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Libido: o que a ciência sabe (e ainda não sabe) sobre o desejo sexual

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Camila Mazzotto

Colaboração para VivaBem

23/03/2022 04h00

Imagine que a libido é uma engrenagem complexa. No centro, há duas peças-chave: testosterona e estrogênio. São esses os hormônios que excitam o corpo dos homens e das mulheres, respectivamente, para o sexo. Na falta deles, é de se esperar que o "maquinário" não vá funcionar direito. Mas não se engane: nem a testosterona nem o estrogênio são capazes de girar essa engrenagem —ou o apetite sexual— sozinhos.

A metáfora é usada pelo médico urologista Bruno Nascimento para falar sobre desejo sexual com seus pacientes. E com razão: "A libido é um dos domínios sexuais mais complexos, porque recebe influência de absolutamente todas as esferas da vida", resume o membro do departamento de medicina sexual e andrologia do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e do Centro de Medicina Sexual do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

De doenças crônicas a problemas de relacionamento, a lista de motivos que podem baixar a bola da libido vai muito além de uma dupla de hormônios. E é por isso que os caminhos para recuperar o desejo pelo sexo —ou para entender seu comportamento— podem ser menos óbvios do que parecem.

As outras peças da engrenagem

Libido baixa, sem libido - iStock - iStock
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Especialistas em medicina sexual ouvidos por VivaBem são unânimes em defender que é preciso ter um olhar crítico e interdisciplinar para entender por que uma pessoa pode estar com baixa de libido. Não sem motivo: há uma série de doenças, como o hipotireodismo (caracterizada pela baixa produção de hormônio da tireoide) e o diabetes, que podem afetar o desejo sexual.

Essas condições fazem com que algumas mulheres apresentem menor lubrificação vaginal, o que pode resultar em dor durante o sexo e, consequentemente, reduzir o desejo de transar. Nos homens, o diabetes descontrolado também pode levar à disfunção sexual, afetando o ânimo para a relação.

Mas fatores psicológicos também devem ser levados em conta. Estudo realizado recentemente entre profissionais do HC-FMUSP dá uma ideia do quanto o estresse, por exemplo, pode influenciar o nosso desejo sexual. De um universo de 1.300 profissionais de saúde do hospital, cerca de 45% relataram uma piora na qualidade de vida sexual durante a pandemia, incluindo a queda de libido.

Os resultados do levantamento foram atribuídos principalmente aos altos níveis de estresse e ansiedade vivenciados em meio à maior crise sanitária do século 21, uma vez que a redução do apetite sexual é um dos efeitos da produção elevada de cortisol —conhecido como o "hormônio do estresse".

Depressão e ansiedade são problemas igualmente relevantes quando o assunto é perda de desejo sexual. "Isso porque a depressão tira o desejo de tudo, não só de sexo. Não há vontade de sair da cama, de trabalhar, de se relacionar, então a pessoa também não está com a libido preservada", observa Carmita Abdo, fundadora e coordenadora do Prosex (Programa de Estudos em Sexualidade) do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP.

Nos homens, é muito comum que a raiz para a perda da vontade de transar esteja, na verdade, em alguma outra disfunção sexual —como a ejaculação precoce ou a ejaculação retardada.

casal triste; crise casamento; relacionamento - iStock - iStock
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"O homem com disfunção geralmente fica pensando se vai ou não haver ereção e se a parceira(o) será decepcionada(o), o que pode transformar o sexo em um momento de provação e não de prazer, impactando a libido", explica o urologista Nascimento, que também é secretário geral da Abemss (Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual).

E não são só as disfunções sexuais que podem reduzir a qualidade sexual, levando ao desinteresse pelo ato. Não raro, o problema pode estar, literalmente, na relação entre os pares. "É importante lembrar que o sexo não é somente penetração. A relação sexual é ampla e é resultado de como o casal lida no dia a dia. Como eles vão sentir libido se se tratam mal o tempo todo, por exemplo?", observa Vilma Maria da Silva, perita do Departamento de Qualidade de Vida da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), em que atua no Programa de Saúde Sexual e Reprodutiva.

Estar emocionalmente bem e com a intimidade a dois em dia pode ser especialmente significativo para a libido feminino. Isso porque os estímulos que instigam o pensamento sexual em cada gênero são diferentes: enquanto homens tendem a ser mais movidos por imagens e estímulos visuais, mulheres apresentam maior resposta a sensações táteis e circunstanciais.

"A mulher pode se sentir altamente excitada por uma pessoa que ela vê, mas vai depender das circunstâncias para aquele desejo se manter a ponto de levar ao prazer no ato sexual. Ou seja, a libido pode estar muito mais comprometida para mulheres do que para homens quando as circunstâncias financeiras, de saúde, filhos e profissão, por exemplo, estão em jogo", explica Abdo, uma das principais referências sobre medicina sexual no Brasil.

