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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Teste de Rorschach: para que serve olhar aquela série de manchas?

Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

04/07/2022 04h00

Rorschach é um anti-herói da série de história em quadrinhos "Watchmen", da DC Comics, e que utiliza uma máscara branca com manchas de tinta preta que toda hora mudam de formato para intimidar seus inimigos. Foi criado como um personagem complexo, com mais de uma personalidade, um passado de muitos problemas psicológicos e movido pelo intenso desejo de deter criminosos. Elementos que apontam como sua fonte de inspiração um outro Rorschach, um teste psicológico inventado nos anos 1920 pelo psicanalista suíço Hermann Rorschach.

À época, o médico estudava o emprego da imaginação e da criatividade acerca de manchas abstratas de tinta no diagnóstico psiquiátrico, sobretudo de transtornos. Entretanto, acabou morrendo precocemente e, inacabado, seu trabalho foi retomado por outros pesquisadores, que o destinaram, entre diversos fins, para analisar perfis psicológicos de réus.

O exame consegue rastrear elementos e traços profundos da personalidade dos indivíduos submetidos a ele e serve, por exemplo, para identificar se um potencial criminoso corre o risco de cometer crimes novamente e se está apto ao convívio em sociedade. No Brasil, Suzane von Richthofen, condenada pelo assassinato dos próprios pais em 2002, já foi submetida ao "teste do borrão de tinta", como se popularizou por aqui, algumas vezes e teve parecer desfavorável.

Para que serve o teste?

Influenciado pelo princípio básico de a mente humana formar figuras dotadas de significados a partir de nuvens avistadas no céu, Hermann Rorschach criou uma ferramenta científica de investigação que consiste em o examinando responder sobre com o que se parecem uma série de cartões com manchas de tinta aleatórias. A partir das respostas coletadas, o perito então consegue identificar suas motivações, tendências, variações cognitivas, percepções, atitudes.

O teste pode revelar características que as pessoas não reconhecem plenamente em si, ou hesitam em admitir quando questionadas sobre elas diretamente. "Nesse sentido, embora exista uma gama de instrumentos para avaliação da personalidade, o teste de Rorschach tem ocupado uma posição privilegiada e admissibilidade diante das avaliações na área forense", relata Larissa Aguiar, psicóloga pela PUC-Goiás (Pontifícia Universidade Católica de Goiás).

Rorschach, da série Watchmen, publicada DC Comics nos anos 1980 Imagem: Reprodução

Quando comparado a outros métodos (entrevista, questionário, escala ou inventário psicológicos), demonstra ser menos suscetível à manipulação ou dissimulação consciente e intencional por parte do examinando, o que favorece seu uso no contexto dos tribunais, mas também em outras áreas. Pode ser empregado, por exemplo, por recrutadores em entrevistas de emprego e como avaliação neuropsicológica, antropológica, organizacional, vocacional.

Como funciona

O teste de Rorschach é um teste projetivo, ou seja, leva a pessoa avaliada, ao buscar atribuir significados ao que vê, se projetar ali. É um assunto que tem a ver com o conceito de projeção estabelecido pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud. "De acordo com ele, inconscientemente, projetamos aspectos de nossa personalidade, sobretudo negativos, a alguma coisa, como um mecanismo de defesa", diz Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves, em Salvador (BA).

Dessa forma, o intérprete, no caso o terapeuta que aplica o teste, pode trabalhar de forma lúdica e interativa, compondo por meio das respostas recebidas sobre as manchas o retrato interior do responsável por elas. Para isso, ele antes apresenta ao paciente a série de cartões, alguns coloridos, outros em preto e branco, sempre na mesma ordem, e pergunta o que poderiam ser. O examinando então pode virá-los à vontade e dar quantas respostas quiser.

Depois, o terapeuta classifica o que colheu de informação por meio de um complexo sistema de códigos, que filtra as várias respostas a algumas categorias básicas. Nesse processo, é levado em consideração se o borrão foi visto como um todo ou em parte, que aspecto dele foi importante para a resposta (forma, cor, impressão de movimento), a figura descrita (se de ser humano, animal, parte do corpo, planta), se a resposta foi muito banal, superficial ou original.

Hermann Rorschach criou uma ferramenta científica de investigação que consiste em o examinando responder sobre com o que se parecem uma série de cartões com manchas de tinta aleatórias Imagem: iStock

Eficaz, mas também polêmico

Embora não haja consenso, o teste de Rorschach pode ser considerado eficiente no estudo de avaliação da personalidade e identificação de psicopatologias. Desde sua invenção, tem sido aperfeiçoado e para ser aplicado segue normas éticas e metodologias validadas pela legislação brasileira. Só um psicólogo qualificado nele pode aplicá-lo, informa Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

O médico continua que, ao contrário de como era no passado, onde, nas próprias palavras: "ninguém saia do consultório sem um teste desse, aplicado até então no dia a dia", hoje seu uso é muito mais restrito, seu método sofreu mudanças teóricas, de avaliação quantitativa e qualitativa, e seus desenhos originais são patenteados. "Porém, na internet é possível achar versões dos borrões modificadas e daí o perigo, de serem usadas por quem não é profissional".

Até as respostas do teste já foram vazadas. Por isso, há quem o considere pouco confiável, pois qualquer um que seja testado e tenha previamente as informações poderia simular suas respostas para se beneficiar, direcionando seu perfil comportamental para um diagnóstico adulterado. Alguns acadêmicos argumentam ainda que o teste não permite identificar a maior parte dos transtornos mentais da maneira como eles são definidos nos sistemas atuais.

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