Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Você anota seus sonhos assim que acorda? Fazer um diário deles pode ser bom

Leticia Bailante e seus diários - Arquivo pessoal
Leticia Bailante e seus diários Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para o VivaBem

12/08/2022 04h00

Desde criança, as imagens e histórias que apareciam nos sonhos da psicanalista gaúcha Ione Terezinha de Oliveira, 61, a fascinavam. Quando acordava, ela voltava à cena ou situação do sonho e se divertia tentando achar novos finais. À medida que foi crescendo, Ione foi compreendendo a linguagem e os símbolos que os sonhos lhe traziam e passou a anotar tudo o que se lembrava em busca de se conhecer melhor.

O diário dos sonhos é um lugar onde a pessoa registra o que sonhou. "Pode ser em um bloco, caderno ou espaço onde nos sentimos livres e sem medo para desenhar, escrever, expor, rabiscar as experiências que sonhamos", diz Renata Rocha Giaxa, doutora em psicologia, pesquisadora e professora na Unifor (Universidade de Fortaleza) e na USP (Universidade de São Paulo).

Com o registro sistemático dos sonhos exercitamos a lembrança do conteúdo sonhado e entramos em contato com memórias, ideias, sentimentos e pensamentos que normalmente não acessamos enquanto estamos acordados, acrescenta Renata.

De acordo com a psicóloga doutora Marion Rauscher Gallbach, os sonhos trazem um outro lado da pessoa que até então pode estar inconsciente para ela. O diário de sonhos, então, é um instrumento para o autoconhecimento.

"No mergulho dos próprios sonhos, a pessoa se volta para dentro de si e vai se familiarizando com os símbolos das mensagens que chegam pouco a pouco do seu inconsciente. [Carl] Jung [psiquiatra suíço] expressa bem quando diz que dentro de cada um tem um outro que não conhecemos", afirma a especialista, que também é coordenadora do núcleo de sonhos da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica e autora do livro "Aprendendo com os Sonhos".

Ao registrar e relembrar os sonhos, o autoconhecimento pode abrir portas para entender conflitos e até alguns traumas emocionais que foram recalcados, segundo Salezio Plácido Pereira, psicanalista, doutor em psicologia social, diretor do Instituto de Psicanálise Humanista e autor do livro "A interpretação dos Sonhos".

Carollini Assis - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Carollini Assis anota seus sonhos desde 2009
Imagem: Arquivo pessoal

Desde 2009, a produtora audiovisual e roteirista Carollini Assis, 43, de Salvador (BA), criou o hábito de registrar seus sonhos, e muitas vezes acorda só para anotá-los e não se esquecer.

"Já me disse várias vezes em sonho 'preciso anotar isso agora senão amanhã de manhã não vou lembrar'. Anoto nomes de pessoas, números, temas. Quando acordo, leio o que escrevi e percebo coisas interessantes, como pessoas estranhas que só existem nos meus sonhos, na vida real elas não existem. Também sinalizo quando conheço a pessoa de outro sonho. O mundo onírico é cheio de estranhamentos e sensações", afirma.

Carollini conta que já sonhou com fatos que aconteceram, como o tsunami que atingiu o Japão em 2011. "Sonhei a noite inteira com tsunami, ruas submersas, carros sendo arrastados por correntezas, corpos boiando, e com minha avó que já faleceu. Acordei, anotei no celular, liguei a TV e vi o noticiário com imagens do tsunami no Japão, tal como sonhei. Sentei e comecei a rezar. Há um universo no mundo dos sonhos a ser descoberto, penso que é um portal para outra dimensão, uma comunicação que ainda não entendemos em sua complexidade", diz.

De que os sonhos funcionam como previsões, não há qualquer comprovação. Na verdade, para a neurociência, eles têm a função de simular situações que nos desafiam no mundo real e, assim, aumentar nossa chance de sobrevivência. Para a psicanálise, os sonhos são um "mundo subterrâneo" de nossos desejos e medos.

