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'Buraquinho no coração': entenda o problema cardíaco de Hailey Bieber

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Imagem: Getty Images

Mariana Rodrigues

Colaboração para VivaBem

30/05/2022 04h00

A modelo Hailey Bieber contou em seu canal no YouTube que passou por um procedimento no coração depois de ter um mini-AVC, como é conhecido o AIT (acidente isquêmico transitório). Hailey estava tomando café com o marido, o cantor Justin Bieber, quando teve os sintomas de AIT e foi para o hospital.

O incidente em si foi passageiro e não deixou sequelas. No entanto, nos exames investigativos para encontrar a causa, ela descobriu ter um forame oval patente, ou FOP, um buraco no coração, que teria sido o que permitiu o AIT. A modelo precisou passar por um procedimento de fechamento desse buraco.

Em São Paulo, Vanessa Affonso, 43, gestora da hemodinâmica no Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP), passou pelo mesmo procedimento que Hailey. Sobre o seu diagnóstico, Affonso brinca: "Meu caso parecia uma daquelas avaliações do Dr. House (série de TV com casos de doenças de difícil diagnóstico). Tenho enxaqueca crônica há 20 anos, com muita dor e mesmo indo ao pronto-socorro, tenho muita dificuldade de achar um remédio que resolva a minha dor". O caso dela foi avaliado pelos médicos Raul Arrieta e Alexandre Abizaid, ambos também do Incor.

Depois de uma recente crise muito forte de enxaqueca, Vanessa Affonso fez exames para detecção de FOP que confirmaram o diagnóstico, e optou pela operação sem saber se isso resolveria o seu problema. Ela relata que, mesmo com o tratamento com neurologista, tinha crises de 3 a 5 dias por mês, e precisava com frequência ir ao hospital, por isso preferiu arriscar.

Affonso fez a intervenção em 11 de abril e relata que, desde então, teve uma melhora nas dores de cabeça. Há estudos que relacionam a enxaqueca com o FOP, mas um caso como o de Affonso ainda é exceção. Em geral, o fechamento de FOP é feito após o paciente ter um AVC, ou um AIT, como no caso de Hailey.

O que é o forame oval patente

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Flechas mostram fluxo sanguíneo em coração sem FOP
Imagem: iStock

O FOP não é uma doença, mas uma condição de saúde que é essencial para a vida do bebê dentro do útero, que é diferente da que temos na vida pós-uterina.

Nos adultos, não há passagem de sangue direta entre os átrios do coração, o sangue entra por um lado, passa pelos pulmões e sai purificado e oxigenado pelo outro lado —e a ordem é entrada pelo direito e saída pelo esquerdo.

Já no caso dos bebês na barriga da mãe, o pulmão está cheio de líquido. Como a mãe é quem envia o sangue já com oxigênio para o bebê, o sangue passa diretamente do lado direito para o lado esquerdo através de um buraco chamado forame oval.

Após o nascimento, quando o cordão umbilical é cortado, o bebê passa a respirar e ter a circulação como no adulto. Então esse "buraquinho" que permitia a passagem do sangue perde a função. Em aproximadamente 75% das pessoas, o forame oval se fecha, e nas demais ele permanece aberto, por isso passa a ser chamado de forame oval patente.

A maior parte das pessoas que têm o FOP não terá nenhuma questão de saúde relacionada a ele, e não existe nenhum sintoma.

Qual a relação do FOP com o AIT ou AVC?

Como o FOP permite uma passagem de sangue entre os átrios do coração, ele pode permitir que um coágulo de sangue passe para a corrente sanguínea até o cérebro.

"A maioria das pessoas não tem um FOP, e quando elas fazem um coágulo nas veias da perna, esse coágulo vai parar no pulmão. Se esse coágulo for pequeno, pode não acontecer nada. Mas se esse coágulo passa pelo forame pode fazer um estrago no cérebro", explicou o médico Raul Arrieta, chefe das intervenções percutâneas em cardiopatias congênitas do InCor.

Isso porque um pequeno coágulo pode causar temporariamente um entupimento de uma pequena veia no cérebro, o que caracteriza um AIT, ou uma obstrução maior, no caso do AVC.

É muito mais comum que um AVC tenha outras causas, então quando essas causas não são encontradas é que começa a ser investigada a presença de um FOP. Quando é encontrado e há a indicação de fechamento, ele é feito por meio de cateterismo: um cateter é inserido por uma veia na perna e segue até o coração.

"Quando passa pelo FOP, o cateter abre como se fosse um guarda-chuva pelo lado esquerdo e pelo lado direito. Faz como um sanduíche dessa parede, e essa prótese fica lá para a vida inteira", explica Arrieta. Assim, a passagem do sangue é fechada.

Vanessa Affonso, que fez o fechamento de FOP no Incor, relata: "Fiz num dia e fui embora no outro. Não senti nada. O que mais doeu foi a intubação, que dá um desconforto na garganta. Fiz todo o repouso, como o médico recomendou, nas primeiras seis horas não podia levantar da cama, e durante cinco dias você não pode fazer esforço, como subir escada, segui as recomendações, então foi tranquilo".

Quem tem FOP precisa se preocupar?

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Imagem: Getty Images

Grande parte da população tem um FOP, e ele pode ser descoberto em exames de rotina em um ecocardiograma. Normalmente, o fechamento de FOP não é recomendado de forma preventiva, pois na maior parte da população não levará a nenhum problema.

De acordo com Raul Arrieta, o procedimento de fechamento do FOP é pouco arriscado, mas é maior o risco de uma complicação no procedimento do que o risco de uma pessoa que tem FOP ter um AVC ou AIT, por isso o tratamento só é feito em quem já teve um desses incidentes. No Incor, é feita em média uma intervenção para fechamento de FOP por semana.

O médico Gustavo Foronda, chefe da cardiologia pediátrica do Hospital Albert Einstein (SP), conta que hoje os médicos estão solicitando cada vez mais ecocardiogramas de rotina para crianças, por isso também cresce o diagnóstico do forame oval patente nessa idade.

"Não observamos em crianças o AVC, isso a gente observa em adultos. O que a gente pode fazer com esse diagnóstico na faixa etária infantil é uma orientação", explica.

Os cuidados que Foronda indica são para evitar uma formação de coágulo: "Quando for adulto, sempre que tiver uma viagem longa usar meia elástica, manter atividade física regular, evitar obesidade, evitar outros fatores de risco para trombose, como o uso de anticoncepcionais orais para a mulher e tabagismo".

Fontes: Raul Arrieta, chefe das intervenções percutâneas em cardiopatias congênitas do InCor (Instituto do Coração) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); Gustavo Foronda, chefe da cardiologia pediátrica do Hospital Albert Einstein (SP); e Ricardo Pereira, cardiologista e docente da Famed-UFC (Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará).

Referência: Homma, S., Messé, S., Rundek, T. et al. Patent foramen ovale. Nat Rev Dis Primers 2, 15086 (2016). https://doi.org/10.1038/nrdp.2015.86.