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'O menor da sala': o que pode causar distúrbio de crescimento nas crianças?

Pais podem observar se criança está com distúrbio se ela deixa de perder roupas e sapatos, por exemplo - iStock
Pais podem observar se criança está com distúrbio se ela deixa de perder roupas e sapatos, por exemplo Imagem: iStock

De VivaBem, em São Paulo

02/06/2022 04h00

Desde a fase intrauterina, nós crescemos. Ainda bebê e na adolescência, nossa altura, aos poucos, vai aumentando. No entanto, algumas crianças não se desenvolvem conforme os padrões preestabelecidos pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o que pode ser um sinal de distúrbio de crescimento.

As causas para isso são diversas, vão desde genética até doenças crônicas. Por isso, os pediatras, além dos pais ou cuidadores da criança, devem acompanhar e ficar de olho para ver se, de fato, há algo atrapalhando o crescimento dela.

De acordo com Sonir Antonini, endocrinopediatra e professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto (SP), bebês que nascem pequenos para a idade gestacional (conhecidos pela sigla PIG) já apresentam maior risco de desenvolver algum distúrbio e, portanto, podem não crescer adequadamente.

"Cerca de 90% consegue recuperar a altura, mas 10% não e elas serão crianças pequenas, com distúrbio de crescimento", explica o também presidente do departamento de endocrinologia pediátrica da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).

De uma forma resumida, o especialista cita o crescimento esperado de acordo com faixa etária. "No primeiro ano de vida, a criança ganha, mais ou menos, de 23 a 25 centímetros. Já no segundo, ela ganha de 12 a 15 centímetros e, no terceiro ano de vida, por volta de 10 centímetros. A partir do 4º ano até a puberdade, ela ganha entre 5 e 7 centímetros por ano", diz.

Era o mais velho, mas o menor da sala

A bancária Luciana D'Emery, 38, não sabia que bebês pequenos para a idade gestacional têm maior risco de ter um distúrbio de crescimento. Nenhum médico a informou sobre isso.

Elias Alves Demery Lima - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Elias está tratando distúrbio de crescimento com reposição hormonal
Imagem: Arquivo pessoal

Ela descobriu na prática. Quando o filho Elias completou 5 anos, ela e o marido notaram algo na sala de aula dele: "Ele era o mais velho, mas o menor entre todos", diz. Com isso, o casal resolveu procurar uma endocrinologista.

Ao examinar Elias e entender toda a história do menino, a médica já explicou que, por ter sido PIG, existia a chance de ele não estar crescendo de acordo com o esperado. Ele fez diversos exames, como de ressonância e raio-X. O primeiro para analisar a glândula hipófise, que fica no cérebro, responsável por produzir o hormônio de crescimento, e o segundo para verificar a idade óssea.

Segundo a bancária, de João Pessoa (PB), o filho apresentava idade óssea de 2 anos e 8 meses aos 6 anos de idade. Além disso, um outro exame mostrou que Elias não produzia o hormônio de crescimento —o GH— suficiente para poder se desenvolver.

Como o menino apresentava o diagnóstico necessário para obter o medicamento de alto custo gratuito, Luciana deu entrada no SUS (Sistema Único de Saúde) com a documentação. Elias começou a fazer a reposição do hormônio em novembro de 2021.

"Ainda vamos na primeira consulta com a médica, mas ele já cresceu 5 centímetros desde então. Começou com 1,07 metro e hoje está com 1,12 metro, ou seja, ganhou quase 1 centímetro por mês", conta, feliz. A picada da injeção, que é bem fina, igual da caneta que pessoas com diabetes usam, já não causa tanto medo em Elias.

"Foi doloroso no início, mas acho que para toda criança é. No primeiro dia, ele chorou, ficou mais nervoso, mas agora ele está habituado", diz Luciana.

Nem sempre a causa é clara

Assim como Luciana, Cristina Carvalho, 43, estava desconfiando do crescimento da filha Ester: reparava na altura dos colegas da escola e, além disso, notava que ela demorava para perder roupas e sapatos.

Cristina Carvalho e a filha Ester - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cristina Carvalho e a filha Ester
Imagem: Arquivo pessoal

Um outro ponto é que a menina começou a sofrer bullying pela altura. Foi quando a administradora, que vive em Serra, no Espírito Santo, resolveu ir atrás de outra opinião médica.

Ao realizar os diversos exames, assim como Elias, descobriu que Ester possui baixa estatura idiopática, isto é, quando não se sabe a causa exata do distúrbio.

Isso deixou Cristiana ansiosa e preocupada, já que o SUS só libera o medicamento, que foi indicado para Ester, se a criança não produzir o GH, tiver a síndrome de Turner, doença genética que causa baixa estatura em meninas, ou a síndrome de Prader Wili, problema que também pode resultar na perda da estatura. Em outras regiões do Brasil, de acordo com os especialistas, crianças que nasceram pequenas para idade gestacional também têm acesso.

"Comecei a pesquisar coisas na internet, nas redes sociais, sobre o tratamento, mas não encontrava nada. Com isso, surgiu a ideia de criar uma página no Instagram com tudo que ia aprendendo com ajuda de endocrinologistas", lembra Cristina, que abriu a página "Meu Filho Usa Somatropina - GH", em alusão ao nome do hormônio utilizado, e dois grupos no WhatsApp para pais e cuidadores de crianças com distúrbio de crescimento. Já são mais de 400 pessoas.

A administradora também conseguiu o medicamento via SUS ao explicar o caso da filha e realizar a solicitação, que começou no dia 26 de agosto do ano passado. "Eu não teria condições de fazer particular", diz.