O psicanalista Salezio Plácido Pereira diz que mesmo os sonhos que parecem sem nexo e sem sentido num primeiro momento possuem vínculos profundos com a vida do sonhador. Para pessoas que se sentem à vontade em compartilhar o que sonharam, ele diz que buscar a ajuda de um profissional confiável e com conhecimento na área pode auxiliar o indivíduo a compreender seus sonhos.

Segundo Giaxa, professora na Universidade de Fortaleza, encontramos sentido nos elementos dos sonhos quando nos escutamos falar sobre eles. "As imagens e histórias registradas podem ser amplificadas em análise, na psicoterapia, além de gerar um material rico para facilitar processos criativos. Muitas músicas, filmes, livros, pinturas, esculturas, peças de teatro, por exemplo, já nasceram do registro de sonhos."

Lembranças e criatividade

Há três anos, a poeta, comunicadora e editora Letícia Bailante, 27, de Fortaleza (CE), começou a usar a mandala lunar, uma espécie de diário para estudar seu ciclo menstrual e seus sonhos.

"A mandala fica na minha mesa de cabeceira para eu alcançá-la sem me movimentar muito e não perder o fio de memória. Na maioria das vezes, as palavras fluem livremente, mas às vezes conto o sonho por meio de uma história e perco alguns detalhes. Por isso, passei a registrar ideias mais gerais dispostas em frases, como num poema. Durante o processo, tenho novos insights e lembro de partes que não tinha lembrado antes", diz.

A psicóloga Marion Rauscher Gallbach afirma que os sonhos podem transmitir qualquer tipo de mensagem, desde elementos esquecidos a aspectos que passaram despercebidos quando estamos acordados. Também nos ajudam em problemas ou conflitos que estamos vivendo. "As mensagens dos sonhos estão bastante relacionadas com o momento de nossas vidas, mas se manifestam em sua linguagem simbólica própria, a qual temos que aprender a compreender."

Diário dos sonhos de Carollini - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Diário dos sonhos de Carollini
Imagem: Arquivo pessoal

Letícia afirma que o diário dos sonhos lhe traz vários benefícios, organiza seus pensamentos e sentimentos. "Me traz para o presente, me ajuda a conectar com meu subconsciente e meu inconsciente, me possibilita lembrar das experiências vividas com mais nitidez e me traz matéria-prima para a minha poesia, meus textos e minha arte", diz.

A psicanalista Ione diz que também tira proveito do momento fora da realidade para se conhecer melhor. "Adoro sonhar tanto acordada quanto dormindo, dar asas à minha imaginação. O mundo dos sonhos é real, mas de uma realidade diferente da nossa. Ele é real porque é íntimo, interno, é pessoal. Os sonhos nos ajudam a saber quem realmente somos", afirma ela que hoje em dia registra seus sonhos com gravador de voz no celular.

Veja dicas para criar e manter um diário dos sonhos:

  • Deixe uma caneta/lápis, caderno, bloco de papel o mais próximo da cama;
  • Para quem usa celular, tablet ou notebook como diário dos sonhos, evite ficar em contato com a luz azul emitida nesses aparelhos durante a noite, a não ser para fazer as anotações;
  • Diga para você mesmo que deseja sonhar, lembrar e registrar o que sonhou, como se tentasse guardar essa instrução na memória;
  • Ao acordar, movimente-se lentamente, sem agitação. Isso ajuda a trazer para a consciência mais detalhes do que sonhou;
  • Faça as anotações logo que acordar para não esquecê-las;
  • Anote a primeira palavra, frase, sensação ou imagem que vem quando acorda para puxar a memória e se lembrar do sonho;
  • Registre tudo o que aparece nos seus sonhos: pessoas, animais, números, objetos, paisagens etc. Se você lembrar do nome e das características da pessoa, anote também;
  • Anote o tema dos sonhos, preste atenção no que eles têm a dizer, na sua mensagem, nos sentimentos e emoções presentes;
  • Tente desenhar seu sonho para visualizá-lo melhor e conhecê-lo mais;
  • Sonhos são feitos de memórias e das experiências vividas. A dica final é valorizar o viver para intensificar o sonhar.