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O que faz um alimento ser considerado orgânico? O que ele tem de diferente?

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Imagem: iStock

Guilherme Lourenço

Colaboração para o VivaBem

10/06/2022 04h00

Produtos orgânicos têm se popularizado entre aqueles que buscam uma forma de alimentação mais saudável para o corpo e para o planeta. Esses alimentos prometem gerar menores impactos ambientais, valorizar a economia e cultura local e ainda promover bem-estar animal e boas condições de trabalho. Mas garantir isso vai muito além de afirmar que cultivou tomates no quintal de casa.

Para além do conceito, na prática, a agricultura orgânica é regulamentada por legislação. Diferente de apenas plantar legumes em casa e vendê-los em feiras de bairro, a produção deve cumprir com uma lista de requisitos legais para se intitular dessa forma. No Brasil, a lei nº 10.831, de dezembro de 2003, determina que a agricultura orgânica esteja em conformidade com a norma, a fim de garantir que sejam adotadas estratégias naturais, em detrimento das químicas, para a produção de alimentos de forma ecológica.

Entre as exigências da produção de alimentos vegetais está a não utilização de produtos químicos sintéticos para controle de pragas e doenças, os chamados agrotóxicos, e de substâncias reguladoras de crescimento. Também é proibido o uso de organismos geneticamente modificados (os transgênicos) e de adubos químicos. Essas restrições devem-se, principalmente, às consequências ambientais geradas por tais tecnologias.

No lugar dessas práticas de aspecto químico e físico, os produtores optam por técnicas de natureza biológica. Ao invés de, por exemplo, fazer uso de inseticidas para combater moscas, são usados besouros que as predam naturalmente. Outro exemplo é o emprego de rotação de culturas com espécies leguminosas, que aumentam a quantidade de nitrogênio no solo, de maneira oposta ao uso de fertilizantes sintéticos.

Na produção animal, é proibido o uso de insumos que não sejam oriundos de um sistema de produção também orgânico, ou seja, os animais não podem se alimentar de soja transgênica nem de milho adubado quimicamente. Não são permitidos estimulantes de crescimento e o uso sistemático de antibióticos. Por questões sanitárias, vacinas são permitidas.

Diferente da pecuária intensiva, na qual os animais são confinados, a pecuária orgânica prioriza a livre expressão do comportamento natural de cada espécie. Dentro dessa busca por bem-estar animal na produção, a liberdade de ciscar, para as galinhas, e pastar, para as vacas, é o que reduz a necessidade de medicamentos para compensar a dor e estresse do confinamento, por exemplo.

Outro destaque é a menor utilização de maquinários pesados, os cuidados com a preservação do solo e a minimização da dependência de fontes de energia não renováveis, inclusive já no processo industrial.

Ainda que a maior parte da produção orgânica seja destinada à comercialização dos alimentos in natura, uma parcela é direcionada para a industrialização, na qual são fabricados de salgadinhos a sorvetes —e a norma também se aplica a esse setor. No aquecimento industrial dos ingredientes, não é permitido, por exemplo, uso de lenha de área de desmatamento. O mesmo vale para adição de alguns aditivos químicos, que são tolerados apenas os menos prejudiciais à saúde humana.

Além dessas condições, a lei brasileira também menciona a maximização dos benefícios sociais, o que inclui desde a garantia de direitos trabalhistas (como de organização sindical dos agricultores) até ações que valorizem a comunidade e o grupo social na qual a produção do alimento está inserida. Busca-se valorizar e respeitar as características socioeconômicas e culturais do local.

Como o alimento orgânico ganha a certificação

Para garantir o status de orgânico em seus alimentos e obter o selo nacional chamado Selo Sisorg (Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica), do sistema oficial de certificação, os produtores devem cumprir com a legislação estabelecida.

Há duas formas de obter a certificação necessária: através de uma das 15 empresas certificadoras, credenciadas pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) ou pelo método chamado de Opac (Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica), também acompanhado pelo ministério.

Com as empresas certificadoras, acontecem inspeções nas unidades de produção agrícola e também nas estações de processamento, quando é o caso do produto passar por processo industrial. Essas auditorias podem ser programadas com os produtores ou podem ser aleatórias, com o objetivo de verificar as técnicas produtivas, os insumos agropecuários, as receitas, os manuais de produção, os planos de manejo da propriedade e tudo que comprova a situação ecológica legal do sistema.

