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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Botox, neuroestimulação: veja tratamentos menos conhecidos para enxaqueca

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Imagem: iStock

Renata Turbiani

Colaboração para VivaBem

01/11/2021 04h00

Estima-se que 15% da população brasileira sofra com enxaqueca, algo em torno de 31,8 milhões de pessoas, a maioria na faixa dos 25 aos 45 anos. Altamente prevalente, o problema é considerado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como um dos 10 mais incapacitantes do mundo.

Marcelo Ciciarelli, coordenador do Departamento Científico de Cefaleia da ABN (Academia Brasileira de Neurologia), explica que a enxaqueca é uma doença neurológica caracterizada por dor de cabeça de intensidade moderada a forte em apenas um lado da cabeça, normalmente pulsátil, com duração de quatro a 72 horas.

"Ela pode surgir eventualmente ou ser crônica, que é quando os episódios ocorrem por 15 dias ou mais durante três meses. A dor costuma piorar com movimentos e exposição à luz, barulho e cheiros. Por isso, a maioria das pessoas, durante as crises, procura ficar em repouso e em locais escuros e silenciosos", diz o médico.

As causas da enfermidade ainda não são totalmente conhecidas. O que se sabe até agora é que os portadores apresentam um desequilíbrio bioquímico cerebral provocado por predisposição genética e, às vezes, desencadeado por fatores ambientais e comportamentais.

"As pessoas que sofrem de enxaqueca têm um cérebro hipersensível. Nelas, ocorre uma maior estimulação do nervo trigêmeo e liberação em excesso de peptídeos que vão causar inflamação e dilatação dos vasos, tanto das meninges quanto do couro cabeludo", comenta Ciciarelli.

Apesar do principal sintoma da enxaqueca ser a dor de cabeça, também podem ocorrer enjoo, vômito, tontura, formigamento, diarreia e alterações na visão e na fala. O tratamento usual é feito principalmente com o uso de medicamentos como betabloqueadores, antidepressivos, antiepilépticos e analgésicos, além de mudanças no estilo de vida.

Mas existem algumas terapias menos convencionais e não tão conhecidas que também são indicadas para evitar e amenizar as crises. Mas atenção: elas precisam de prescrição e supervisão médica e, no geral, são voltadas para quem não teve resultados com os fármacos mais tradicionais ou não pode fazer uso deles. Confira algumas delas:

  • Toxina botulínica

Muito utilizada na dermatologia para rejuvenescimento, a toxina botulínica (botox) foi aprovada no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para o tratamento de enxaqueca crônica em adultos em 2011.

"Ela costuma ser bastante eficaz e quase não provoca efeitos adversos. Apenas 10% dos pacientes dizem sentir um pouco de dor ou sensibilidade no local das aplicações", explica Pablo Lorenzon, neurologista do HULW (Hospital Universitário Lauro Wanderley) da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e vinculado à Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

Segundo o médico, a substância age bloqueando a comunicação entre nervos e músculos. "Por conta desse mecanismo, ela também acaba gerando uma espécie de boqueio na transmissão de estímulos sensíveis ao cérebro, diminuindo a percepção de dor", diz.

Neste tratamento, são feitas aplicações em 31 pontos ao redor da cabeça, nas regiões frontal (testa) e occipital (posterior), na nuca e no trapézio (ombros). As sessões são realizadas, em média, a cada três meses, por no mínimo um ano —quando a pessoa entra em remissão, é possível espaçar um pouco mais ou até suspender o uso.

É importante salientar que as injeções devem ser administradas apenas por um neurologista especializado e são contraindicadas em gestantes e em quem tem doenças musculares.

  • Neuroestimulação

Ilustração mostra localização do nervo trigêmeo - iStock - iStock
Ilustração mostra localização do nervo trigêmeo
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A neuroestimulação é uma técnica não farmacológica e não invasiva que pode ser empregada tanto de forma preventiva quanto durante uma crise aguda de enxaqueca. Existem alguns tipos, mas, no Brasil, por enquanto somente um é autorizado pela Anvisa para essa doença específica. Trata-se da neuroestimulação superficial elétrica, feita com o uso domiciliar de um dispositivo parecido com uma tiara colocado na testa.

"O equipamento emite pulsos elétricos que estimulam o nervo supraorbitário, uma das terminações do trigêmeo. Isso vai fazer com que ocorra o aumento do limiar de dor, ou seja, da resistência do paciente à dor, e a redução da quantidade e da intensidade das crises", diz Ciciarelli.

