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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Camila Monteiro diz que perdeu dentes devido à depressão; qual a relação?

A influenciadora Camila Monteiro contou ter tido sua saúde bucal afetada pelo período em que enfrentou a depressão - Arquivo pessoal
A influenciadora Camila Monteiro contou ter tido sua saúde bucal afetada pelo período em que enfrentou a depressão Imagem: Arquivo pessoal

Gabriela Monteiro

Colaboração para o VivaBem

13/06/2022 04h00

Sorrir pode ser um verdadeiro desafio quando se está enfrentando uma depressão. Para além da dificuldade subjetiva, na qual o sorriso representa a ausente alegria, há ainda uma dificuldade mais objetiva. A doença, como já se sabe, afeta de diferentes formas o corpo físico, incluindo a saúde da boca.

Foi o caso da influenciadora Camila Monteiro, que contou em suas redes sociais como a negligência com a própria higiene, o medo de dentista, entre outros fatores —todos causados pela depressão ou por traumas antigos— fizeram com que ela perdesse alguns de seus principais dentes.

"A questão da saúde bucal foi algo que refletiu na forma que eu me via. Eu não me via com valor, não me via como uma pessoa que deveria ser apreciada, amada", conta ao VivaBem.

Segundo Camila, a depressão trouxe não apenas a dificuldade de escovar os dentes, como a vontade de tomar banho. "Eu passava dias sem lavar o cabelo. Lembro de uma situação em que eu estava no fundo do poço e passei umas duas semanas sem lavar o cabelo e encheu de nó. Eu penteava e saía muito cabelo. Essa cena para mim foi muito marcante. Foi um momento muito sombrio", diz.

Quanto aos dentes, ela já havia colocado lentes de contato em 2019, mas o que era para aumentar sua autoestima em um momento delicado de sua saúde mental, tornou-se um pesadelo. Por não serem de boa qualidade, as lentes se infiltraram e no meio desse período, ela tinha canais que não tinham sido devidamente tratados e que foram evoluindo. "Sentia muita vergonha do meu sorriso. Além disso, era um incômodo mastigar, beber e até conversar", disse no Instagram.

Isso resultou na perda de alguns dentes, todos de baixo. Foi quando ela teve que começar o seu processo de tirar um por um pela raiz e colocar pino, esperar cicatrizar, para enfim colocar a coroa. "O meu dentista foi excelente, não teve julgamento, não quis saber como ou por que cheguei naquele ponto, ele só quis me acolher. Temos um problema? Então a gente vai resolver. Não importa o estado que você chegou até aqui, a gente vai resolver. Ele foi completamente humano, uma coisa que eu senti muita falta em outros profissionais", diz.

Simultaneamente, ela também ajustou a lente de contato, que foi feita de acordo com o tamanho natural dos seus dentes. "Até hoje, quando eu paro para pensar, eu me emociono, porque devolveu minha autoestima, devolveu a força de sorrir. As pessoas às vezes acham que é besteira, mas não é. Tem muita gente que coloca a mão no rosto para não sorrir na frente dos outros. É muito mais do que só dente", diz.

Como a depressão pode afetar a saúde bucal?

De acordo com Arthur Lima, dentista, CEO da AfroSaúde em Salvador e mestre em saúde, ambiente e trabalho pela Universidade Federal da Bahia, a saúde mental pode afetar de várias formas os dentes.

"Já tive muito isso na minha prática clínica, de mães no setor público que cuidavam da família inteira e negligenciam a saúde bucal. Todo esse estresse faz com que as pessoas não priorizem a saúde bucal. Essa não priorização leva à falta de higienização, que leva a cáries, gengivite e periodontite", diz.

Pessoas que utilizam medicamentos para depressão podem ainda sofrer efeitos colaterais na saúde bucal, como a xerostomia. "Ela causa a sensação de boca seca e a saliva é a responsável por manter um equilíbrio da saúde bucal. Boca seca é um ambiente mais propício para que as bactérias se proliferam", diz Lima.