O tratamento não é mesmo acessível e pode custar de R$ 1.500 a R$ 3.000 reais por mês, sendo que costuma durar anos. As meninas vão até 15 e 16 anos e, os meninos, até 18, em média.

Com 8 meses de tratamento, aos 10 anos, a menina já cresceu 7,5 cm e está muito mais feliz. "Ela tem visto o resultado do remédio. No início, teve bastante resistência, mas hoje aceita bem e está muito feliz, até me lembra que está na hora de tomar o remédio", conta a mãe, que mostrou o resultado do tratamento na montagem abaixo.

Ester - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ester tem quase 11 anos e já cresceu, em 8 meses de tratamento, 7,5 cm
Imagem: Arquivo pessoal

Quais são as possíveis causas?

Além dos bebês pequenos para idade gestacional (PIG) e a deficiência na produção do hormônio do crescimento, o GH, há outras situações que podem justificar uma estatura abaixo do ideal.

De acordo com Jacqueline Araújo, chefe do serviço de endocrinologia pediátrica da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), da rede Ebserh, não são apenas os problemas hormonais que podem resultar no problema.

"É qualquer problema crônico na vida da criança que pode causar o distúrbio, além da desnutrição ou alimentação inadequada, falta de atividade física e doenças em qualquer órgão ou sistema", explica a endocrinopediatra.

Ela também cita mutações genéticas que podem causar problemas que afetam o crescimento. Abaixo, confira as principais:

  • Quando a criança não produz níveis ideais do hormônio do crescimento ou não consegue absorvê-lo;
  • O hipotireoidismo, que é a falta de hormônio da tireoide;
  • Doenças inflamatórias do intestino, que prejudicam a absorção dos alimentos;
  • Infecções de repetição atrapalham e afetam o crescimento;
  • Doenças respiratórias, como asma, pois a criança utiliza corticoide, que pode inibir a produção do hormônio GH;
  • Problemas no crescimento ósseo;
  • Produção do hormônio cortisol em excesso;
  • Síndrome de Turner, que afeta mais as meninas.

De acordo com o professor da USP de Ribeirão Preto, alguns exames que surgiram, como o exoma, estão ajudando no diagnóstico de crianças que, até então, não sabiam o que causava o problema de crescimento.

Uma linha tênue: é genética dos pais ou problema de saúde?

Muitas vezes, os pais podem ter expectativas muito altas em relação à altura do filho. Segundo Durval Damiani, chefe da Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança e do Adolescente do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), é comum que essa demanda apareça nos consultórios.

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Imagem: iStock

No entanto, o especialista explica que há muitos fatores envolvidos, como explicamos acima. O pediatra, médico que tem maior contato nesta fase, avalia histórico clínico e como está a curva de crescimento dessa criança, além de como foi a gestação da mãe.

É neste momento que a altura alvo é calculada, com base na média da altura dos pais. É um cálculo feito pelo médico, que é diferente para meninos e para meninas. "Quer dizer que a criança vai ter exatamente a altura do alvo? Não, mas isso é um balizamento que temos para entender se ele está andando dentro do alvo e muito fora dele", afirma Damiani.

Ainda segundo ele, mesmo se os pais têm estatura baixa, é preciso ficar de olho. "Às vezes, esses pais podem ter tido algum problema de crescimento também e não foram tratados. A criança pode ter o mesmo distúrbio que os pais. Existe o fator genético, a altura alvo, mas não é definitivo", diz.

De acordo com o professor da USP Ribeirão Preto, mulheres com menos de 1,50 m e homens abaixo de 1,62 m já são considerados com uma baixa estatura muito acentuada. "Agora, um pai com 1,66 m e uma mãe com 1,55 m, por exemplo, são baixos, mas dentro de uma variação considerada normal", explica Antonini.

Tratamento: quanto antes, melhor

Gabriel Carlos sempre foi uma criança alérgica e, por isso, precisava tomar corticoide, algo que pode atrapalhar no crescimento. Aos 5 anos, as crises de alergia diminuíram, mas ele não cresceu conforme o esperado. A mãe Thatyanne Krause, 35, resolveu levá-lo em um endocrinologista.

Gabriel em junho de 2021 (esq.) em comparação com maio de 2022 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriel em junho de 2021 (esq.) em comparação com maio de 2022
Imagem: Arquivo pessoal

Ao realizar os exames, o menino foi diagnosticado com hipopituitarismo, quando a hipófise não produz (ou produz pouco) os hormônios, como o GH.

"Ele iniciou com 1,14 metro e, após 10 meses, cresceu 10 cm. Ele está com 1,24 metro, ou seja, respondeu bem ao tratamento porque era exatamente o que ele precisava. Assim que começamos a repor o GH, ele começou a crescer bastante", conta a professora de João Pessoa.

O tratamento começou em junho de 2021 e, hoje, Gabriel está com 7 anos. Thatyane também conseguiu o medicamento de alto custo pelo SUS. A indicação do remédio depende da causa.

A reposição do GH só pode ser feita com orientação médica e, normalmente, os médicos aguardam de seis meses a 1 ano para ver se está dando certo. Caso a altura permaneça a mesma, o tratamento pode ser interrompido.

Quanto mais cedo começar a tratar, melhor será a altura final da criança. Jacqueline Araújo, endocrinopediatra da UFPE

"Logo nos primeiros seis meses já conseguimos saber se a criança está respondendo bem ou não ao tratamento, seja ele qual for", diz a médica da UFPE.