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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Por que acontecimentos banais têm despertado a fúria nas pessoas

Confusão em loja no Paraná começou após alguém furar a fila - Reprodução/Twitter
Confusão em loja no Paraná começou após alguém furar a fila Imagem: Reprodução/Twitter

Flávia Santucci

Colaboração para o VivaBem

07/07/2022 04h00

No ano em que tudo parece estar acontecendo, como eleições, convivência com a covid-19, aparecimento de novas doenças, as pessoas estão perdendo a paciência.

Só no último mês, um vídeo de duas mulheres brigando em uma loja da Zara, em Londrina (PR), porque alguém furou fila viralizou; uma comerciante em Campo Grande (MS) foi agredida porque não quis vender fiado; um homem matou colega a facadas, em Goiânia (GO), por causa de uma peça de um capacete.

A dúvida que fica é: por que acontecimentos banais como esses têm levado pessoas a perderem a cabeça?

Júlio Frota Lisbôa Pereira de Souza, psicólogo pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), acredita que estamos nos tornando pouco tolerantes à frustração.

"Os confortos que o nosso modo de vida atual traz eram impensáveis e talvez nosso cérebro não esteja pronto para tanto prazer. Isso gera um estado que nos torna facilmente estressados ou tristes por pequenas frustrações, de tanto que nos desacostumamos com elas", reflete.

Ele destaca, no entanto, que qualquer tentativa de explicar esse fenômeno por um único ponto seria simplória. "É essencial que sempre seja considerado o ambiente e contexto no qual estamos inseridos. Sem dúvidas, em períodos de maiores crises e instabilidades sociais e econômicas é esperado que as pessoas fiquem mais estressadas", diz.

Para a psiquiatra Aline Sabino, da Rede de Hospitais São Camilo em São Paulo, "explosões" do tipo não são de hoje. "A dificuldade em aceitar as liberdades individuais e diferenças, seja de opiniões, de biotipos, de origem, de orientação sexual, é o que gera esses rompantes de agressividade e reações desproporcionais sem considerar o prejuízo a si próprio e ao próximo", diz.

Entretanto, segundo ela, a sociedade depende dessa aceitação do outro para uma convivência harmônica. "Isso sempre ocorreu no cotidiano das pessoas. Porém, a diversidade de padrões estéticos, religiões, etnias, costumes, característicos do povo brasileiro, tem sua sobrevivência ameaçada todos os dias pela intolerância e o preconceito."

Redes sociais estimulariam comportamentos agressivos?

É fato que as redes sociais já fazem parte da nossa vida. Mas elas podem abrir espaço para um comportamento agressivo. No ano passado, por exemplo, pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, analisaram em torno de 2,7 milhões de postagens políticas nas redes sociais e chegaram à conclusão de que as pessoas costumam engajar mais conteúdos negativos do que positivos.

Em 2020, pesquisadores da Universidade Beihang, na China, atestaram que postagens de qualquer conteúdo que envolva raiva são mais compartilhadas do que quando envolve alegria.

"Alguns em busca de fama, outros em busca de uma falsa justiça. Nutrir o sentimento de raiva e passar isso adiante acaba sendo visto frequentemente nas redes sociais", explica Patrícia Cavalcanti, psiquiatra do HUOL/UFRN (Hospital Onofre Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte), pertencente à Rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

A médica afirma que o imediatismo e a praticidade criados com a internet, onde as respostas ao que se pergunta devem ser dadas rapidamente e quase tudo pode ser resolvido com poucos cliques, reforçam constantemente a ideia de que quase tudo precisa ser resolvido instantaneamente.

"Se não puder resolver ou se alguém coloca uma 'barreira' para isso, surge o sentimento de raiva. Então as pessoas parecem estar cada vez mais querendo ser atendidas rapidamente e o outro precisa estar disponível para as demandas delas", diz.

A raiva, segundo ela, é uma resposta emocional normal que surge em situações em que uma pessoa sente que algo ou alguém está contra ela ou a está impedindo de conseguir algo. E quando estamos com raiva, queremos afastar física ou verbalmente aquela 'barreira' que está impedindo de atingirmos nosso objetivo.

"A grande questão é se a leitura que está sendo feita do evento é correspondente à realidade e se a situação é genuinamente ameaçadora, e de que forma esta raiva irá ser expressa", diz. Do ponto de vista psiquiátrico, Cavalcanti diz, quando interpretamos constantemente eventos corriqueiros como tentativas pessoais de nos prejudicar e quando a raiva sai do controle de forma frequente, precisamos pensar na possibilidade de um transtorno psiquiátrico.

Mas há quem discorde que a culpa seja mesmo do imediatismo proveniente da internet. Para Shana Wajntraub, psicóloga pela UFF (Universidade Federal Fluminense) especialista em neurociência, as redes sociais têm sido um lugar de desabafo e de denúncias, então temos a impressão de que as pessoas estão enlouquecendo ou que aumentaram os casos de violências. Mas talvez isso apenas seja fruto de mais acesso a informações que não teríamos em outros tempos.

"Não acredito que as pessoas tenham perdido o medo de serem julgadas, mas acredito que exista uma onda no Brasil perigosa que são pessoas normalizando discursos de ódio e preconceito, e o fazem acreditando que o podem em razão da liberdade de expressão", diz a psicóloga.

Quando se preocupar?

O comportamento preocupante está relacionado à frequência e intensidade da expressão da raiva. Uma interpretação distorcida e radical sobre os mais diversos aspectos da vida, ofensas gratuitas e até mesmo violência física a crenças e pensamentos divergentes aos da preferência da pessoa são sinais de que há uma dificuldade em conter os impulsos e que ela pode oferecer riscos.

"O ideal é procurar não confrontar a pessoa no momento que ela estiver alterada e não permanecer no mesmo ambiente no qual ela se encontra, buscando um local protegido. O acompanhamento psicológico colabora para auxiliar o indivíduo fora do controle a perceber que está diante de alguma situação de risco e como lidar com a mesma", diz Sabino.

Quando uma explosão de fúria ocorrer com alguém próximo a você, a dica é respirar profundamente para não se deixar levar pelo sentimento do outro e não acabar espelhando o mesmo comportamento, agindo também de forma agressiva.

"A respiração profunda lhe dará tempo para tomar uma decisão coerente e centrada. Dessa forma, você evita se envolver em conflitos. Porém seja firme com a pessoa quando for preciso e busque proteção se o comportamento do outro traz ameaça a sua integridade física ou a de terceiros", diz a médica Cavalcanti.

Ao presenciar um ataque de fúria de alguém que você tenha contato, é bom conversar com a pessoa quando a raiva dela tiver passado. "Quando a raiva passa, a pessoa com um transtorno normalmente sente remorso por seu comportamento e então conversar com ela ou oferecer orientações para procura profissional pode evitar futuras situações incômodas", aponta a psiquiatra da UFRN.

E também vale se atentar ao estilo de vida. "Explosões de estresse geralmente vêm acompanhadas de má alimentação, falta de exercício físico, sono mal regulado. Com essas coisas acontecendo, é impossível ter uma boa saúde emocional", diz ela.