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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


O coração pode influenciar o cérebro e fabricar e sentir emoções?

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Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

25/04/2022 04h00

Da Antiguidade até a Idade Média, o coração era tido por filósofos, profetas, escritores como um órgão superior ao cérebro. Achavam que ele era responsável por influenciar decisões e fabricar emoções e sentimentos. Somente com o passar dos séculos e as muitas descobertas que a compreensão sobre ele mudou e, na alvorada da Idade Moderna, o cérebro, enfim, ganhou, reconhecimento. Mas aí veio a Idade Contemporânea e com ela os estudos se aperfeiçoaram.

"Hoje, a compreensão da ciência, demonstrada em muitos trabalhos acadêmicos, é de que os dois órgãos (cérebro e coração) trabalham juntos. O cérebro influencia o coração e o coração, apesar de não ser o centro do pensamento, envia estímulos para o cérebro, exercendo grande influência sobre ele", informa Júlio Barbosa Pereira, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião especialista pela UCLA (Universidade da Califórnia, em Los Angeles).

O médico afirma que por isso as recomendações de saúde para cérebro e coração costumam ser as mesmas (não fumar e beber, praticar atividades físicas, manter alimentação saudável) e a origem de algumas doenças compartilhada pelos dois. "Nosso corpo funciona de forma coordenada, um órgão depende do outro. Para se ter ideia, a saúde cardiovascular influencia diretamente no desenvolvimento de Alzheimer, AVC, transtornos de ansiedade, depressão".

Como os dois órgãos interagem

O cérebro envia informações para o coração por meio de uma rede complexa de nervos que se origina nele e se ramifica para o resto do corpo. "As nossas emoções sempre se refletem no sistema cardiovascular. O que mais sentimos são as alterações dos batimentos cardíacos, que em geral sobem, e nós agimos por ação do cérebro tanto de forma racional quanto emotiva", explica André Gasparoto, cardiologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Da parte do coração, além de bombear sangue para os pulmões e o fazer circular pelo corpo para distribuir oxigênio e nutrientes para os tecidos e retirar deles resíduos (como dióxido de carbono), ainda troca "mensagens pessoais" com o cérebro. Isso é feito por meio de alguns caminhos físicos: transferência de impulsos nervosos, hormônios e neurotransmissores, ondas de pressão e por meio de interações de campos eletromagnéticos.

Dessa forma, é como se o coração pudesse levar para o cérebro —que o "escutaria" atentamente— o que "pensa" e o que "sente" no dia a dia, acionando ou inibindo nesse ouvinte diversas áreas, decidindo com ele o que é melhor para si e para o organismo como um todo. Quando o cérebro responde positivamente, o coração então retribui, por exemplo, em buscar equilíbrio emocional com a produção de hormônios do bem-estar, como a oxitocina.

Por dentro da "mente" do coração

Na linguagem popular, "pensar com o coração" significa, em grande parte pelo que é difundido por religiões, filmes e livros românticos, guiar-se pelas emoções, intuição, sem considerar muito a racionalidade e os riscos envolvidos. Mas, como já adiantado, de fato o coração "pensa" junto com o cérebro e isso por meio de um "minicérebro" próprio, o sistema nervoso intracardíaco, que cuida de suas diferentes funções de forma autônoma.

Dentro dele, cientistas descobriram e até mapearam recentemente em 3D uma complexa e extensa rede de neurônios, informa Pereira. Num artigo sobre o feito, até então inédito, e publicado em 2020 na iScience, são descritos detalhes, como os de que o coração conta com neurotransmissores, gânglios, proteínas e células de suporte. Por meio de memórias celulares de curto e longo prazo, seria capaz até de registrar experiências e "aprender" por meio delas.

Assim, sugere-se também que o coração desempenha papel na formação da consciência humana, e há quem diga que envia até mais informações ao cérebro do que o cérebro a ele. Similar a um código Morse, a frequência cardíaca tem relação direta com nossa percepção de mundo, repercutindo em nossos sentimentos e estado emocional. A percepção de uma pessoa a interferências externas, portanto, não está apenas ligada ao sistema nervoso (cérebro).

Quando emoções são sentidas no peito

Ansiedade, estresse, depressão podem cursar com várias alterações no organismo, doenças psicossomáticas e, no coração, desestabilizá-lo com: palpitações, dores, elevação da pressão arterial. Tudo isso, de forma constante, favorece hipertensão, arritmia e muitos outros distúrbios. Gasparoto adverte que dores no peito por mais de 20 minutos, e especialmente associadas a outros sintomas, requerem busca por assistência médica em caráter de urgência.

Por isso, a importância de se obter também inteligência emocional. "Para não ser sempre guiado pelas emoções, que acabam dispersadas para o próprio sujeito e para o mundo. Sem falar nos conflitos entre emoção e razão e que devem ser super balanceados, para não se agir por impulso ou com extrema racionalidade, daí a ideia do 'coração de pedra'", explica Yuri Busin, psicólogo pós-graduado pela PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e doutor em neurociência do comportamento.

O psicólogo afirma que não sendo recorrentes e exacerbadas, as manifestações corporais das emoções são comuns, esperadas, quando em um momento de profunda decepção, forte susto, paixão intensa. Mas até para se precaver desses efeitos, de novo, vale desenvolver capacidades cognitivas com suporte de profissionais. Assim, nos conhecemos melhor, modificamos comportamentos e podemos nos treinar para antever reações e respostas.