No caso do tratamento preventivo, o uso é diário. Já no da crise aguda, é na hora que surge a sensação dolorosa. Nas duas situações, no entanto, a aplicação é feita por 20 minutos e a intensidade deve ser regulada de acordo com as indicações do médico e do fabricante.

Lorenzon afirma ainda que a terapia não tem contraindicação e pode ser aplicada, inclusive, em gestantes e idosos "Um ponto negativo é o valor do aparelho, por volta de R$ 1 mil. E ainda é preciso fazer a trocar do eletrodo com frequência", pondera.

Outra modalidade já bastante conhecida no país é a EMT (estimulação magnética transcraniana). O neurologista afirma que ela permite a indução de um campo magnético no cérebro para produzir mudanças nos neurocircuitos do órgão.

"Ela faz a estimulação do córtex occipital, onde, muitas vezes, se iniciam as crises. Os pulsos emitidos desativam os neurônios da região e, com isso, se consegue reduzir bastante a frequência e a intensidade da dor."

Embora a técnica ainda não seja liberada para o tratamento da enxaqueca, existem diversos estudos sendo realizados e com resultados animadores. Então é possível que, em breve, existam novidades nessa área.

  • Anticorpos monoclonais

Autorizados para uso no Brasil em 2019, os anticorpos monoclonais são o que há de mais moderno para o tratamento da enxaqueca crônica. Apesar disso, ainda não são conhecidos por muitas pessoas que sofrem com o problema.

Segundo Alexandre Souza Bossoni, doutorando em neurociências na FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e neurologista do Hospital Santa Paula (SP), esses fármacos foram desenvolvidos especificamente para bloquear o peptídeo relacionado aos genes de calcitonina (CGRP), responsável por desencadear crises, ou seus receptores.

"Sabemos que os pacientes que sofrem de enxaqueca têm níveis mais altos dessas substâncias e a função dos medicamentos é justamente fazer com que elas baixem", relata Bossoni.

Por enquanto, três anticorpos monoclonais estão disponíveis no país: erenumabe, galcanezumabe e fremanezumabe. Todos são de aplicação subcutânea, por injeção ou caneta como a da insulina, que podem ser feitas em casa. O uso é mensal e a duração do tratamento será determinada pelo médico.

Uma quarta opção deve chegar em breve ao país, o eptinezumabe. Mas, neste caso, a sua administração se dará por infusão na veia, realizada em clínica ou hospital, a cada três meses.

"É uma terapia bem interessante, eficiente e segura. Os poucos efeitos colaterais observados são dor e vermelhidão no local da aplicação e a contraindicação é para pessoas que tenham alergia a algum dos componentes presentes na fórmula", diz Bossoni.

Outros tratamentos, mas um tanto controversos

Há alguns anos, também tem sido proposto no Brasil outro tratamento para enxaqueca: a cirurgia, cujo objetivo é descomprimir e liberar os ramos dos nervos trigêmeo e occipital envolvidos nos pontos de dor.

Realizada por cirurgiões plásticos, ela, no entanto, não é recomendada pelos profissionais consultados por VivaBem e nem pelas entidades que eles representam, assim como a SBCe (Sociedade Brasileira de Cefaleia). Segundo eles, trata-se de um procedimento invasivo e sem comprovação científica.

"É uma operação altamente questionável", afirma Alexandre Souza Bossoni. "Hoje, dispomos de meios mais eficazes e menos agressivos para controlar a enxaqueca", complementa Ciciarelli, da ABN.

Outra opção que é considerada para combater a doença é o uso de nutracêuticos (complexos vitamínicos), em especial a riboflavina (vitamina B2) e a coenzima Q10. Mas, apesar de serem naturais, o uso requer cuidados e não é unanimidade entre a comunidade médica.

"Esses medicamentos são úteis para ajudar a reduzir o excesso de atividade neuronal, que é o que provoca a enxaqueca. Mas só devem ser tomados com prescrição e orientação médica", avalia o neurologista Pablo Lorenzon.

Já Bossoni afirma que as evidências científicas sobre a eficácia ou não dessas substâncias para prevenir ou amenizar crises ainda não são claras. "Acredito que uma alimentação saudável e equilibrada seja mais eficiente."