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Estrogênio, progesterona e mais: qual o papel dos hormônios femininos

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Camila Mazzotto

Colaboração para VivaBem

10/05/2022 04h00

Popularmente conhecida como "hormônio da gravidez", a progesterona é indispensável para que uma gestação se sustente até o final, já que a substância ajuda a manter um ambiente favorável no útero para o desenvolvimento do embrião. Mas o hormônio feminino "por excelência" é outro: o estrogênio.

Isso porque, enquanto o primeiro está intimamente relacionado à reprodução humana, o segundo é o principal responsável pelas características tipicamente "femininas", como seios maiores e quadris mais largos do que os dos homens, explica João Bosco Ramos Borges, coordenador da pós-graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa Sírio-Libanês (SP) e secretário da Sogia (Sociedade Brasileira de Ginecologia da Infância e Adolescência).

Não à toa, o crescimento das mamas e o depósito de gordura em áreas como as nádegas e as coxas na puberdade são alguns dos sinais visíveis de que o organismo de uma menina começou a produzir estrogênio. O hormônio, assim como a progesterona, é sintetizado pelos ovários.

Mas dar contornos ao corpo de uma menina ou de uma mulher trans —a substância também é utilizada com frequência em tratamentos hormonais para transexuais— não é seu único papel.

O estrogênio também está associado a uma série de outras funções no organismo da mulher, desde regularizar o ciclo menstrual a proteger contra doenças cardiovasculares. "Nós temos receptores de estrogênio em quase todo o corpo, então ele atua em diversos tecidos do organismo feminino", explica Fernanda Polisseni, ginecologista e professora do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora).

Entenda abaixo como a dupla estrogênio e progesterona —além de outros hormônios femininos— interfere no corpo da mulher, e por que é importante seguir o que a ciência diz quando há necessidade de reposição hormonal.

Ciclo reprodutivo

Sistema reprodutivo feminino, útero, ovários - iStock - iStock
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Toda mulher nasce com um "estoque" de óvulos dentro dos ovários, as glândulas responsáveis pela produção dos hormônios femininos. Esse número vai diminuindo a cada ciclo menstrual, com início na menarca (a primeira menstruação) e término na menopausa.

O estrogênio atua no desenvolvimento e na liberação de um desses óvulos a cada mês e, por isso, é crucial para o ciclo reprodutivo. Além disso, é ele que faz com que as paredes do útero se tornem mais espessas para receber um óvulo fertilizado —como se criasse um "colchão mais fofinho" para a implantação do embrião, compara Polisseni.

Quando a fertilização não acontece, essa camada de células, chamada endométrio, é eliminada pelo corpo: é daí que vem o sangue da menstruação.

Mas o estrogênio, que também é um dos responsáveis pelo apetite sexual nas mulheres —ao lado da testosterona—, não atua sozinho nesse processo. Produzida na segunda metade do ciclo menstrual, a progesterona ajuda a preparar o corpo para uma possível gestação a cada mês, e diminui quando a menstruação para.

O "hormônio da gravidez" também está ligado à qualidade do sono e é um indicador de fertilidade: mulheres com deficiência de progesterona podem ter dificuldades para engravidar e maior risco de sofrer abortos espontâneos.

Tanto o estrogênio quanto a progesterona têm sua produção controlada por uma mesma região no cérebro, o hipotálamo. Na puberdade, a estrutura começa a liberar um hormônio conhecido pela sigla GnRh (gonadotrofina).

A substância segue até a glândula hipófise, também no cérebro, onde é disparada a produção de outros dois hormônios com papel importante no ciclo menstrual, o LH (luteinizante) e o FSH (folículo-estimulante): são eles os responsáveis por estimular os ovários a fabricarem o estrogênio e a progesterona.

É por isso que a menstruação regular é tida como o melhor sinal clínico de que o eixo hormonal de uma mulher está em pleno funcionamento. "Na presença de alterações do ciclo menstrual, tanto por um excesso de sangue quanto uma ausência, a mulher deve procurar um ginecologista para avaliar o que está acontecendo", recomenda Naura Caldas Coelho Matos, ginecologista da Clínica APNG (Anna Paola Noya Gatto), que atende mulheres na Bahia.

Isso, claro, vale para as mulheres que menstruam —no caso daquelas que, por alguma razão, optaram por interromper o ciclo menstrual, com indicação e acompanhamento médico, a ausência de sangue não é um problema.

Outro sinal de desequilíbrio hormonal é a produção de leite pelas mamas fora do período de amamentação, o que pode indicar anormalidades relacionadas à prolactina, hormônio que estimula a produção de leite no período pós-parto.

A glândula tireoide, localizada no pescoço, também pode desestabilizar o ciclo menstrual, num quadro comumente marcado por cansaço exagerado, ganho ou perda de peso, queda de cabelo e unhas fracas.

"Na mulher, existe uma intercomunicação entre o sistema reprodutivo e várias glândulas, então às vezes uma alteração em uma delas pode comprometer o funcionamento do organismo como um todo", explica Polisseni, da UFJF.

