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Remédios e Tratamentos

Um guia dos principais medicamentos que você usa


Acetilcisteína é expectorante eficaz em doenças respiratórias como DPOC

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Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

19/07/2022 04h00

Resumo da notícia

  • Classificado como mucolítico, a acetilcisteína reduz secreções e processos inflamatórios
  • Doses e tempo de tratamento são personalizados. Em alguns quadros, o uso é crônico
  • Embora seus efeitos sejam bastante conhecidos, prefira utilizá-lo sob orientação profissional
  • Pessoas que têm ou já tiveram úlcera devem evitar o uso desse medicamento

Desenvolvida na década de 1960, a acetilcisteína é utilizada no tratamento de doenças respiratórias. A partir dos anos 1980, passou também a ser indicada como protetora do fígado em quadros de ingestão de altas doses de acetaminofeno (paracetamol).

O que é acetilcisteína?

Trata-se de um fármaco do grupo dos mucolíticos. Derivado de um aminoácido natural, a cisteína, tem efeito antioxidante. Isso significa que ele reduz a formação de processos inflamatórios.

Dadas as características desse medicamento, ele só deve ser utilizado sob orientação de profissionais da área da saúde (médicos, farmacêuticos ou dentistas).

Em quais situações deve ser usada?

O fármaco é utilizado há mais de meio século e seus efeitos são bastante conhecidos. Contudo, é importante que você faça o uso racional desse remédio, ou seja, utilize-o de forma apropriada, na dose certa e pelo tempo adequado.

A acetilcisteína pode ser indicada junto a outros medicamentos no tratamento de problemas respiratórios associados ao acúmulo de secreções densas e espessas e, por isso, difíceis de serem expelidas. Em geral, esse sintoma está associado às seguintes condições:

Outro possível uso desse fármaco (em ambiente hospitalar) é como antídoto na intoxicação acidental ou voluntária de paracetamol.

Além disso, ele pode ser útil na prevenção de problemas nos rins, quando o paciente necessita de algum exame que requer o uso de contraste.

"Nessas situações, é praxe verificar a função renal, especialmente entre os pacientes idosos. Quando há alguma alteração, a conduta é realizar hidratação venosa, mas a acetilcisteína também é usada para proteger o rim de inflamações no período posterior ao exame", fala Andrey de Araújo Lima, clínico geral e nefrologista do HU-UFPI, que integra a rede Ebserh. Como esse uso não consta da bula, ele é denominado off label.

Ela pode ser útil no tratamento da covid?

O medicamento está entre as várias propostas de tratamento e/ou prevenção de variadas doenças respiratórias, inclusive a covid-19. Já existem estudos científicos que buscam entender se ele pode ser útil nesses quadros mas, até o momento, os resultados são limitados.

Sem conclusões concretas, é impossível saber se a essa terapia seria benéfica para pacientes com covid. Apesar disso, as pesquisas continuam. Os dados foram divulgados pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Entenda como ela funciona

Os benefícios terapêuticos da acetilcisteína decorrem de diferentes vias de ação no organismo.

No caso das doenças respiratórias, ela torna as secreções mais fluidas, o que favorece tanto a eliminação por meio da tosse (ação expectorante) quanto a depuração mucociliar, processo natural de limpeza interna em que as partículas de poeira e microrganismos retidos no muco são "varridos" pelo movimento dos cílios que revestem as vias aéreas internamente.

Para agir dessa forma, o medicamento promove a desestabilização de moléculas mucoproteicas e ácidos nucleicos, reduzindo, consequentemente, a consistência das secreções respiratórias, popularmente conhecidas por catarro. As explicações são do farmacêutico Leonardo Coutinho Ribeiro, integrante da Unidade de Farmácia Clínica e Dispensação Farmacêutica do HUCAM/Ufes.

Já nos quadros de intoxicação por paracetamol, o medicamento age fornecendo matéria-prima para a síntese da glutationa, substância que tem capacidade de neutralizar o NAPQI (N-acetil-p-benzoquinonaimina), composto tóxico produzido a partir de reações químicas que o paracetamol sofre no nosso organismo.

"A glutationa está sempre presente nas nossas células, porém, quando ocorre a ingestão de altas doses de paracetamol, o NAPQI produzido supera a capacidade de neutralização da glutationa e danifica o fígado. Nesses casos, a administração de acetilcisteína reestabelece a capacidade do organismo de neutralizar o NAPQI, fornecendo ao órgão um aumento de cisteína, aminoácido essencial para a síntese da glutationa", acrescenta Ribeiro.

Após tomar, a acetilcisteína é rapidamente absorvida e metabolizada no fígado e, depois, é eliminada pelas fezes e urina. Espera-se que ela já comece a fazer efeito em cerca de 2 ou 3 horas após a ingestão. Quando administrada pela via intravenosa, esse tempo se reduz a alguns minutos.

Há algum risco do uso prolongado desse medicamento?

