Evolução humana: nosso corpo está mudando? O que já se sabe até agora

Na natureza, nada é estático, tudo evolui, e com os seres humanos não seria diferente. Ao longo de milênios, nos tornamos bem diferentes de nossos ancestrais pré-históricos em termos morfológicos, desenvolvimentais, fisiológicos, comportamentais, e isso não só nos colocou em outro patamar dentro da superfamília Hominidae, da qual também fazem parte gorilas e chimpanzés, como traçou nosso destino como espécie dominante, neste planeta.

Em teoria, deixamos as árvores para caminhar em solo e depois adquirimos a habilidade de ficar em pé e eretos. Nossas pernas alongaram, nossos braços diminuíram e, com o tempo e as descobertas (do fogo, da agricultura e da fabricação de ferramentas), nosso cérebro também evoluiu e demos um salto em aprendizagem e comunicação.

Passamos a dialogar, domesticar animais, nos organizar em sociedade, cruzar oceanos e hoje estamos até explorando o espaço.

Mas e daqui para frente, o que será de nossa espécie? O que a ciência tem descoberto e os médicos, em diferentes áreas, dizem a respeito? Será que estamos caminhando para uma versão muito —ou totalmente— diferente da atual? Quais fatores parecem se somar à seleção natural para impulsionar mudanças e determinados genes e tirar outros de cena? Uma coisa, ao menos, é certa: da mesma forma que alcançamos o topo, também podemos deixá-lo.

Mais altos e mais encurvados?

Quando comparada à estatura média de hominídeos extintos, a dos humanos modernos é mais elevada e sugere seguir nesse ritmo, de acordo com uma pesquisa publicada em 2016 na revista científica eLife.

Na Europa, que lidera esse ranking, a altura média da população holandesa deu um salto de 19 centímetros em um século. Na Ásia, o crescimento foi de 16 e 20 cm, respectivamente para Irã e Coreia do Sul. Já os brasileiros estariam 8,6 cm mais altos.

"Diversos estudos pelo mundo têm demonstrado isso e parece ter relação direta com o tipo de alimentação. Houve um aumento na oferta de proteínas e estamos crescendo em condições de vida mais favoráveis", informa Alexandre Stivanin, ortopedista especialista em cirurgia de joelho pela SBCJ (Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho) e do Hospital Samaritano (SP). Os altos viveriam mais, mas seriam suscetíveis a problemas articulares e certos tipos de câncer.

Quanto aos mais baixos, não significa que desaparecerão. Embora a genética tenha um papel importante, ela não atua sozinha. Em períodos de piora de vida (guerras, escassez, doenças), as pessoas não se desenvolvem plenamente, por isso a condição ambiental pode mutar células que serão transmitidas.

O nosso progresso tem várias faces. "Estamos tendo ainda diminuição da parte musculoesquelética e alterações posturais. Fomos encurvando", acrescenta Stivanin.

Tecnologia e sedentarismo influenciariam

Em um artigo publicado em 2018 na revista científica Scientific Reports, pesquisadores da Oceania afirmam ter notado em 40% dos jovens que investigaram crescimentos ósseos na parte de trás da cabeça, sendo alguns de até 3 cm e com possibilidade de aumentar. Segundo eles, essa anomalia extremamente rara nas décadas anteriores, pode sugerir que nosso físico esteja se adaptando a esforços mecânicos, como pelo uso constante de dispositivos móveis.

Sobre a digitação, ainda é cedo para avaliar a influência, mas sabe-se que, em excesso, pode deixar as articulações hipermóveis e os dedos deformados. Já o esforço para ver telas pode provocar até 2050 problemas de visão em metade da população mundial, alerta a Academia Americana de Oftalmologia.

"Há um aumento atual no número de míopes e de pacientes com altos erros de refração", aponta Leonardo Marcolino, oftalmologista do Hospital Cema (SP).

Horas de interação virtual podem cursar com ausência de atividades físicas e ganho de peso, fatores para um esqueleto mais frágil e cotovelos encolhidos, cogitaram em estudo de 2019 acadêmicos da Universidade de Potsdam, na Alemanha.

Surgimos como seres migratórios e a falta de longas caminhadas descalças em terra durante nossa rotina moderna também parece ter feito com que, nos últimos séculos, nossos pés tenham alongado, enfraquecido e achatado.

Cérebro cada vez mais complexo

No crânio, as transformações pelas quais passamos —e temos passado— também não são poucas. Depois que nos tornamos agrícolas e adotamos a mastigação de alimentos mais moles, nossas mandíbulas diminuíram, assim como nossos dentes, em especial os incisivos e caninos, facilitando nosso falar, principalmente a pronúncia dos sons de "f" e "v". Mas a desvantagem é que nossa mordida agora tem mais probabilidade de desalinhar e entortar por falta de espaço.

Um estudo australiano de 2020 publicado no periódico científico Journal of Anatomy, também constatou que como resultado de uma "evolução rápida", alguns estão nascendo sem os sisos e, em um século, apresentando um, até então pouco frequente, vaso sanguíneo adicional no antebraço. A chamada artéria mediana segue o nervo mediano, que conecta o cérebro aos antebraços e às mãos, e até 2100, cogitam os autores, pode se tornar padrão na espécie.

E por citar o cérebro, hoje três vezes maior do que o dos nossos precursores, mudanças também estão ocorrendo, mas será que nos tornaremos iguais a alienígenas?

"É esperado que a complexidade do órgão aumente e se o formato da cabeça seguirá isso, ou não, será um detalhe, pois tamanho não significa muito. Também veremos cada vez mais novas e raras doenças mentais e demenciais, seguindo a alta da expectativa de vida. Estamos ultrapassando todos os limites", finaliza Júlio Pereira, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião com especialização pela UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles).