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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


'Fiquei 48h sem fechar o olho': como saúde mental afeta qualidade do sono

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Imagem: iStock

Isabella Abreu

Colaboração para o VivaBem

08/08/2022 04h00

Mudanças no cotidiano causadas pela pandemia, problemas no relacionamento, a descoberta de uma doença, uma demissão traumática. Essas são só algumas das situações que podem impactar nosso sono, resultando em noites mal dormidas ou em sonhos perturbadores.

Foi o que aconteceu com a assistente social Vanessa Paixão, 42, de Santos (SP). Logo no início da pandemia ela sofreu um acidente de trabalho e teve que ficar quatro meses afastada. Como sempre foi muito ativa, teve dificuldade de lidar com o ócio, além de toda a preocupação com a covid-19. O sono dela foi afetado de imediato.

"O medo tirava meu sono. Perdi muitos familiares e amigos para essa doença. Eu me sentia muito angustiada", diz. Durante o dia, Vanessa se ocupava entre os afazeres de casa e tentava se distrair assistindo a séries e filmes. Mas a noite chegava e não sentia sono. Virava de um lado para o outro e nada. "Muitas vezes conseguia dormir só às 6h e quando era 8h já estava de pé", conta.

A auxiliar de secretaria escolar Kathyllen Lima, 30, também do litoral paulista, passou pela mesma dificuldade. Ela sempre dormiu muito bem, até que dois meses antes de decretada a quarentena foi desligada da empresa em que trabalhava. "No começo foi maravilhoso, parecia que estava de férias. Depois, comecei a ficar muito ansiosa e com preocupações, quanto a arrumar emprego e o fim da pandemia. E aí eu não conseguia mais dormir."

Cheguei a ficar 48 horas sem fechar o olho. Era péssimo porque eu não conseguia me sentir útil.

As horas em que Kathyllen ficava acordada também não eram produtivas. Ela não conseguia fazer um curso, concentrar-se em um livro, ver um filme. "Era uma inquietação que não tinha fim. E sem foco. Eu andava pela casa, às vezes conseguia fazer algum serviço doméstico, chegava a ligar a máquina de lavar às 4h da manhã. E quando eu conseguia dormir, não era um sono relaxante e tranquilizador. Era perturbador, turbulento e com pesadelos", lembra.

Por que a saúde mental afeta o sono

Laura Castro, psicóloga e sócia da startup Vigilantes do Sono, ressalta que a relação entre a nossa saúde mental e a qualidade do nosso sono é absoluta e bidirecional. "Sono de má qualidade causa agudamente alterações de humor e cognitivas, que a médio e longo prazo podem desencadear transtornos mentais. Da mesma forma, transtornos mentais impactam a qualidade do sono, podendo provocar insônia ou sonolência excessiva, além de parassonias, como pesadelos ou terror noturno", afirma.

Kathyllen Lima - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Kathyllen Lima chegou a ficar mais de um dia sem dormir
Imagem: Arquivo pessoal

Ela costuma dizer a seus pacientes que, apesar da perda de consciência durante o sono, a pessoa que dorme é a mesma que está acordada. Ou seja, se estamos abalados emocionalmente enquanto estamos acordados, seguimos abalados enquanto dormimos.

"Uma das funções do sono é justamente processar as emoções. Quando esse mecanismo não está funcionando direito, seja porque não dormimos o suficiente, seja pela vivência de algum evento que é uma ameaça muito grande à nossa integridade física ou psíquica, é aí que aparecem pesadelos ou insônia", diz Castro.

Segundo ela, são justamente a insônia e os pesadelos os distúrbios do sono que costumam sinalizar que emocionalmente alguma coisa não vai bem. Por isso é muito difícil saber o que vem antes, se são os transtornos mentais ou de sono, já que eles costumam acontecer juntos.

Por que temos pesadelos e como evitá-los

O pesadelo é uma parassonia do sono REM, do inglês "rapid eye movement", aquele estágio do sono em que mexemos os olhos e que é também quando mais sonhamos e processamos nossa memória emocional.

