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Autonomia, paciência, leitura: por que crianças devem por a 'mão na massa'

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Bruna Alves

Do VivaBem, em São Paulo

22/06/2022 04h00

Há várias formas de interagir e se aproximar das crianças: brincando, conversando, ajudando nos estudos. Mas também é possível fortalecer os vínculos por meio do preparo das refeições.

Permitir que as crianças coloquem a mão na massa cria o que os especialistas chamam de memória afetiva. "Com o passar do tempo, elas vão compreender essas lembranças sensoriais e emocionais que vêm à tona com sons, cores, cheiros e sabores. Então, quando os pais integram as crianças nesse ambiente, elas criam essas memórias familiares ainda na primeira infância", diz Daniely Santos, nutricionista residente da pediatria do Hospital das Clínicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), vinculado à rede Ebserh.

Além disso, estudos já evidenciaram que envolver as crianças na cozinha pode auxiliá-las a realizar escolhas alimentares mais saudáveis. Uma pesquisa feita com 137 crianças separou 69 delas para preparar alimentos que não estavam habituados, enquanto as demais realizaram uma oficina criativa, sem o preparo de alimentos.

Ao final do estudo, as crianças que cozinharam tiveram maior aceitação por alimentos desconhecidos, que incluíam vegetais, e estavam dispostas a prová-los. Outros estudos recentes também já demonstraram que as crianças que assistem a programas de culinária conseguem fazer escolhas mais saudáveis.

É fácil a criança aceitar comer aquilo que ela conhece - iStock - iStock
É fácil a criança aceitar comer aquilo que ela conhece
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A seguir, veja os benefícios de deixar os pequenos o ajudarem no preparo dos alimentos.

1. Autonomia

Quando incluídas no preparo das refeições, as crianças começam a entender melhor o que é ter responsabilidade, e essa é uma forma de ela ter autonomia, sabendo do que pode ou não fazer.

Por exemplo, uma criança pequena não pode mexer com faca ou demais utensílios perigosos, mas pode ter a autonomia para lavar uma salada ou de ajudar a fazer a massa de um bolo. Um dia ela vai conseguir quebrar os ovos, e em outro vai conseguir batê-los.

Por isso, a autonomia vem junto com a responsabilidade, pois os pequenos compreendem que fazem parte do processo.

2. Aprendizado

Quando a criança tem a oportunidade de cozinhar com os pais, elas aprendem muito mais sobre a importância de comer determinados alimentos, já que durante os preparos, os pais podem ir explicando por que devemos comer frutas, verduras e legumes.

Isso instiga a curiosidade dos pequenos a querer conhecer cada vez mais a diversidade alimentícia e seus respectivos benefícios.

Além disso, toda essa prática de cooperação e partilha que os pequenos passam a interiorizar faz com que eles, futuramente, cooperem com outras atividades, como as domésticas.

3. Valorização da cultura

Saber da onde vem os alimentos é uma forma de ensinar para a criança a culinária riquíssima que temos no Brasil. Por exemplo, quando a criança pergunta de onde vem o pão de queijo, você pode explicar que ele veio do polvilho, que é derivado de um alimento muito brasileiro: a mandioca.

"Essas conexões trazem para a alimentação um resgate histórico, porque hoje nós temos muitas crianças que não conhecem os alimentos em si", pontua Luana Caroline dos Santos, professora do Departamento de Nutrição da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

A espera do preparo ajuda os pequenos a desenvolver paciência - iStock - iStock
A espera do preparo ajuda os pequenos a desenvolver paciência
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4. Paciência

Os pequenos podem ver um desenho a qualquer momento, já que muitos têm acesso à internet. Essa mesma facilidade é encontrada em produtos industrializados que são mais fáceis de preparar.

Mas cozinhar é diferente: quando ajudam a assar uma torta ou um bolo, eles entendem que é preciso esperar para comer.

"Devemos fornecer a elas experiências, estimulando a sua criatividade, empenho e concentração, para que elas busquem entender que tudo precisa de um tempo, e que os alimentos diversos demoram mais para serem feitos, mas são mais saudáveis", indica Santos.

5. Estímulo pedagógico

Cozinhar com a família ensina o que são quantidades, pesos, medidas, a diferença entre gramas, mililitros. E, dependendo da faixa etária elas treinam a leitura quando leem receitas. Além disso, as etapas também exigem organização: o que vem primeiro, e depois?

6. Evita compulsão alimentar

"Quando você ensina à criança sobre os alimentos desde cedo, dificilmente ela se tornará um adolescente ou adulto compulsivo por comida", diz Roberta Brito, nutricionista residente do HULW-UFPB (Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba), vinculado à rede Ebserh.

A especialista explica que a pessoa que tem contato físico com os alimentos desde a primeira infância tende a ter noção de saciedade e do que é o excesso. Tais atitudes contribuem para diminuir o risco de sobrepeso e obesidade mais tarde.

"A longo prazo, a gente vai naturalizar para a criança o ato de ingerir alimentos mais saudáveis e ela vai valorizar essa alimentação 'de verdade', que é mais natural e feita em casa", comenta Santos, lembrando que a criança deve sentir que cozinhar não é algo chato, mas sim necessário para ter uma vida melhor.

A diversão pode andar lado a lado com autonomia e responsabilidade - iStock - iStock
A diversão pode andar lado a lado com autonomia e responsabilidade
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7. Diversão

Sempre que possível, tire um dia da semana para fazer um prato que a criança gosta e faça uma receita diferente. "A criança precisa consumir, de vez em quando, alimentos que não são tão saudáveis. E os pais podem proporcionar esses momentos divertidos e dizer para elas ajudarem no preparo", indica Brito.

A nutricionista ainda ressalta que isso alegra os pequenos e traz a compreensão de que há momentos para ser saudável e consumir frutas, verduras, e outros que eles podem sim comer algo que gostem, e tudo bem.

8. Higiene

Ao preparar alguns alimentos, como frutas, legumes e verduras, as crianças entendem a importância de higienizá-los, porque precisam seguir um "ritual" antes de comer.

Além disso, esse cuidado também faz com que elas conheçam cada vez mais suas características: o que é de comer, quais partes não são comestíveis, o que se pode aproveitar.

A alimentação favorece a socialização - iStock - iStock
A alimentação favorece a socialização
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9. Socialização

A criança que cozinha com a família e aprende tudo isso que citamos acima tende a compartilhar o que aprendeu e isso facilita o processo de socialização de forma lúdica, com familiares e amigos.

Para os pais que não querem que os filhos cresçam interagindo apenas com as telas, a cozinha pode ser uma aliada e tanto!

10. Sustentabilidade

Os pequenos cozinheiros costumam aprender o que é desperdício, isto é, sobre talos e cascas que podem ser aproveitadas, e a usar menos embalagens plásticas. Eles valorizam a natureza e isso impacta na sociedade de uma forma geral.

Por fim, os especialistas pontuam que apesar de serem crianças, elas merecem respeito. Muitos pais, na tentativa de fazer os filhos se alimentarem melhor, costumam obrigá-los a comer o que eles não querem e ameaçá-los. Embora a intenção seja das melhores, esse não é um bom caminho.

"No lugar de ajudar, essas atitudes trazem medo e ainda mais repulsa. Por isso não tente forçar e entenda que a criança sabe quando está satisfeita e quando não", salienta Brito. "É importante a gente respeitar o momento."

Perceba que tudo que foi falado aqui sobre autonomia, conhecimento e diversão não caminham junto com a obrigação, mas sim com o prazer e aceitação.