Diante de picos de estresse e ansiedade, o corpo de muitas pessoas também podem responder com o aparecimento de aftas e o hábito de ranger os dentes (bruxismo). Como há uma alta no cortisol, conhecido como "hormônio do estresse", há consequentemente um enfraquecimento do sistema imunológico, que facilita o acesso de bactérias, surgimento de gengivite e periodontite.

Em pacientes depressivos ainda é comum o abuso de carboidratos, que pode facilitar o aparecimento de cáries. "Não é uma relação unilateral, e sim multifatorial. Mas há pesquisas sérias que indicam que quase 2/3 das pessoas diagnosticadas com depressão têm um convívio com dor de dente ou queda da saúde bucal", diz o dentista.

A saúde mental faz parte da saúde do ser humano como um todo, não tem como separar. "Dentro das patologias psiquiátricas, a gente observa várias outras comorbidades clínicas associadas, como obesidade, dislipidemia (colesterol e triglicérides alto), quadros de dores crônicas refratárias, além das comorbidades associadas ao prejuízo no autocuidado com o paciente, que podem ser desde infecções de pele, carência nutricional, hábitos intestinais, quadros infecciosos e então os problemas na dentição", diz João Pedro Wanderley, médico do servidor público estadual de Pernambuco.

Para ele, a questão da negligência com a própria higiene é mesmo um ponto muito forte. Mas há também uma questão biológica da própria doença envolvida. Segundo sua prática clínica, é comum os pacientes dizerem sentir um gosto amargo na boca, que pode sim estar relacionado com algumas medicações, como antidepressivos e estabilizadores de humor, mas como da própria patologia da depressão.

"Do ponto de vista primário da depressão e da alteração do paladar, no transtorno depressivo vários sentidos são alterados, desde a visão, tato, sensibilidade à dor, porque a pessoa perde o prazer e a gente sabe que a alimentação está relacionada a essa sensação", explica.

Segundo ele, muitas vezes, todo estímulo que o paciente recebe é algo prejudicial ou negativo. Faz parte do quadro uma alteração do pensamento, da percepção, do tempo e dos sentidos dessa alteração do paladar. "Está muito relacionada a uma rede neuronal muito complexa, mas sobretudo à deficiência de neurotransmissores, principalmente a serotonina e dopamina, que ajudam a gente a sentir prazer, dentre eles o gosto das coisas", conta.

Wanderley ainda lembra que em casos de depressão associados a transtornos alimentares pode também haver alterações importantes "Tanto na anorexia quanto na bulimia, a gente tem uma importante alteração no pH bucal, o que pode prejudicar bastante a saúde bucal do paciente. Quando o paciente induz o vômito de forma repetida, a gente observa não só a lesão na própria mão usada para forçar o vômito, como também há um aumento no pH bucal, tornando-o mais ácido, provocando a corrosão dos dentes e alteração do paladar", diz.

Adepto da psiquiatria positiva, ele acredita que mais do que tratar as doenças, é preciso preveni-las, e isso tudo passa pelo autocuidado. A psicóloga e pesquisadora científica na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Thaíz Suarez, concorda: "A depressão não é só química, é biológica, psicológica e social. Essas três frentes precisam estar bem, caso contrário, podem sim acarretar uma questão de comorbidade mais ampla", diz.

É preciso pensar amplo, não é toda crise depressiva que irá gerar uma questão dentária. Não é porque a pessoa ficou só deitada que vai dar dor na coluna. Ela ficou deitada porque não conseguia sair da cama, se vestir, tomar banho, escovar os dentes. Tiveram vários fatores envolvidos para ela chegar a esse ponto. E todos eles importam. A visão precisa ser 360º". Thaíz Suarez, psicóloga.

Todos os especialistas concordam que falar de saúde mental é falar de um todo. Não há como separá-la da física. Para melhorar, é preciso um tratamento multidisciplinar, com psiquiatria e psicoterapia, associado a uma mudança de hábitos que inclua exercícios físicos, boa alimentação e noites de sono de qualidade, uma rede de apoio e, claro, um olhar responsável para o autocuidado.