Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Brasileiros fogem das notícias; como se informar sem afetar tanto a mente?

iStock
Imagem: iStock

Isabella Abreu

Colaboração para o VivaBem

11/08/2022 04h00

Pandemia, crise econômica, ataques à democracia, pobreza recorde, casos de estupro, violência... Acompanhar a avalanche de acontecimentos no Brasil nos últimos tempos não é fácil e pode desencadear momentos de tristeza e muita angústia. Por isso, não é de se estranhar que as pessoas estão cada vez mais perdendo o interesse por reportagens e outros produtos jornalísticos.

O relatório anual sobre o consumo de notícias, realizado em todo o mundo pelo Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford, revelou que mais da metade (54%) da população brasileira evita o noticiário de propósito (27% a mais, ou o dobro, do que em 2017).

Foi assim com a publicitária carioca Fernanda Galvão, 29, que abdicou do noticiário em prol da própria qualidade de vida. Em meados de 2020, após sucessivas crises de ansiedade, ela resolveu fugir das notícias. "Estava sofrendo muito. Não conseguia ficar indiferente e isso afetava o meu dia a dia", conta.

Não tinha ânimo para realizar as minhas atividades, chorava assistindo aos jornais na TV, tinha dificuldade para dormir, sentia um aperto no peito. Então tive que fazer uma escolha: desisti de me informar. Prefiro estar alheia aos acontecimentos a ficar com a saúde mental fragilizada.

De acordo com o psicólogo Daniel Kahneman, vencedor do prêmio Nobel da Economia, a nossa visão de realidade é, em partes, determinada pelo que vemos na mídia. Se assistimos a muitas notícias negativas, temos a tendência de enxergar o mundo por esse viés.

"O excesso de negatividade traz uma série de efeitos no cérebro, como um comprometimento da capacidade cognitiva, prejudicando o foco, a memória e a atenção. Além disso, reduz nosso sistema imunológico, potencializando as chances de adoecimento físico, mental e emocional", afirma Flávia da Veiga, fundadora da BeHappier e especialista na ciência da felicidade.

Estudos também mostram que quanto mais notícias ruins uma pessoa consome, maior a probabilidade de ela ficar triste, se preocupar, e continuar lendo/assistindo a notícias negativas.

notícia ruim; burnout; preocupação - iStock - iStock
Na pesquisa, pessoas do mundo todo disseram que frequentemente ou às vezes evitam buscar informações sobre certos assuntos —sobretudo quando se trata de política ou da pandemia. Para elas, esse tipo de jornalismo é "deprimente e repetitivo"
Imagem: iStock

Somos mais atentos às notícias negativas porque, como afirma Rick Hanson, autor do livro "O Cérebro e a Felicidade", nosso cérebro é como velcro para o que é negativo e teflon para o que é positivo. "Isso acontece pois nosso cérebro foi moldado para a sobrevivência. Há milhares de anos, nossos ancestrais precisavam estar sempre atentos à presença de predadores, por exemplo. Nossa espécie sobreviveu até aqui se preocupando com ameaças e perigos. Portanto, a preocupação e a procura pelo negativo tem a função de nos proteger, de nos manter vivos", explica Joseph Hauser Rosenberg, psicólogo e especialista em terapia cognitivo-comportamental pela PUC -RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).

Redução de danos

Seria possível minimizar os efeitos de tanta negatividade sem parar de nos informar? Para Flávia da Veiga, é preciso ter consciência de que as notícias negativas têm um impacto, mas não se deixar abater por elas. "Nesse sentido, gosto muito da linha da filosofia estoica, em que somente depositamos nossa felicidade no que controlamos. Não é possível controlar o que acontece no Brasil e no mundo, mas temos controle sobre a forma como reagimos aos acontecimentos. É aí que está todo o nosso poder", diz.

Natália Mota, neurocientista do Instituto do Cérebro, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), acredita que, mesmo diante de uma realidade difícil, é apenas encarando esses desafios que poderemos superá-los. "Construir sua opinião em bases reais é a única maneira de combater de forma duradoura os desafios que temos (tanto individuais como e principalmente no coletivo). Após garantir que estamos lidando com o real, compartilhar com pessoas de confiança suas opiniões e pensar junto estratégias de enfrentamento das dificuldades é uma boa maneira de amenizar a ansiedade ou desesperança", sugere.

mulher lendo; notícias; feliz - iStock - iStock
Informar-se é essencial, resta achar um jeito de fazer isso sem afetar tanto a saúde mental
Imagem: iStock

A seguir, os especialistas indicam outras formas para lidar com a fadiga de noticiário:

1. Saiba seus limites

Ao se conhecer melhor, entendemos nossos próprios limites e até onde podemos ir. "Somos todos muito diversos, um conteúdo que pode não gerar impacto em outros pode ser bem perturbador para você, dependendo das memórias e associações que trazem", diz Mota. E não se pressione. Se algum assunto em específico está causando mais angústia, faça uma pausa e permita-se distrair um pouco.

2. Estabeleça um horário para se informar

Evite ler, ouvir ou assistir a notícias logo de manhã. Isso desencadeia sintomas de ansiedade e tristeza que podem permanecer o dia todo. Antes de dormir também não é indicado, já que pode prejudicar o sono. Defina um horário para se informar e evite acompanhar os acontecimentos o tempo todo, a todo instante. Silenciar grupos do WhatsApp e desligar as notificações de notícias que pipocam no celular, e-mail e outras redes sociais também é aconselhável.

3. Cheque a fonte da notícia

É fundamental sempre checar a fonte da notícia, certificando-se de que ela é reconhecidamente confiável (independentemente se você gosta do veículo ou não). Também nunca repasse informação sem verificar se ela é verdadeira. "No início pode ser mais custoso, mas ao adquirir um hábito crítico você mesmo começa a perceber um padrão de sinais de pouca veracidade", ressalta a neurocientista.

4. Busque formas de aumentar as emoções positivas

Equilibre sua rotina com boas notícias, leia livros e assista a filmes de temas mais leves, cultive relacionamentos saudáveis, mantenha atividades prazerosas e identifique pequenos momentos de felicidade no seu dia a dia.