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Sua avó tinha razão: não dá para assobiar e chupar cana, mas por quê?

Já precisou abaixar o volume do som do carro para procurar um número na rua? - iStock
Já precisou abaixar o volume do som do carro para procurar um número na rua? Imagem: iStock

Thaís Lyra

Colaboração para VivaBem

24/05/2022 04h00

Você já precisou diminuir o volume do som do carro ao procurar um número na rua ou colocar os óculos para escutar melhor o que uma pessoa está falando? Se sim, fique tranquilo pois não há nada de errado. Estes são apenas dois dos vários exemplos de como o sistema sensorial pode ser responsável por algumas pegadinhas no dia a dia.

Se o cérebro tem um funcionamento complexo, os sentidos, responsáveis pelos estímulos que recebemos, também têm seus mistérios. Especialistas ouvidos por VivaBem explicam por que aqueles ditados populares que sua avó costumava falar, que é impossível assobiar e chupar cana ou manter um olho no peixe e outro no gato, são a mais pura verdade.

Mas, afinal, por que acontece?

Cérebro, mente, sistema nervoso central, cabeça - iStock - iStock
Imagem: iStock

No momento em que está consciente e desperto, o cérebro é bombardeado com uma infinidade de impulsos sensoriais distintos: imagens, sons, linguagem, orientação espacial, gostos e cheiros, então nossos sentidos entram em alerta.

Existem duas formas como o cérebro lida com o processamento dessas informações:

1. Uma consiste nos processos automáticos, ou seja, aqueles que podemos realizar mesmo quando não estamos focados e que foram aprendidos e treinados ao longo da vida. O famoso "entramos no automático".

2. A outra forma é chamada de processamento consciente ou atentivo. E é justamente nesses momentos que acontecem essas "bugadas", pois tentamos executar um número de informações maior do que nossa capacidade de processamento automático e atentivo ao mesmo tempo.

O resultado são essas esquisitices que ocorrem no nosso cotidiano, como procurar celular no bolso enquanto está com ele na mão ou tentar achar os óculos e ele está pendurado na blusa.

Na situação que falamos lá no início, de diminuir o volume para encontrar o número da rua, podemos entender a escuta como uma atividade automática e distratora ao objetivo central e atentivo, que é procurar o endereço. Com o som mais baixo, o estímulo automático é reduzido e sua capacidade de atenção fica mais aguçada.

Devagar e sempre

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Imagem: iStock

O cérebro é fascinante e, embora a gente ache que ele funciona como um computador e insista em abrir várias "abas" do "navegador" ao mesmo tempo, ele foi "criado" para fazer uma operação por vez ou então pode acabar travando. Em um mundo veloz como o dos dias atuais, todo mundo é estimulado a ser multitarefa.

Um dos exemplos mais comuns é o perigoso dirigir e falar ao celular. Prática proibida pelo Código Trânsito Brasileiro, é receita para o desastre. Se a direção é automática, falar com alguém exige foco. E a atenção que deveria ir para o carro da frente, do lado e para todo o ambiente ao redor, vai para quem está do outro lado da linha.

Outra situação que acontece muito quando tentamos ir além do que a capacidade permite, é alternar o foco entre uma coisa e outra e acabar não fazendo nada direito. Isso porque não existe somente uma área cerebral ativada nesse processo.

Exames de ressonância magnética funcional podem mostrar a utilização de múltiplas áreas corticais, muitas vezes em ambos os hemisférios cerebrais (direito e esquerdo) simultaneamente. Fazer isso causa algum tipo de dano?

Não necessariamente, mas a prática repetitiva de tentar focar em duas tarefas complexas ao mesmo tempo pode levar a um resultado abaixo do esperado em ambas. Mais do que isso: podem aparecer frustração e, ao longo do tempo, prejuízos emocionais e mentais.

Imagina se eu tentasse escrever esse texto em um show qualquer. Certamente, seria um desastre. Não faria a reportagem direito nem assistiria à apresentação.

Treinar o cérebro vale a pena?

Embora existam técnicas que são vendidas como potencializadoras de foco e atenção, não é saudável estimular o cérebro a trabalhar mais do que foi projetado. Apesar de vivermos uma era de superinformação, não temos um supercérebro.

