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Medo de não ter dinheiro para pagar contas pode causar depressão e burnout

Getty Images
Imagem: Getty Images

Gabriela Amorim

Colaboração para o VivaBem

17/08/2022 04h00

Encorajar o cuidado financeiro desde a adolescência é um assunto delicado. Além de muitos jovens não darem atenção necessária ao tema, o debate sobre finanças, na maioria dos casos, não é realizado dentro de casa ou é tido como um tabu. O efeito desse impedimento de debates forma pessoas com sintomas de ansiedade ou depressão quando chega a hora de lidar com o próprio dinheiro.

Segundo a pesquisa "O bolso do brasileiro", de 2020, do Instituto Locomotiva para a Xpeed, braço de educação financeira da XP Investimentos, 39% das pessoas adiam decisões financeiras pelo medo de encarar o orçamento. Para Bianca Santoves, 26, que trabalha como PJ (Pessoa Jurídica) em São Paulo (SP), a angústia de não ter dinheiro começou quando ela saiu da casa dos pais, em janeiro passado. "Chegou uma fase do ano em que eu tinha tanto medo de ficar sem dinheiro que eu me excedia de trabalho e freelas", conta.

Segundo Claudia Oshiro, professora doutora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo, essa produção de trabalho em excesso, preocupando-se demais com ele, pode levar a um esgotamento e a um burnout.

Além disso, a depressão pode dar as caras. "Além dos transtornos de ansiedade, nós também temos casos de depressão, que nesse caso se constitui em de uma pessoa que só trabalha, diminui seu autocuidado, às vezes nem tem os horários de lazer e a recompensa financeira não vem de acordo com o esperado, gerando frustração. Lembrando que histórias de vida e cultura influenciam cada indivíduo", diz Oshiro.

Bianca Santoves - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bianca Santoves sentia que trabalhava demais por medo de ficar sem dinheiro
Imagem: Arquivo pessoal

Algumas pessoas se envergonham de suas dívidas e preferem se isolar socialmente, outras já escolhem acabar com despesas, mesmo as mais básicas, o que as leva também a evitar a sociabilidade e não realizar atividades prazerosas.

O medo de não ter como pagar as contas no fim do mês ainda pode extrapolar sintomas emocionais e causar sinais físicos, como respiração ofegante, tontura, sudorese, dificuldades para dormir, dores de barriga, aumento da frequência cardíaca, entre outros.

Quem acredita estar imune ao pavor financeiro porque obtém uma renda fixa, engana-se. No caso da carioca Maíra Blasi, 37, dona de uma empresa de consultoria, o medo diminuiu, mas continua presente: "Uma parte é uma realidade de uma falta de dinheiro, porém tinha época da minha vida que eu estava com dinheiro e o medo continuava dentro da minha cabeça".

Evitando o extrato: quando o medo se torna uma fobia

O medo é uma emoção natural, que pode surgir em diversas ocasiões, porém o aumento excessivo da insegurança financeira pode desencadear uma espécie de fobia, ou seja, um tipo de bloqueio que faz a pessoa evitar analisar suas próprias finanças. São casos de pessoas que não gostam de visualizar boletos e extratos bancários, ou que não comentam nenhum tipo de informação financeira por ser algo extremamente desconfortável.

Mas não encarar o medo de frente é dar mais força para o que pode não ser real. "Às vezes, a pessoa pode nem ter uma situação ruim financeiramente e ela nem sabe por causa do pavor. A pessoa pode ter deixado tudo no débito automático, pode ser que nem exista o 'monstro' e ela não saiba identificar o medo", afirma Andreia Fernanda, especialista em psicologia econômica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Maíra Blasi - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Mesmo em fases com dinheiro Maíra Blasi continuava com medo
Imagem: Arquivo pessoal

Essa fobia financeira é mais frequente em mulheres. Segundo a pesquisa do Instituto Locomotiva para a Xpeed, adiar decisões financeiras por medo de encarar as finanças atinge 41% delas, contra 36% dos homens. Enquanto 46% se sentem mais culpadas quando o assunto é dinheiro, esse percentual cai a 30% quando se trata de homens.

