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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Manias, rituais e tiques na infância: quando é preciso se preocupar

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Imagem: iStock

Janaína Silva

Colaboração para o VivaBem

08/06/2022 04h00

Quem não se lembra de, quando criança, chupar o dedo ou chupeta, roer unhas, ficar enrolando o cabelo com o dedo na hora de dormir, enfileirar os brinquedos, balançar os pés ou mãos nos momentos ociosos ou criar desafios para si mesmo? Apesar de muitos pais e mães ficarem aflitos com a questão, especialistas são unânimes em afirmar que essas manias são comuns à faixa etária e que só é preciso procurar ajuda se estiverem levando a ferimentos ou impedindo outras atividades.

Esses tiques partem do inconsciente e se relacionam com as emoções. Segundo Cristina Borsari, coordenadora do serviço de psicologia do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo, eles estão associados ao enfrentamento de um sentimento com que a criança não consegue lidar nem explicar o que sente. Para exemplificar, é comum o ato de roer unhas ser ligado à ansiedade.

"Eles surgem de forma aleatória, de acordo com vivência, e sempre existirão. Além disso, podem ser alternados com outras, assim como desaparecerem sem nenhuma repercussão", informa Narjara Chaves, coordenadora do serviço de emergência e unidade de internação pediátrica do Hospital Udi Rede D'Or, em São Luís, MA.

Contudo, a atenção dos pais deve se voltar à forma como agem para não realizarem o reforço negativo, que significa chamar a atenção, associar o hábito a características pejorativas ou ameaças. Pediatra com especialização em neurologia infantil, Marcone Oliveira lista algumas: "Menino que chupa dedo vai ter bicho na boca", "Vou bater na sua mão porque você chupa dedo" ou "É feio chupar o dedo".

"A melhor forma de lidar é transformar o hábito em algo mais saudável. Trocar a chupeta por um brinquedo e substituir o bichinho de pelúcia que tem que ficar o tempo todo com a criança por um travesseiro. Ou seja, mudar o foco sem fazer o reforço negativo", orienta Oliveira.

Ainda existem os marcos do desenvolvimento social que não são os mesmos do neurodesenvolvimento e, assim, algumas atitudes não são aceitas socialmente a partir de determinadas idades, como usar chupeta na rua aos cinco anos. "É preciso entender o nível de aceitação social para que a criança não seja exposta a julgamentos", diz Oliveira.

Se a situação representar prejuízo ou sofrimento, como não ir à escola sem a "naninha" ou problemas na arcada dentária por conta do uso da mamadeira, é fundamental conversar com o pediatra, o neuropediatra ou um psiquiatra infantil para avaliar se tudo está bem com a criança. "O importante é não ter dúvidas e não ficar com a preocupação de que aquela postura possa ser um transtorno e não estar sendo tratado", fala o pediatra.

Rituais e tiques: quando prestar atenção

Os rituais constituem padrões repetitivos de comportamento. "Por exemplo, só tomar água no copinho azul, só usar meia branca ou repetir a mesma sequência de ações para dormir. Essas situações demonstram que a criança é rígida e tem dificuldade em se adaptar. É muito comum nas com o espectro do autismo ou, então, ansiosas", esclarece Ana Márcia Guimarães Alves, pediatra que participa do departamento científico de pediatria do desenvolvimento e comportamento da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).

Apresentar descontroles emocionais, irritação, desorganização e fazer birras ao serem impedidas de realizar o ritual, segundo a pediatra da SBP, indicam algum transtorno do neurodesenvolvimento que precisa ser identificado para que se aplique o tratamento precoce adequado.

Já os tiques são movimentos motores de um grupo muscular que são controlados pela vontade da pessoa. Não são involuntários, mas, segundo os especialistas, são irresistíveis, porque não é possível segurar a vontade de fazê-lo. Pode ser piscar os olhos, enrugar o nariz, fazer bico, mexer com o ombro, entre outros.

"Na maioria das vezes, crianças que apresentam tiques são ansiosas", ressalta Alves.

As naninhas —os paninhos de apego e bichinhos de pelúcia que as crianças carregam para todos os lugares—, por sua vez, são objetos de transição e não manias, como muitos consideram. "São elementos macios que representam uma segurança ao afastamento das suas figuras de vinculação, para, por exemplo, suportar ir à escola e a ausência dos pais quando saem para trabalhar", diz a pediatra.

Outros sinais simultâneos

É muito comum as crianças terem fixações mentais ou rituais temporários. "O que determina se há um quadro que necessita de avaliação profissional é a frequência do sintoma. Por exemplo, ocorrerem muitas vezes ao dia e se prolongarem ao longo de meses. As mais inseguras ou tímidas costumam apresentar manias como um comportamento de enfrentamento", afirma Borsari.

Sinais que devem preocupar os pais, de acordo com neuropsicóloga do Sabará Hospital Infantil: arrancar fios de cabelo, machucar a pele com frequência e organizar de maneira excessiva os brinquedos ou materiais escolares.

Muitas vezes, a criança possui algum transtorno e por conta dele intensifica os trejeitos. Nessa situação, não são o único sinal e estarão associados a outros. Oliveira explica que as que possuem alguma deficiência intelectual com desenvolvimentos cognitivos e emocionais mais atrasados podem manter algum costume por um tempo cronologicamente maior que outras. "No transtorno do espectro autista, o TEA, muitas estereotipias —comportamentos motores ou verbais repetidos— são confundidas com manias, levando a alguns prejuízos devido ao diagnóstico tardio."

Fontes: Ana Márcia Guimarães Alves, pediatra, vice-presidente da Sociedade Goiânia de Pediatria e membro do departamento científico de pediatria do desenvolvimento e comportamento da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria); Cristina Borsari, psicóloga clínica hospitalar, neuropsicóloga e coordenadora do serviço de psicologia do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo; Narjara Chaves, pediatra com subespecialização em terapia intensiva pediátrica e coordenadora do serviço de emergência e unidade de internação pediátrica do Hospital Udi Rede D'Or, em São Luís (MA); Marcone Oliveira, pediatra com especialização em neurologia infantil e diretor clínico da Clínica Proevoluir (MG).