O grande trunfo é saber utilizar todo o potencial para obter elementos sensoriais relevantes, a partir da concentração e do foco, e tentar conseguir os melhores resultados concentrando os nossos sentidos.

Quer uma dica? Execute uma tarefa complexa por vez e em um ambiente com o mínimo de distratores (processos automáticos) possíveis. Como dizem por aí: foco e força.

Sentidos ajudam a explicar

Sentidos humanos, olfato, tato, paladar, visão, audição - iStock - iStock
Imagem: iStock

Os sentidos humanos —visão, audição, paladar, olfato e tato— foram feitos para trabalhar em conjunto e ao redor de uma mesma tarefa. Cada um no seu quadrado, em locais específicos do córtex cerebral e com topografias distintas. Contudo, mesmo em lugares diferentes, há forte conexão entre essas áreas.

O sistema sensorial é um grande case da máxima a união faz a força, pois o cérebro se utiliza dos sentidos de maneira que um possa corrigir ou compensar as imperfeições do outro. Com esse mecanismo, o desempenho final é adequado, cumpre os objetivos e produz dados mais refinados.

Veja só: quanto mais estimulados simultaneamente, mais rica e fiel é a experiência e a interação com o meio. Por isso ver um filme e escutar seu áudio (músicas, som ambiente) é bem melhor do que se ele só trouxesse os diálogos dos personagens. Não é à toa que, para os surdos, as legendas incluem o tipo de música que está tocando para tentar ambientar de alguma forma.

E quando nós colocamos os óculos para escutar alguém ou olhamos para o rosto de uma pessoa para entender melhor o que ela está fazendo, estamos associando o sistema sensorial para que o cérebro processe as informações do ambiente e produza resultados certeiros.

Exemplos não faltam

Cada um dos sentidos funciona a partir de áreas diferentes do cérebro. Como são processados em conjunto, todos são recebidos, processados e transmitidos às suas respectivas áreas do córtex cerebral por uma estrutura chamada tálamo.

Exceto o olfato, que vai direto ao córtex olfatório e não passa pelo tálamo. Essa pode até ser uma das razões pelas quais os cheiros estão intimamente relacionados com as nossas memórias, muito mais do que os outros sentidos.

Comer mexendo no celular - iStock - iStock
Imagem: iStock

A produção de um resultado favorável ocorre caso os esforços estejam voltados para uma única atividade. Mais um exemplo: um alimento pode ser muito mais gostoso se for dada a devida atenção e para valorizar a sua aparência, que seria a visão, seu cheiro, que seria o olfato, a sua textura, o tato, e o seu sabor, o paladar.

Se a gente comer com pressa, concentrando os nossos sentidos em outra atividade, como um vídeo no celular, muitas informações não vão ser percebidas e a experiência não vai ser tão agradável.

No caso de muitos fatores de distração, também ocorre de se anular as informações vindas um sentido específico, para que elas não atrapalhem a interpretação das informações dos outros sentidos. O barulho de uma estação de trem lotada pode atrapalhar a sua leitura, a menos que você não se concentre nela para aproveitar mais o livro.

Problemas de saúde

No caso de pessoas com problemas de saúde, desde aqueles comuns, como miopia, presbiopia, até os mais complexos, como perdas auditivas definitivas, os sentidos encontram uma maneira de fazer esse equilíbrio.

Existe um fenômeno, chamado de neuroplasticidade que, quando acontece uma perda, há uma tendência de outras áreas que ainda estão funcionantes ganharam maior projeção cortical (mais neurônios no córtex passam a se ocupar de uma função que era antes exercida por menos neurônios). Contudo, a neuroplasticidade ocorre sobretudo quando o déficit é permanente, como perda da audição, visão etc.

Não é possível dizer que um sentido funcione melhor do que outro para a função que ele foi designado, mas pode-se salientar que, a partir do momento em que um dos sentidos é perdido, possibilita-se uma nova experiência ao corpo para que seja ajustado a fim de promover o reparo e oportunidade de aprender novamente. Não é fascinante?

Fontes: Feres Chaddad, neurocirurgião da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo; Li Li Min, chefe do Departamento de Neurologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Paulo Mei, neurologista clínico e professor da Faculdade São Leopoldo Mandic; e Janaina de Oliveira Brito Monzani, professora adjunta do curso de educação física da UFMA (Universidade Federal do Maranhão).