Pós-menopausa

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Estrogênio e progesterona biológicos não são eternos: eles só são produzidos durante a vida reprodutiva da mulher, com níveis caindo no organismo após a última menstruação (a menopausa), que geralmente acontece entre os 45 e 55 anos de idade.

A perda do estrogênio está por trás dos principais impactos que costumam surgir após a menopausa, sobretudo se a menstruação parar antes dos 40 anos —quando ocorre a falência ovariana prematura, popularmente conhecida como "menopausa precoce". Isso inclui, a longo prazo, um aumento de problemas como perda óssea e fraturas, ataques cardíacos e derrame.

Isso porque o hormônio estimula a dilatação dos vasos, facilitando o fluxo sanguíneo; e é um protetor natural dos ossos. "Até a menopausa, o estrogênio atua como um protetor contra doenças cardiovasculares, além de proteger os ossos e o cérebro das mulheres, então eu diria que os homens têm o azar de não ter estrogênio biológico, porque se o tivessem, talvez nós teríamos essa proteção também", explica Borges, que também é diretor do Departamento de Políticas Públicas da SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia).

Com a menopausa, também é comum o aparecimento de ondas de calor, suores noturnos, mau humor, problemas de sono, perda de desejo sexual e secura vaginal. Esses sintomas também podem surgir alguns anos antes da menopausa, durante um período conhecido como perimenopausa —tanto um quanto o outro fazem parte da transição da etapa reprodutiva da mulher para a não reprodutiva.

É por isso que algumas mulheres optam por receber a chamada TRH (terapia de reposição hormonal), que eleva os níveis de estrogênio e ajuda a aliviar os incômodos. Mas a terapia não é uma regra, já que nem todas as mulheres são afetadas por esses sintomas. "É muito importante entender que a terapia não é para a menopausa em si, não é para quando a menstruação acaba: a terapia é para quando os sintomas existem", esclarece Borges.

Se os sintomas estiverem presentes, a TRH é vista como a alternativa mais eficaz disponível para ajudar essas mulheres, apesar dos riscos atrelados a qualquer tratamento. "Embora seja um processo natural [perder o estrogênio], a mulher de hoje vive mais tempo do que a mulher de ontem, então a reposição pode nos ajudar a envelhecer com qualidade de vida, desde que sejam seguidos critérios científicos", diz Matos, ginecologista da Bahia.

A dosagem adequada de estrogênio varia para cada mulher, a depender dos exames e do diagnóstico clínico.

Há também mulheres cuja reposição hormonal não é indicada, como aquelas que já tiveram câncer de mama ou câncer de endométrio, por exemplo. Atualmente, no entanto, existem terapias alternativas para esses casos, como o uso de substâncias sem hormônios que reduzem as ondas de calor.

Além de proteger contra doenças cardiovasculares, hábitos saudáveis como a alimentação saudável e a prática regular de atividades físicas são importantes para manter o equilíbrio hormonal, reduzindo o risco de câncer de mama e câncer de endométrio.

Segundo Borges, mulheres na pós-menopausa que têm poucos sintomas e, portanto, não precisam de reposição hormonal, também podem se beneficiar de práticas como meditação, ioga, tai chi chuan, natação e acupuntura.

'Chip da beleza'? Não caia nessa

Chip beleza, implante hormonal, gestrinona - iStock - iStock
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Os três especialistas consultados pela reportagem alertam que, em nenhum caso, medicamentos ou suplementos hormonais devem ser tomados sem acompanhamento médico. E demonstram preocupação com a popularização do apelidado "chip da beleza", muito propagado por algumas celebridades e até por alguns profissionais de saúde, mas refutado por entidades médicas.

Trata-se de um implante hormonal que, entre outras coisas, promete aumentar a libido, fortalecer músculos e amenizar os sintomas da menopausa. Seu conteúdo principal é a gestrinona, um hormônio sintético com ações anabolizantes que, apesar de ter sido experimentado como opção contra a endometriose nos anos 1970, atualmente já foi substituído por alternativas com menor carga de efeitos colaterais.

Entidades como a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e a SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) já divulgaram notas contraindicando o uso de implantes com gestrinona, seja por finalidade estética ou terapêutica.

"Não há dados sobre a eficácia nem a segurança desses implantes, então os riscos a médio e longo prazo que eles podem trazer para a saúde da mulher podem ser graves", alerta Polisseni. No longo prazo, aponta a médica, o uso desse recurso pode desencadear uma série de problemas, incluindo a sobrecarga do fígado e tipos de câncer hormônio-dependentes.

"O que vai acontecer com essa geração que segue fake news, que está nas academias cheia de músculos artificiais usando todo tipo de androgênio? Qual será a incidência de câncer que essa geração vai ter daqui a 10, 15, 20 anos?", indaga Borges. "Isso é medicina em evidência: daqui a algumas décadas, vamos ter uma grande população para estudar os danos causados por esse uso sem evidência científica."

Os "chips", que só são produzidos em farmácias de manipulação, também não são regulamentados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que proíbe a manipulação, comercialização ou outras atividades envolvendo a gestrinona para uso sob a forma de implante ou finalidade estética.