Segundo Castro, uma série de fatores podem desencadear os sonhos ruins. Considerando estímulos físicos, dormir de estômago cheio, por exemplo, é uma coisa que pode atrapalhar o sono, provocando sonhos perturbadores, assim como dificuldades para respirar quando estamos com o nariz entupido.

Pensando, por outro lado, em estímulos mentais, quando nos sentimos ameaçados, isso pode refletir em sonhos nos quais buscamos formas de resolver a ameaça, e que podem nos despertar em angústia. Também há os sonhos ruins ligados à (re)vivência de uma experiência traumática ou de situações de conflito, sejam conjugais ou nas relações de trabalho.

"Se os estímulos que desencadeiam forem físicos ou do ambiente, como barulhos intensos, interromper esses estímulos é um jeito de resolver. Se os estímulos forem mentais, em contrapartida, psicoterapia é o melhor remédio", enfatiza a psicóloga.

Caso os pesadelos sejam muito frequentes, acontecendo mais de uma vez por semana, ou quando são tão perturbadores que atrapalham a vida de algum modo, porque se fica pensando neles ao longo do dia ou porque desencadeiam medo ou tristeza, a recomendação é que se busque ajuda especializada.

Como saber se você está dormindo bem

O principal sinal de um sono de qualidade é a sensação de disposição ao acordar e ao longo do dia. Falta de atenção, irritabilidade, agitação, tristeza, sonolência, cansaço, fadiga, dores de cabeça são sintomas que podem se relacionar a um sono de má qualidade.

Ganho de peso associado à urgência por doces e alimentos energéticos ao longo do dia também podem sinalizar um sono insuficiente ou fragmentado, de acordo com a psicóloga Laura Castro.

Há, entretanto, alguns problemas de sono que não são tão simples de identificar, porque se confundem com outras coisas ou porque às vezes não se consegue observar com o agito das atividades do dia a dia. "A apneia do sono, por exemplo, que é mais comum em homens, além de poder desencadear pesadelos, pode levar à sensação de que o sono é muito bom, quando a pessoa acha que deita e dorme fácil em qualquer lugar. Isso não necessariamente é sinal de ser bom dormidor, ao contrário, pode ser sinal de sono fragmentado", destaca.

Cuide do seu sono

Em casos recorrentes de alterações no sono, a ajuda profissional é fundamental, mas vale também observar os próprios hábitos e alterar aqueles que podem atrapalhar a noite de descanso.

Christiano Perin, doutor em pneumologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), especialista em medicina do sono pela AMB (Associação Médica Brasileira) e diretor do Labsono, listou algumas atitudes que podem ajudar. Confira:

  • Mantenha o quarto arejado durante o dia, escuro à noite, sem ruído excessivo, com temperatura agradável;
  • Evite álcool e bebidas com cafeína (café, refrigerantes, chá preto, chimarrão, energético, achocolatados) seis horas antes de dormir;
  • Evite luz intensa durante a noite (pode estimular o alerta e afastar o sono) e exponha-se à luz do dia pela manhã;
  • Faça refeições leves à noite (não dormir com fome, nem após ter comido muito);
  • Evite exercícios físicos próximos ao horário de dormir, mas pratique atividade física regularmente;
  • Estabeleça horários regulares de dormir e acordar (favorece o estabelecimento de um ritmo);
  • Não durma durante o dia. Pequenos cochilos (30 minutos) após o almoço são permitidos;
  • Evite atividades com telas (celular, tablet, computador, televisão) próximas ao horário de dormir. Precisamos de um tempo para nos desconectarmos do mundo e cheio de estímulos e o excesso de luminosidade, atividades e informações são coisas que atrapalham esse processo;
  • Use a sua cama essencialmente para dormir. Evite assistir à televisão, trabalhar ou ingerir alimentos na cama;
  • Vá para a cama quando estiver com sono e saia dela se estiver sem sono (procure fazer alguma atividade relaxante em ambiente com pouca luminosidade). Retorne apenas quando sentir sono (ajuda a associar a cama com "dormir").