Quando há inadequações, são solicitadas mudanças de acordo com a norma. A depender das adequações necessárias, o andamento pode ser mais rápido ou mais lento, podendo levar meses para acontecer.

Após o processo de adequação, o produtor recebe o selo do tipo "por autoria" que tem validade de um ano, e que deve ser renovado com novas visitas das agências. Para exportação, é necessário buscar as empresas também associadas à IFOAM (International Federation of Organic Agriculture Movements), para que seja seguida a norma do país de destino. Nesse método, há uma exigência maior, e a certificação segue a norma ISO65, padrão utilizado de forma semelhante ao de outros países.

As despesas para os produtores variam de acordo com o local e dimensão da produtora. Para se ter uma ideia, para uma produtora de hortaliças e frutíferas de um hectare, o valor a ser pago à certificadora é de R$ 4.500, em média. A renovação anual passa a custar entre R$ 3.000 e R$ 3.500. A simulação considera uma única visita de inspeção próxima à localidade, taxa de inscrição, matrícula e emissão de certificado —no caso de uma produção em conformidade, isto é, que não demanda custos para se adaptar às exigências. Os valores aumentam de acordo com a complexidade da área.

Já no procedimento Opac, um grupo de produtores se cadastra junto ao Mapa, e passa a fazer uma espécie de autofiscalização entre os membros. O produtor participa ativamente do núcleo a que está ligado, comparecendo a reuniões periódicas, e através de visitas de verificação de conformidade (inter e entre grupos) —sem auditorias externas. Em caso de irregularidades e fraudes, o grupo responde como um todo e pode ser autuado. Não correções ou adequações à norma levam à exclusão do grupo e cancelamento da certificação.

Em sua grande maioria, os produtos com esse selo do tipo "participativo" são limitados a produtos frescos e pequenas agroindústrias que beneficiam diretamente seus produtos em forma de geleias, sucos, e apenas sob processos de industrialização primária. Por isso, as exigências são compatíveis à realidade menos complexa dessa produção. Sem inspeções e participação de empresas privadas, os custos são reduzidos, mas (ainda que responda às mesmas obrigatoriedades) esse selo não permite que os produtos sejam exportados e comercializados fora do país.

O oposto também ocorre: os alimentos importados também são submetidos às regras brasileiras, passando por auditorias. O Mapa também atua com auditorias para fiscalizar a produção, também em parcerias com os governos estaduais para aumentar o alcance da ação.

A exceção à regra são os pequenos agricultores familiares que fazem produção orgânica e podem se registrar no Mapa para venda direta ao consumidor sem certificação. São as chamadas OCS (Organização de Controle Social). Eles se organizam em grupos fazendo um controle entre os pares, com visitas internas e se registram no Cadastro Nacional do Ministério da Agricultura. Sem o selo, só é permitida a venda ao consumidor final, sendo vedada a venda para estabelecimentos.

Como encontrar

Uma vez certificados, os produtores constam no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos e podem comercializar seus produtos. Como parte do direito do cliente, é possível consultar a procedência do produtor no cadastro do Ministério.

A maior parte do comércio de orgânicos acontece nas feiras livres e também pela entrega de cestas em domicílio. Nestes casos, os alimentos in natura não são embalados e, para conferir o status orgânico do produto, os consumidores podem solicitar o certificado emitido pelo Mapa ao comerciante ou produtor. Já em lojas e mercados, os alimentos orgânicos apresentam selo nos rótulos.

Fontes: Carlos Armenio Khatounian, professor doutor do Departamento de Produção Vegetal da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) da USP (Universidade de São Paulo); Fábio Portella, doutor em botânica pela UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco); Michelle Jacob, professora de nutrição da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte); Ming Liu, diretor do Organis (Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável); Rafael Arantes, coordenador de Consumo Sustentável no Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor); Tibério de Souza, agrônomo, chefe da divisão de desenvolvimento rural da Superintendência Federal de Agricultura e auditor fiscal federal agropecuário do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento).