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Luto é um processo não linear, individual e que precisa ser naturalizado

Lia Rizzo

Colaboração para VivaBem

20/10/2021 04h00

Nunca antes na história vivenciamos tantas situações de luto, individual ou coletivamente, como ao longo da pandemia. Por isso, a programação da 2ª Semana de Saúde Mental realizada por VivaBem na última semana contou com um painel dedicado à reflexão em torno deste sentimento.

Com mediação da jornalista Cynthia de Almeida, fundadora do site "Vamos falar sobre luto?", a conversa teve participação da psicóloga Maria Helena Franco, coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre Luto da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), e do cantor e compositor Projota.

Conforme disse Mariana Ferrão, jornalista e CEO da Soul.me, que foi a apresentadora do evento, vivenciar e elaborar o luto é necessário —um processo, porém, que foi impossibilitado para muitos em função das exigências que a covid-19 impôs.

A maior crise sanitária do século parece ter conferido novas definições aos conceitos de terminalidade e despedida. Entre as questões abordadas, a dificuldade que temos em interagir com pessoas enlutadas e o desconhecimento sobre as fases do processo de superação.

Cynthia de Almeida, jornalista - Mariana Pekin/UOL - Mariana Pekin/UOL
Cynthia de Almeida foi a mediadora do painel sobre luto
Imagem: Mariana Pekin/UOL

Presença, no lugar das palavras

Depois de perder a mãe aos oito anos, Projota foi criado pela avó, dona Lourdes, que recentemente morreu. "O que fez diferença em cada uma dessas situações foi a presença e o acolhimento. No passado, com a minha avó nos apoiando. E agora, com a minha esposa e meu irmão, pessoas com quem sempre posso conversar sobre o assunto", disse o cantor.

Maria Helena Franco destacou que a primeira atitude para acolher alguém enlutado deve ser justamente oferecer presença. "Não há chance de ensaio numa situação dessas, para pensarmos em qual a palavra mais adequada a se dizer", explica a psicóloga.

E a pessoa não precisa que lhe digam para fazer isso ou aquilo. O que ela precisa sentir é que há alguém com ela, genuinamente. Pois neste momento não são palavras que abrem um canal de comunicação, mas a disposição em ouvir e estar próximo. Maria Helena Franco

Um processo não linear

Outro aspecto lembrado por Maria Helena é o fato de o caminho de superação não ser linear. "Haverá momentos, datas marcantes, que podem abater aqueles que parecem estar vivendo uma fase melhor em relação a uma perda. E é preciso validar que em alguns dias a pessoa estará bem e em outros irá preferir ficar quieta em seu canto", exemplificou.

Comparando os dois processos que viveu, Projota identificou que na infância os efeitos da perda da mãe não eram constantes e imediatos. "Como era pequeno, às vezes estava até feliz. Mas lembrava dela, de repente, no meio do jogo de videogame", disse.

Ao se despedir da avó, há alguns meses, encontrou forças na convivência com a filha pequena. Mas sentia a tristeza bater em momentos cotidianos que costumava compartilhar com dona Lourdes, como os vídeos que mandava para mostrar o desenvolvimento da criança e matar a saudade, já que a pandemia impedia a convivência mais próxima.

Despedida une quem ficou

Embora traga sofrimento, em algumas situações, a despedida proporciona a união de quem ficou, como foi o caso da família de Projota. Quando a mãe entrou em estado vegetativo após um AVC —situação em que permaneceu por pouco mais de um ano— o vínculo com o irmão ficou mais forte e assim é até hoje.

"Entendo que, atualmente, nesta circunstância em que tenho uma compreensão maior de que a despedida faz parte da vida sobretudo pelo fato de minha avó estar com 88 anos quando faleceu, a família unida ajuda a seguir em frente", contou.

O relato do cantor traz um outro ponto pouco falado, como lembrou Cynthia de Almeida: o chamado luto antecipatório, que é quando alguém apresenta um estado irreversível que levará ao falecimento e os entes começam a lidar com essa perspectiva de forma mais real.

"O luto antecipatório não olha só para a morte quando ela vem. É um processo que vai acontecendo a partir da constatação de que a concretude da despedida é uma questão de tempo", explicou Maria Helena. A psicóloga ressaltou ainda que pode ser classificado como antecipatória, a compreensão, por exemplo, de que pessoas mais idosas estão mais propensas a partir com brevidade. E mesmo nessas situações, em que lidar com uma morte muito dolorosa é algo "mais natural", o apoio de pessoas próximas fará toda a diferença.

Saúde mental em foco

A 2ª Semana da Saúde Mental VivaBem tem como objetivo estimular que as pessoas falem abertamente sobre transtornos mentais, pois esse é o primeiro passo para tratar esses problemas e trilhar o caminho do equilíbrio. Ela começou no último dia 14 de outubro, com um evento ao vivo, que debateu em 5 painéis temas como o impacto da pandemia na saúde mental do brasileiro, luto, depressão, ansiedade, saúde mental dos jovens e como o preconceito aumenta o risco de transtornos.

O evento pode ser assistido na íntegra aqui. A 2ª Semana da Saúde Mental VivaBem tem o patrocínio de Libbs Farmacêutica.