A maioria dos medicamentos deve ser utilizado pelo menor tempo possível e sob orientação médica e/ou farmacêutica. No entanto, a acetilcisteína poderá ter uso prolongado, especialmente porque ela pode ser útil em quadros crônicos, a exemplo da bronquite crônica ou DPOC.

Como um dos efeitos esperados da medicação é a proteção do fígado e dos rins, quando há necessidade de uso contínuo, cabe ao médico acompanhar de perto os pacientes para monitorar eventuais alterações e avaliar a necessidade ou não de manutenção do tratamento.

Conheça as apresentações disponíveis

Fluimucil ® é a marca de referência da acetilcisteína. Mas você pode encontrar as versões genéricas e similares. Confira algumas das apresentações disponíveis:

  • Comprimido efervescente - 200 mg e 600 mg
  • Xarope (uso pediátrico acima de 2 anos) - 20 mg, 40 mg
  • Solução injetável (intravenoso ou inalatório) - 300 mg
  • Granulado para solução (uso pediátrico) - 100 mg, 200 mg e 600 mg
  • Solução nasal - 11,5 mg

O esquema de doses é sempre personalizado. Evite aumentá-lo, reduzi-lo ou mesmo automedicar-se sem prévia orientação médica ou farmacêutica.

Quais são as vantagens e desvantagens desse medicamento?

Na opinião dos especialistas consultados, a acetilcisteína é considerada segura, eficaz, relativamente acessível (ela não consta da Rename 2022 - Relação Nacional dos Medicamentos Essenciais), seus efeitos anti-inflamatórios são bastante conhecidos e ainda têm potencial de serem ampliados no futuro.

Além disso, ela não interfere no estado de vigília e atenção do paciente, o que lhe dá maior segurança para as atividades do cotidiano como dirigir e operar máquinas. A limitação é que o fármaco deve ser utilizado com maior precaução por por pessoas que tenham ou já tenham tido úlcera gástrica, principalmente junto a outros medicamentos que irritem a mucosa gástrica.

Saiba quais são as contraindicações

De modo geral, o grupo de medicamentos ao qual a acetilcisteína pertence é considerado seguro, mas existem algumas contraindicações. Assim, o fármaco não deve ser usado por pessoas que sejam alérgicas (ou tenham conhecimento de que alguém da família tenha tido reação semelhante) ao seu princípio ativo ou a qualquer outro componente de sua fórmula.

Fique também atento na presença das seguintes condições:

  • Ter ou ter tido asma
  • Gravidez
  • Amamentação
  • Fenilcetonúria (algumas fórmulas contêm aspartame, que é fonte de fenilalanina)
  • Úlcera péptica
  • Ter idade inferior a 2 anos
  • Diabetes ou intolerância à frutose (o remédio pode ter açúcar ou fonte de açúcar na sua fórmula)
  • Dificuldade ou inabilidade para tossir
  • Dietas restritivas de sódio (apresentações de uso oral, em geral, têm sódio)

Crianças e idosos podem usá-la?

A acetilcisteína, assim como outros mucolíticos, é contraindicada para crianças com idade inferior a 2 anos. A razão para isso é que ela pode induzir obstrução respiratória dada a limitada habilidade de expectorar dessa faixa etária.

Contudo, o uso é possível quando o fármaco é administrado pela via intravenosa. Já os idosos são os pacientes que mais podem se beneficiar do medicamento, porque eles são a maioria entre as pessoas com DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica). Apesar disso, é preciso que o uso da acetilcisteína seja indicado e acompanhando por um profissional da saúde.

Estou grávida e pretendo amamentar. Posso usar acetilcisteína?

Embora não exista contraindicação absoluta, não existem estudos de segurança da medicação com mulheres grávidas e lactantes. Considerados esses fatores, caberá ao médico avaliar riscos e benefícios para essas pacientes. Caso descubra que está grávida durante o tratamento com esse fármaco, informe seu médico o mais rápido possível.

Qual é a melhor forma de consumi-lo?

O medicamento deve ser administrado nos mesmos horários todos os dias e de acordo com o esquema de doses indicado pelo médico. Evite aumentar ou reduzir as doses prescritas pelos especialistas, assim como o tempo de tratamento.

E atenção: é aconselhado não misturar outros medicamentos em um nebulizador para inalação de acetilcisteína. A única exceção é a indicação médica.

"Além disso, comprimidos efervescentes e granulados devem ser dissolvidos em meio copo de água em temperatura ambiente, e ingeridos em seguida", ensina Adriano Falvo, secretário geral do CRF-SP. "É importante consumir toda a mistura. Evite guardar parte da solução para uso posterior", acrescenta o especialista.

Existe uma melhor hora do dia para usar esse medicamento?

Não. O importante é que a acetilcisteína seja utilizada na forma indicada pelo médico e/ou orientada pelo farmacêutico.

O que faço quando esquecer de tomar o remédio?

