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Sexto sentido: ciência não explica, então o que estaria por trás?

Cena do filme "Premonição". No longa, um adolescente tem uma premonição de que o avião em que está vai explodir e escapa do acidente - Reprodução
Cena do filme "Premonição". No longa, um adolescente tem uma premonição de que o avião em que está vai explodir e escapa do acidente Imagem: Reprodução

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

16/12/2021 04h00

Resumo da notícia

  • A ciência não reconhece esses fenômenos, que podem ser simples respostas do emocional
  • Instinto de sobrevivência e contato íntimo também nos fariam antever algumas situações
  • O cérebro humano cruza informações para explicar o mundo, mas às vezes se confunde

Você desejou tanto conhecer tal lugar e bem no dia de viajar acordou com um sentimento estranho e resolveu não ir. Horas depois, recebeu a notícia de que seu grupo de excursão se acidentou. Ou então, sem envolver tragédia, quantas vezes não pensou em alguém, que pode até estar em outro país, e logo depois recebeu uma mensagem dessa pessoa? E quem nunca, em uma conversa, adivinhou exatamente em detalhes a fala seguinte do interlocutor?

Situações dessas, conhecidas, em ordem, como premonição e transmissão de pensamento, ou telepatia, embora bastante relatadas, ainda não são totalmente compreendidas pela ciência, que não reconhece a existência de um "sexto sentido". Especialistas consultados por VivaBem defendem que não temos percepções extrassensoriais, ou seja, habilidades além das inerentes aos nossos órgãos sensoriais para adivinhar ou antever futuro e ideias alheias.

Esse campo de investigação, continuam, pertence mais à parapsicologia, uma "pseudociência" que acredita em indivíduos "sensitivos", talvez até influenciados por forças sobrenaturais. Se alguns teriam o "dom" ou "poder" direcionado para os fenômenos citados, existiram outros capazes de revelar e acertar fatos íntimos e distantes dos quais sequer participaram. Ou ter sensibilidades "energéticas" e informações privilegiadas pelo contato com objetos e pessoas.

Explicações para essas sensações

Os céticos concordam que não faltam hipóteses "pés no chão" para essas anormalidades. Já pensou que poderiam ser apenas coincidências, o que muitos chamam de "sorte" ou "azar"? Sim, pois é extremamente raro sentir, prever e acertar algo, sem ter nenhuma pista —ou achar que não tem. Além disso, passamos o tempo todo julgando, interpretando, fazendo previsões, mesmo sem perceber, então, ao acertarmos algo, a tendência natural é nos superestimarmos.

A mente humana também é muito sugestionável, ainda mais quando se tem muito medo de alguma coisa, como pegar avião, passar por uma cirurgia, se apresentar para um auditório lotado. Por isso, quanto aos pressentimentos, podem ser decorrentes de imaginação fértil, pesadelos, excesso de conhecimentos negativos, constantes avaliações de risco e podem se somar e potencializar angústias: ansiedade, estresse, remorso, transtornos de personalidade.

Estímulos externos tidos como "supersticiosos" (frio repentino, barulhos fortes, cheiros ruins) e que desencadeiam reações corpóreas desconfortáveis, a exemplo de calafrios, sustos, enjoos, também nos influenciam. "Reconhecemos o que são, mas distorcemos ao igualar algo passado com o presente", explica Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria).

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Sensações podem ser meras coincidências, intuições de sobrevivência ou até mesmo déjà-vus
Imagem: Thinkstock

Instinto de sobrevivência existe

Esperar e ter certeza de que algo acontecerá —e principalmente dará errado— também tem a ver com nossos impulsos de sobrevivência que ajudam a não nos expormos a situações de perigo, ou antinaturais, e ainda com o que aprendemos culturalmente. Nesse sentido, pode haver uma intuição a respeito de querer se evitar, fugir ou livrar a pele de quem queremos bem de lugares mal frequentados, ermos e escuros, selvagens, muito elevados ou profundos etc.

Júlio Barbosa Pereira, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião com especialização pela UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), informa que humanos que passam muito tempo juntos também aprendem a antever uns aos outros, sobretudo quando são afetivamente próximos. A premonição então seria a capacidade de se visualizar reações e enrascadas a que esses entes estão propensos e os riscos de elas ocorrerem.

O excesso de convivência, continua Pereira, ainda poderia resolver o mistério da telepatia, considerada por ele uma percepção de linguagem não verbal. "Existem diversas formas de comunicação, que em nós é muito complexa. Casais que convivem há décadas ou mesmo pais e filhos conseguem se reconhecer e decifrar pensamentos só de se olharem. Pesquisas em neurociência mostram isso e que os modos de raciocinar se interferem e se moldam".

Memória também prega peças

O cérebro cruza dados novos com antigos e estabelece padrões para nos ajudar a significar o mundo à nossa volta. Nesse processo, registros esquecidos cujos contextos são similares ao do momento presente podem voltar à tona e dar à pessoa a impressão de que teve uma visão premonitória, como que por auxílio de um canal de informação desconhecido, e até convencê-la de que é "especial". Agora, se desconfiar que já viveu aquilo, o fenômeno é mais um déjà-vu.

"Carl Jung [psiquiatra suíço fundador da psicologia analítica] atrelava o 'sexto sentido' a uma sabedoria interna. Porém, embora intuições sejam importantes para nossas vidas, elas são respostas emocionais rápidas que podem estar equivocadas e validar crenças que, muitas vezes, estão erradas, retroalimentando ações disfuncionais", opina Leide Batista, psicóloga pela Faculdade Castro Alves e com experiência pelo HC (Hospital da Cidade), em Salvador (BA).

Por fim, para Scocca, antecipar o futuro só seria possível a partir do desenvolvimento de nossas capacidades cognitivas, por meio da terapia cognitivo-comportamental e com suporte de profissionais. "Dessa forma, nos conhecemos melhor, modificamos comportamentos e podemos nos treinar para prever respostas, à medida que aprendemos a identificar em nós mesmos pensamentos e sentimentos que nos fazem tomar atitudes prejudiciais em espiral".