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Brasileiros vivem 7 anos com depressão, mas ela tem fim: 'Me sinto livre'

Empresária teve depressão desde os 15 anos - Arquivo pessoal
Empresária teve depressão desde os 15 anos Imagem: Arquivo pessoal

Do VivaBem, em São Paulo

25/07/2022 04h00

Na escola, a hoje empresária Irina Rezende, 43, era a primeira a chegar e a última a sair. Sim, ela sempre foi uma aluna dedicada, mas os motivos passavam longe do empenho nos estudos: com depressão, ela tinha vergonha de ser vista pelos colegas.

Rezende teve uma infância feliz, como gosta de lembrar, mas aos 15 anos não tinha forças para levantar da cama. Sem qualquer disposição, chegou à obesidade e a depressão piorou. "Cheguei a pesar 150 kg. Eu saía e simplesmente por caminhar na rua era xingada por pessoas que não me conheciam, eram ataque fortes para uma adolescente já vulnerável", recorda.

Os pais notaram a apatia total da jovem e a levaram a um psiquiatra. O diagnóstico de depressão crônica, quando a doença tem episódios frequentes, veio anos depois. "Tinha momentos em que eu melhorava, mas nunca consegui me desvencilhar da medicação ou parar com a terapia."

Em 2016, 20 anos após o início dos sintomas, Rezende se recuperou depois de aprofundar os estudos em saúde mental e participar de mentorias contra a doença. "É aquela coisa, comecei a estudar, ler muito, porque queria cuidar dessa dor. Eu não nasci com depressão, e de repente me vi diagnosticada como uma pessoa que não conseguiria nunca sair dos remédios", diz.

Segundo levantamento do Instituto Ipsos, realizado a pedido da farmacêutica Janssen, a convivência média do brasileiro com a doença é de sete anos e dois meses. O tempo prolongado ocorre, sobretudo, pela demora em buscar diagnóstico —cerca de 39 meses. De acordo com especialistas ouvidos pelo VivaBem, cada episódio depressivo tende a durar entre um e dois anos, após o início do tratamento.

Depressão tem cura?

De maneira geral, o "término" da depressão considera a remissão total ou parcial dos sintomas, quando a pessoa consegue retomar o padrão emocional de antes.

"O conceito de cura é bem diferente da grande maioria das doenças da medicina, porque, na depressão, você não tem exatamente o que causou. Falamos em cura quando se eliminou o agente causal e, em remissão, quando a pessoa não tem sintomas", detalha o psiquiatra Raphael Boechat Barros, professor da UnB (Universidade de Brasília).

Ou seja, mesmo após superar o momento depressivo, a pessoa está suscetível a ter novos episódios.

"A depressão é uma doença que tende a ser recorrente. Metade das pessoas que tiveram um episódio depressivo vão ter o segundo, 75% que tiveram dois vão ter o terceiro e mais de 90% das pessoas podem ter o quarto", descreve o psiquiatra Humberto Corrêa, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Crises depressivas tendem a ser recorrentes, explicam especialistas - iStock - iStock
Crises depressivas tendem a ser recorrentes, explicam especialistas
Imagem: iStock

Recuperação é individual

O diagnóstico da depressão analisa os sintomas dos pacientes para entender se ele tem ou não a doença —como perda de prazer nas atividades, tristeza, alterações no sono e apetite, redução da cognição e ideações suicidas. Geralmente, o tratamento envolve remédios antidepressivos aliados à terapia.

"Quando a pessoa faz um tratamento com medicação, o que acaba acontecendo é que ela fica sem sintomas mesmo enquanto está no episódio depressivo. Passado o tempo em que se espera que aquele episódio iria durar, o médico suspende a medicação. Se o paciente continua bem depois disso, diz-se que está 'recuperado'", explica o psiquiatra Amaury Cantilino, doutor pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

De maneira geral, os antidepressivos tradicionais agem com o intuito de modular os neurotransmissores, substâncias químicas que realizam a comunicação entre os neurônios. Cabe ao psiquiatra entender quais as deficiências de cada paciente e prescrever os melhores medicamentos para aquele tipo de depressão.

cérebro - iStock - iStock
Tratamentos focam na modulação de neurotransmissores
Imagem: iStock

Em alguns casos, a doença pode ser resistente, quando não apresenta melhora mesmo após a ação de dois medicamentos usados por tempo e doses adequadas. Para esses pacientes, já está em uso no Brasil a escetamina intranasal, alternativa de medicamento aplicado apenas em clínicas ou hospitais especializados.

"Não conhecemos do ponto de vista neurobiológico o porquê da resistência, provavelmente são pessoas com depressões de mecanismos um pouco diferentes e que respondem melhor a outras drogas", diz o psiquiatra Humberto Corrêa.