Tome-o assim que lembrar e reinicie o esquema de uso do medicamento. É desaconselhado tomar doses em dobro de uma vez para compensar a dose que foi esquecida. Se você sempre se esquece de tomar seus remédios, use algum tipo de alarme para lembrar-se.

Quais são os possíveis efeitos colaterais?

Este medicamento é considerado bem tolerado, seguro e eficaz quando usado em doses adequadas e pelo menor tempo possível. Apesar disso, os efeitos colaterais mais comuns são gastrointestinais, tais como náuseas e vômito.

Menos comuns, as seguintes manifestações também poderão ser observadas:

  • Febre
  • Coriza
  • Inchaço na parte interna da boca
  • Irritação na garganta
  • Tontura

Caso note algum outro sintoma que se prolonga no tempo, informe o médico e/ou farmacêutico.

Interações medicamentosas

Algumas medicações não combinam com a acetilcisteína. E quando isso acontece, elas podem alterar ou reduzir seu efeito. Avise o médico, o farmacêutico ou dentista, caso esteja fazendo uso (ou tenha feito uso recentemente) das substâncias abaixo descritas, que são apenas alguns exemplos dessas possíveis interações. Confira:

  • Antitussígenos (codeína, droproprizina)
  • Antibióticos (cefalosporina)
  • Medicamentos para tratar angina (propatilnitrato, nitroglicerina)
  • Anticonvulsivantes (carbamazepina)

Embora não existam muitos dados na literatura médica sobre interação com suplementos, sabe-se que o carvão ativado pode reduzir o efeito da acetilcisteína, quando administrada pela via oral. Antes de iniciar o tratamento com o fármaco, informe ao médico ou ao farmacêutico sobre eventual uso desses produtos.

Interação com o álcool

Não são conhecidas interações alimentares e nem com bebidas alcoólicas.

Interação com exames laboratoriais

A acetilcisteína pode interferir em exames para avaliação da presença de cetonas na urina (corpos cetônicos) e também na mensuração de níveis séricos de salicilatos. Caso deva se submeter a algum desses exames, informe o médico sobre o uso da acetilcisteína.

Em casa, coloque em prática as seguintes dicas:

  • Observe a validade do medicamento indicado no cartucho. Lembre-se: após a abertura, alguns fármacos têm tempo de validade menor, o que também é influenciado pela forma como você o armazena;
  • Leia atentamente a bula ou as instruções de consumo do medicamento;
  • Ingira os comprimidos inteiros. Evite esmagá-los ou cortá-los ao meio --eles podem ferir sua boca ou garganta;
  • Em caso de cápsulas, não as abra para colocar o conteúdo em água, alimentos ou mesmo para descartar. Sempre use a cápsula íntegra;
  • No caso de suspensões orais, agite bem o frasco antes de usar. E sempre limpe o copo dosador antes e após o uso. E armazene junto ao frasco do medicamento, para evitar misturar com outros medicamentos;
  • Prefira comprar remédios nas doses justas para o uso indicado para evitar sobras;
  • Respeite o limite da dosagem diária indicada na bula;
  • Escolha um local protegido da luz e da umidade para armazenamento. Cozinhas e banheiros não são a melhor opção. A temperatura ambiente deve estar entre 15°C e 30°C;
  • Guarde seus remédios em compartimentos altos. A ideia é dificultar o acesso às crianças;
  • Procure saber quais locais próximos da sua casa aceitam o descarte de remédios. Algumas farmácias e indústrias farmacêuticas já têm projetos de coleta;
  • Evite descarte no lixo caseiro ou no vaso sanitário. Frascos vazios de vidro e plástico, bem como caixas e cartelas vazias podem ir para a reciclagem comum.

O Ministério da Saúde mantém uma cartilha (em pdf) para o Uso Racional de Medicamentos, mas você pode complementar a leitura com a Cartilha do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos - Fiocruz) (em pdf) ou do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (também em pdf). Quanto mais você se educa em saúde, menos riscos você corre.

Fontes: Adriano Falvo, farmacêutico especialista em farmacologia e secretário geral do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia em São Paulo); é docente dos cursos de graduação e pós-graduação da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista); Andrey de Araújo Lima, médico nefrologista e clínico geral do HU-UFPI (Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Leonardo Coutinho Ribeiro, farmacêutico, especialista em farmácia clínica e análises clínicas, é doutorando em assistência farmacêutica; integra a Unidade de Farmácia Clínica e Dispensação Farmacêutica do HUCAM/Ufes (Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes da Universidade Federal do Espírito Santo), que integra a rede Ebserh. Revisão técnica: Leonardo Coutinho Ribeiro.

Referências: Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Conde, D. Y.; Rosselli, D. N-Acetylcysteine, Immunity and Perspectives in covid-19: A Narrative Review of the Literature. Universitas Medica; 63(2):11, 2022. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/global-literature-on-novel-coronavirus-2019-ncov/resource/pt/covidwho-1856300.