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'Perdi meu bebê': a saga por um diagnóstico após uma perda gestacional

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Gabriele Maciel

Colaboração para VivaBem

01/07/2022 04h00

O bebê está ali, se mexe e é sentido, tem o nome pronunciado, as roupinhas já dobradas no armário e uma grande expectativa de amor o envolve. Mas, daí, algo acontece e a alegria se desfaz levando embora os sonhos de uma nova vida.

A influencer Lia Camargo, 38, sentiu esse baque em dezembro de 2021, quando estava grávida pela segunda vez. "Fui ajudar meu filho Fernando, de 5 anos, no banheiro e quando me agachei, senti muita água saindo", relata.

Lia estava na 21ª semana de uma gestação tranquila e com todo o pré-natal dentro da normalidade. Já na maternidade, os exames demonstraram que a bebê, de nome Marina, estava bem, mas que a bolsa havia se rompido causando um prolapso do cordão umbilical.

"Isso significa que o cordão umbilical saiu de dentro da cavidade uterina e entrou pelo colo do útero, chegando à vagina. Nesses casos, é inviável segurar a gravidez, pelos riscos de infecção e pelo óbito inevitável do bebê, porque ao se iniciarem as contrações ocorre uma compressão do cordão que interrompe a oxigenação para o feto", descreve o médico Ricardo Barini, professor aposentado do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que investiga o caso da influenciadora.

Em uma gravidez viável, ou seja, que já chegou a pelo menos a 28 semanas, é possível se fazer uma cesariana de emergência. Mas Lia entrou naturalmente em trabalho de parto após uma semana de internação, quando então o cordão terminou de sair e houve a constatação de que a bebê estava sem vida.

Após um parto ativo, mas sem dor por causa da anestesia, Lia pôde segurar sua bebê —um momento importante, segundo a psicóloga Heloisa Salgado, doutora em saúde materno-infantil pela USP (Universidade de São Paulo) e uma das autoras de um manual com diretrizes sobre como lidar com luto perinatal e neonatal em maternidades.

"As maternidades no Brasil são organizadas para receber bebês vivos, então esses ambientes acabam por favorecer o trauma da perda", argumenta Salgado.

Depois de vivenciar o luto por dois meses, quando teve crises de choro e ataques de pânico, a influencer, que ouviu do médico que sua perda havia sido um "acaso", resolveu buscar por uma opinião médica que fizesse mais sentido.

"Ele ainda fez a seguinte associação: mesmo que você seja uma pessoa cuidadosa e atravesse na faixa de pedestre, ainda assim você pode ser atropelada. Como pode ser normal perder o bebê no meio da gestação, né?", indigna-se.

O relato de Lia se assemelha a de muitas outras mães que não têm suas dores reconhecidas e investigadas.

"Muitos médicos ainda estão presos a esse conhecimento clássico, dos anos 1960, que previa que a investigação das causas deveria ser feita somente a partir de três perdas gestacionais. Hoje, nós temos muitas ferramentas para fazer uma avaliação mais precisa e é nossa obrigação buscar entender o que aconteceu", defende o obstetra Elias Ferreira de Melo Junior, do Hospital das Clínicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e membro da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

A influencer passou por quatro médicos diferentes porque não sentia empenho dos profissionais por um diagnóstico. Em um desses consultórios, ela saiu com a prescrição de injeções de heparina, um medicamento indicado para gestantes com histórico de trombofilia, condição em que se formam coágulos que atrapalham a irrigação de sangue na placenta.

"Em um dos exames apareceu uma pequena alteração, o que, segundo outros médicos que consultei depois, não caracteriza a trombofilia, porque eu tinha acabado de passar por uma gestação. Ele seguiu uma receita de bolo", contesta.

Determinada, Lia buscou na internet por casos semelhantes ao dela e encontrou um vídeo em que Barini explicava sobre incompetência istmo-cervical, uma causa comum de partos prematuros e abortos.

"O que ele dizia bateu muito com uma queixa que eu tinha, que era um peso na pélvis, algo muito diferente do que senti na gestação anterior", afirma a influencer.

Nessa condição, o útero perde a capacidade de manter a gravidez porque o colo vai abrindo de dentro para fora, sem haver contrações. Especialistas em medicina fetal preconizam que a avaliação do colo do útero seja feita de forma seriada.

"O ultrassom transvaginal é o mais indicado para identificar risco aumentado de parto pré-termo. E é preciso que o obstetra explicite em seu pedido que ele quer que seja feita a medida do colo, porque são dois procedimentos diferentes", comenta o médico Pedro Pires, diretor da SBUS (Sociedade Brasileira de Ultrassonografia) e presidente da Sobramef (Sociedade Brasileira de Medicina Fetal).

De acordo com Pires, a SBUS tem feito campanhas para sensibilizar os obstetras sobre a importância dessa medição, mas ele reconhece que essa medida esbarra no número reduzido de ultrassonografistas com formação em obstetrícia/ginecologia.

Causas de perda gestacional

As causas mais comuns das perdas gestacionais são má formação ou alterações genéticas dos embriões, infecções (clamídia, toxoplasmose, entre outras), pré-eclâmpsia (aumento da pressão arterial da gestante), diabetes, trombofilia, alterações placentárias e incompetência istmo-cervical.

Apesar de a medicina fetal ter avançado nos últimos 30 anos, cerca de 30% dos casos investigados ainda ficam sem identificação.

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Imagem: iStock

Contudo, Barini diz que as pesquisas em imunologia da reprodução têm possibilitado novas estratégias de diagnósticos. "O nosso sistema imunológico não está preparado para ter nada dentro do nosso corpo que não seja igual a gente e o bebê é pelo menos metade estranho porque traz genes do pai. O que acontece é que houve um processo de adaptação do sistema imunológico das mulheres que permite que o corpo delas mantenha a gravidez. Então, alguns exames apontam se a paciente tem algum desequilíbrio nessa adaptação", explica Barini.

Um desses exames é o teste da atividade das células NK (natural killers), que são as células responsáveis por essa resposta inflamatória inicial do sistema imunológico. Nele, o sangue da paciente é colocado em contato com células placentárias, mantidas em cultura no laboratório, e passa-se então a comparar o comportamento delas.

A estratégia terapêutica utilizada em mulheres com hiperatividade das células NK é o uso de medicamentos que diminuem sua atividade, como corticoides.

Apesar de ainda não ter um desfecho certo para o seu caso, Lia Camargo se mantém otimista: "É uma prova de resistência, mas eu não quero tentar de novo [uma gestação] a qualquer custo. Acho muito caro o preço que se paga".

Qualquer que seja o panorama, os especialistas atestam que existem tratamentos eficazes e que geram resultados satisfatórios em grande parte dos casos, transformando dor em esperança.