Quebra-cabeça

Entre os especialistas, é consenso que não há receita para superar a depressão. Há entendimento, no entanto, que a doença é uma espécie de teia, com várias causas contribuindo para o seu desenvolvimento —sejam ambientais, genéticas e, até mesmo, de alimentação.

Quando passou a acordar sem tantos sintomas latentes da doença, a empresária Irina Rezende entendeu que deveria mudar alguns hábitos para se manter assim. "Comecei a fazer caminhada, mudei alimentação, inclusive restringi açúcar, forcei o autocuidado, porque tinha o hábito de não cuidar de mim. Eu não me olhava no espelho, minha mãe que comprava roupa para mim", conta.

Andreia Maria Rodrigues, 32 anos  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Deya começou a vender doces para lidar com a depressão e, hoje, tem uma confeitaria
Imagem: Arquivo pessoal

O entendimento foi semelhante para a empreendedora Andreia Maria Rodrigues, 32. Diagnosticada em 2019, Deya, como gosta de ser chamada, entendeu à base de bastante terapia e suporte da família e amigos que a depressão, no seu caso, era impulsionada por questões que vinham da infância e um complexo de inferioridade que a fazia esperar muito do próximo.

Na mesma empresa há sete anos, o trabalho não era tóxico. Mas o dia a dia, por algum motivo, não lhe cabia mais. Deys tentou suicídio, mas com um filho pequeno se deu conta de que não poderia deixá-lo. Com o auxílio de profissionais, tratou-se, entendeu as dores e descobriu no amor pela confeitaria um alicerce para seguir.

Fiz tratamentos, consegui expor o que eu sentia, fui em psiquiatra, tomei remédio. Busquei força, tive algumas recaídas, mas decidi fazer docinhos e fui para a rua vender. Antes, quando eu ia trabalhar, levantava e voltava para casa chorando. Agora, me sinto livre e fui me encontrando, estava realmente descobrindo um novo caminho."

Exercícios físicos, alimentação, autocuidado, rede de apoio e propósito. Por mais que os dispositivos para enfrentar a depressão esbarrem nas complexidades emocionais próprias, ter atenção a alguns pontos pode ajudar a criar senso de prioridade para lidar com os conflitos internos.

"A atividade física, por exemplo, tem efeitos neurobiológicos que viram importantes adjuvantes no tratamento. Componentes nutricionais com excesso de gordura e carboidratos podem contribuir para o estado inflamatório sistêmico promovido pela depressão. E é preciso que se descubra também o que torna a vida da pessoa algo significativo, quais são as decisões que podem aproximá-la dos seus valores", diz o psiquiatra Amaury Cantilino.

A causa mais comum da depressão é de cunho genético - Getty Images / BBC News Brasil - Getty Images / BBC News Brasil
Combinação de hábitos podem ajudar a superar a doença
Imagem: Getty Images / BBC News Brasil

Como é a vida depois da depressão?

Assim como Deya, Irina sente que a vida ao se recuperar da doença foi um reencontro, sobretudo com a sua autoestima e seus desejos. Foi como aprender a pensar e planejar sem medo do que aconteceria no dia seguinte, daqui um mês ou um ano.

"Uma coisa muito ruim da depressão é que você faz planos, combina coisas, mas não sabe como vai se sentir. Naquele momento você está bem, só que chega o dia, a depressão pega pesado e você não sai de casa. Deixei de ir a uma formatura minha porque não conseguia sair da cama", recorda.

Não há como prever se a doença irá voltar e o que a empresária diz é que aprendeu a reconhecer os sentimentos e tentar administrá-los, dosando o tempo em que se permite estar triste por eles. Em sete anos sem novos episódios, ela lembra que por algumas vezes se viu em um estado pré-depressivo.

Eu não tenho medo dela voltar. Aprendi que tenho certo controle. Das outras vezes, eu falava: 'Estou melhor hoje', mas pensava que a longo prazo, não. Era refém da depressão. Quando começo a sentir tristeza, eu não deixo essa narrativa seguir. Você sabe o que fazer para ter força, voltar a rota e não deixar piorar."

Para algumas pessoas, porém, o período pode ser de muita angústia pela incerteza de novas crises. Por isso, mesmo após superar o período depressivo, a pessoa pode continuar fazendo terapia, principalmente como auxílio para controlar momentos de estresse, conflitos familiares e planejamento para resolver adversidades.

"O sofrimento relacionado à depressão pode ser tão intenso que a pessoa desenvolve um medo exacerbado de recaídas", diz Cantilino "A partir disso, pode evitar situações estressoras e se esquivar de desafios que eventualmente são necessários para a realização pessoal. Isso é uma armadilha, uma vez que pode acabar por se afastar de uma vida significativa."

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.