"Também é circunstancial no sentido de que ela vai ter mais prazer ou menos prazer no ato dependendo do quanto esse contato trouxer aproximação não só no plano sexual, mas também no plano da intimidade."

Desconforto ao ficar nu, traumas sexuais, medicamentos (como alguns antidepressivos e remédios contra a hipertensão) e dificuldades de comunicar ao outro suas preferências na hora de fazer sexo também são questões que merecem atenção para além do nível de testosterona e estrogênio no sangue, de acordo com os especialistas.

Vale lembrar ainda que, durante a transição da menopausa, os efeitos físicos da queda abrupta nos níveis de estrogênio —como suor noturno e secura vaginal— podem atrapalhar a motivação sexual nas mulheres. A queda de testosterona é mais gradativa e branda nos homens, embora também possa levar à redução da libido.

Como "consertar" a queda na libido - e quando ela não deve gerar preocupação

Mas nem tudo está perdido: atualmente, a medicina apresenta uma série de caminhos para ajudar a estimular a vontade de transar. No caso de homens e mulheres que apresentam níveis baixos de testosterona e estrogênio, o que só é diagnosticado por meio de exames, a reposição hormonal pode ser indicada pelo médico. Lubrificantes íntimos e tratamentos a laser também podem ajudar a garantir a saúde da mucosa vaginal, reduzindo o desconforto.

Se o problema é psicológico, terapias individuais ou de casal podem ser a solução. Manter uma alimentação saudável e equilibrada —mais do que consumir alimentos supostamente "afrodisíacos"—, bem como fazer atividade física regularmente, também é essencial para estar saudável e, consequentemente, com a libido em cima.

Uma abordagem multiprofissional, com a cooperação de ginecologistas, urologistas e psiquiatras, é indicada às pessoas diagnosticadas com desejo sexual hipoativo: quando a falta de libido persiste por, no mínimo, seis meses.

No entanto, é preciso lembrar que há fases da vida em que a vontade de ter sexo tende a oscilar para baixo e isso não é necessariamente uma "bandeira vermelha" para um problema de saúde. É o caso da gravidez e do período pós-parto, por exemplo, em que as mudanças hormonais, corporais e a exaustão materna podem desfavorecer a libido.

Nem sempre a falta de desejo sexual precisa ser problematizada. "Cada pessoa tem que ser respeitada no seu momento. Há muito sofrimento entre mulheres que ficaram viúvas ou estão solteiras, por exemplo, e que se sentem bem estando assim, mas são pressionadas a sempre desejar ter sexo com alguém. Muitas me perguntam se ficarão doentes caso não tenham sexo e eu digo que irão ficar doentes se procurarem alguém por pura obrigação. É uma agressão ficar se cobrando para ter algo que, no momento, você não quer ter", diz Silva, da UFRP, lembrando que também é possível obter prazer pela masturbação.

Lubrificante vaginal, secura, menopausa - iStock - iStock
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Segundo os especialistas, a falta de desejo sexual só deve ser vista como um problema quando causa incômodo e sofrimento.

Em 2003, a psiquiatra Abdo coordenou o maior estudo sobre sexualidade no Brasil, com 7.000 participantes envolvidos e, dentre outras coisas, descobriu que 7,7% das mulheres e 2,5% dos homens no país, entre 18 e 80 anos, não têm desejo sexual, mas não estão preocupados com isso.

Não significa que essas pessoas, conhecidas como assexuais, não tenham libido, explica a especialista. Isso porque, na visão de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, a libido é um termo mais amplo para se referir à energia que dá disposição ao ser humano para buscar prazer na vida, não exclusivamente sexual.

"Se eu não entender que a libido é uma força vital, que ela pode estar dirigida para uma causa, uma profissão, uma missão, um projeto, eu vou achar que a pessoa não tem libido. Como é que ela não tem libido? Se não tivesse, não conseguiria se manter viva", diz Abdo.

No outro extremo, sentir desejo sexual em excesso pode ser, sim, um problema. Trata-se da compulsão sexual, um comportamento doentio excessivamente voltado para o sexo, a ponto de tirar o foco de outras atividades e prejudicar a vida social e profissional —por isso, requer tratamento.

Uma peça solta

Mas a ciência ainda não sabe tudo sobre a libido. Há casos emblemáticos de mulheres que, embora não tenham nenhum problema de saúde física, psiquiátrica ou emocional, nunca sentiram desejo sexual na vida, mas gostariam de senti-lo.

Alguns remédios podem ajudar a estimular a vontade. No entanto, fazer "brotar" esse apetite de forma espontânea permanece um desafio.

"É uma falta de desejo primária que não tem base em nenhum tipo de causa acessível à nossa pesquisa e, por isso, é algo que a gente ainda está devendo para as mulheres", diz Abdo.