessoas dirige com mais velocidade, irrita-se com motoristas lentos e infere que a quantidade de sinais vermelhos em seu caminho seja maior do que a média, por exemplo", diz.

Em outras palavras, o que diferencia a pessoa com desregulação emocional não é o efeito de emoções sobre o comportamento, mas a intensidade e frequência com que isso ocorre, além de uma dificuldade aumentada de agir na contramão do impulso emocional.

Etapas do tratamento

Segundo Carolina Berenguer, fundadora da DBT Recife, a terapia comportamental dialética usa uma hierarquia de alvos no tratamento, organizada considerando a gravidade dos comportamentos do paciente, e que auxiliam a ordem na qual os problemas devem ser tratados:

Etapa 1: o paciente está sofrendo com emoções em elevada intensidade, baixo controle dos impulsos, crises e comportamentos inefetivos. Pode estar, por exemplo, planejando se matar, causando autolesões, causando danos a si ou ao outro, usando substâncias. Pode ainda descrever suas experiências como insuportáveis, equivalentes a "estar no inferno".

Assim, busca-se diminuir e controlar comportamentos que ameaçam de forma iminente a vida ou que interferem contra o tratamento e na qualidade de vida, e aumentar a motivação, as habilidades de mindfulness, tolerância ao mal-estar, efetividade interpessoal, regulação emocional e autogerenciamento.

Etapa 2: o paciente maneja comportamentos graves, embora isso ainda não o livre do sofrimento. A meta é construir uma experiência emocional sem intenso sofrimento; tratar outros transtornos como o transtorno do estresse pós-traumático, transtornos do humor, ansiedade, exclusão social indesejada etc.

Etapa 3: aqui, a meta é aumentar o respeito por si mesmo e a sensação de autoeficácia; melhorar qualidade de vida.

Etapa 4: nessa fase, procura-se encontrar propósito e um significado profundo em experiência espiritual --não necessariamente religiosa. O objetivo é que o paciente saia de um sentimento crônico de incompletude e vazio para experiências de alegria e liberdade.

Juliana Lopes Massapust, psicóloga certificada em terapia comportamental dialética pela Behavioral Tech/Linehan Institute, ressalta que não há um tempo para que cada estágio aconteça. "Além disso, é possível que o cliente avance de estágio e, momentaneamente, regrida. É necessário lembrar que o desenvolvimento em terapia não é um processo linear", diz.

Fontes: Carolina Berenguer, psicóloga e fundadora da DBT Recife; Jan Luiz Leonardi, psicólogo com formação em terapia comportamental dialética pelo Behavioral Tech, mestrado em psicologia experimental pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e doutorado em psicologia clínica pela USP (Universidade de São Paulo); Juliana Lopes Massapust, psicóloga pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), doutora em neurociências e certificada em terapia comportamental dialética pela Behavioral Tech/Linehan Institute; Kalil Duailibi, psiquiatra e professor do curso de medicina da Unisa (Universidade Santo Amaro); Vinícius Guimarães Dornelles, mestre em psicologia pela PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), coordenador local do Dialectical Behavior Therapy: Intensive Training Brazil e sócio-diretor da DBT Brasil.