É importante lembrar que até 60 anos atrás mulheres não conseguiam abrir contas no banco ou ter um estabelecimento comercial sem a autorização de um marido. Foi somente com a Constituição de 1988 que ficou expressa a igualdade de direitos e deveres entre mulheres e homens. Segundo a Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor), divulgada em agosto deste ano pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, a CNC, o público feminino é atualmente o mais endividado no Brasil.

Inflação como motor de insegurança financeira

A previsão de inflação chegou a 7,11%, segundo relatório "Focus", divulgado no dia 8 de agosto pelo Banco Central, e é cada vez mais comum as famílias terem como complemento de renda o cartão de crédito. Segundo dados da última pesquisa da CNC, do total de endividados no país, 85,4% possuem dívidas no cartão de crédito, proporção que havia chegado a 88,8% em abril deste ano.

O parcelamento de compras já coloca o indivíduo na posição de endividado. Com a frequência no aumento de preços e desvalorização da moeda, é usual que a utilização do cartão de crédito se torne futuramente mais um motivo de preocupação financeira.

"Eu até consigo manter a minha finança, mas não com uma folga que eu tinha antes. A insegurança veio após a pandemia. Por exemplo, você vai ao supermercado um dia e paga R$ 400, outro dia você paga R$ 700. Isso me assusta", relata Flávia Fernandes de Moraes, 42, que trabalha com carteira assinada, em Belo Horizonte (MG).

Existe tratamento para o medo de não ter dinheiro?

Claro, ter uma renda fixa ajuda, assim como o valor das coisas não estar tão alto. Mas por mais que achem que a solução para perder o medo de não ter dinheiro seja trabalhar mais ou ter uma reserva exorbitante, existem métodos mais eficazes para uma boa saúde unida de um bem-estar financeiro. Primeiro, supere o tabu de falar sobre dinheiro. Comente sobre sua situação com amigos de confiança e familiares íntimos para, assim, ter um vínculo mais resistente e saudável quando se aborda sobre o assunto financeiro.

Flávia Fernandes de Moraes  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Flávia de Moraes sentiu medo aumentar com a elevação do preço das coisas
Imagem: Arquivo pessoal

Ter o controle de gastos mensais é um dos passos fundamentais para enfim ter uma boa relação com o dinheiro e não ser atormentado pela ansiedade. Saber quanto entra e quais são os gastos fixos e os previsíveis, como alimentação e deslocamento, é uma boa maneira de ter o comando da sua situação. Faça esse controle onde for mais viável para você, isso pode variar desde caderninhos até conversa pessoal no WhatsApp e planilha de Excel.

Ter metas futuras, como fazer um curso, uma viagem ou até mesmo ter um dia de relaxamento no SPA, pode ser algo motivador para que você continue com seu controle de gastos em dia.

Educação financeira é um ótimo recurso quando se quer aprender e ter um auxílio de um profissional da área. Isso não significa que você vai começar a lidar com investimentos da noite para o dia, mas entender o básico, para assim conseguir ter mais segurança.

Por fim, não deixe de investigar qual a sua relação com o dinheiro. Para isso fica a indicação de procurar profissionais da área de psicoterapia. Ter clareza sobre o que o dinheiro significa para você é estar um passo mais próximo da sua autonomia e mais longe de ser refém do medo.

Fontes: Andreia Fernanda, especialista em psicologia econômica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), formada em ciências econômicas pelo Mackenzie e consultora de planejamento financeiro do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); Claudia Oshiro, professora doutora do Departamento de Psicologia Clínica da USP (Universidade de São Paulo); Natália Maria, formada em ciências econômicas, especialista em gestão financeira pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e proprietária e educadora financeira da Tô No Azul.