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Aos 65 anos e com 50 de diabetes, Heinrich se prepara para 1ª meia-maratona

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

05/09/2021 04h00

Diagnosticado em 1971, aos 15 anos de idade, Heinrich Epp Neto completou bodas de ouro de diabetes —ou seja, convive há 50 anos com a doença. Após um período de revolta pela condição, ele viu que precisava mudar para ter qualidade de vida. Seguindo os cuidados básicos de alimentação regrada e controle da glicemia, ele viu no exercício físico o maior remédio para controlar a doença.

Praticante de exercícios desde jovem, aos 60 anos começou a correr, aos 62 participou da primeira prova de corrida de rua. E agora, aos 65, se prepara para sua primeira meia-maratona, que fará acompanhado do filho, na Cidade Universitária, em São Paulo, em novembro deste ano. Conheça a história dele:

"Os primeiros sintomas do diabetes se manifestaram com a sensação de boca seca, muita sede, fome exagerada, vontade de urinar em excesso e rápido emagrecimento. Entre o tempo para marcar a consulta, fazer o exame de glicemia que o médico pediu e pegar o resultado, demorou um mês. Nesse período, perdi 25 kg, fui dos 75 kg para 50 kg. Fiquei muito fraco, debilitado, entrei em coma diabético e fui internado.

No hospital, minha mãe me contou que eu tinha sido diagnosticado com diabetes tipo 1, disse que teria que mudar minha alimentação, não poderia mais comer doces e nem tomar bebidas açucaradas. Ela também me falou que essa doença não tinha cura e que eu teria que conviver com ela pelo resto da vida.

Foi um choque para mim ouvir aquilo aos 15 anos de idade. Após quatro meses do diagnóstico, comecei a tomar insulina e recuperei o peso que tinha perdido.

O período de revolta e a conscientização

Heinrich Epp Neto vive há 50 anos com diabetes e virou corredor - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Durante três anos não aceitei minha condição e me revoltei por ter diabetes. Me comparava com os meus amigos: 'Por que eles podem tudo e eu nada?'. Nesse período, negligenciei minha saúde. Na frente da minha mãe, comia toda a dieta que ela preparava para mim. Mas escondido dela, comia doces e tomava refrigerante. Duas vezes por semana, comprava com a minha mesada guloseimas que adorava e me deliciava.

Na época não existiam os medidores de glicose, fazia a medição por meio da glicofita, urinava num pote, colocava a tira na urina e cada cor determinava a quantidade de glicose. Como ela estava muito alta, tive uma piora, entrei em coma pela segunda vez e fui internado novamente.

Um mês após receber alta, passei com um endocrinologista que abriu meus olhos. Ele me aconselhou a não me comparar com meus amigos, mas a olhar para pessoas com doenças mais graves que a minha, que tinham muito mais dificuldades do que eu.

'Você pode estudar, trabalhar, casar, ter filhos, viajar, pode fazer e ter tudo isso, mas desde que você cuide da sua saúde, tome os remédios corretamente, tenha uma alimentação regrada, pratique atividade física e tenha um controle emocional. Diabetes não é o fim do mundo, mas um novo mundo a ser explorado e descoberto', me lembro dele ter me dito.

Essa conversa mexeu muito comigo, saí do consultório decidido a mudar e a me cuidar, só assim eu teria uma vida longa e de qualidade.

A partir daquele dia e ao longo dos anos, passei a aceitar a doença e a seguir todas as recomendações com disciplina. Na alimentação, seguia a dieta quando estava em casa, mas quando viajava era mais difícil por causa da comida local. Uma estratégia que utilizava era fazer as contas de quantos carboidratos ia consumir e administrar a quantidade de insulina.

Atividade física como remédio

Heinrich Epp Neto vive há 50 anos com diabetes e virou corredor - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O exercício físico se tornou um aliado, um remédio para mim no controle da glicemia. Passei a praticar várias atividades: voltei a jogar futebol, jogava vôlei todo sábado com o pessoal da igreja, andava de bicicleta pelo bairro e caminhava. O gosto e o prazer pela caminhada começaram como uma coisa do dia a dia.

Enquanto meus amigos iam e voltavam de ônibus para a escola, eu fazia o mesmo trajeto a pé, 6 km ao total —exceto em dias de chuva. Me oferecia para ir ao açougue, padaria, comprar alguma coisa só para poder caminhar. Sempre gostei de fazer tudo andando.

Esse hábito durou anos e permanece até hoje. Quando ia trabalhar, deixava o carro mais longe do estacionamento para ir andando, também dava uma volta no complexo da fábrica depois do almoço e subia e descia de escada até o 10º andar —onde ficava minha sala— três vezes por semana.

Aos 50 anos, li uma matéria de que o ser humano precisa dar 10 mil passos por dia para se manter ativo —desde então tenho estabelecido essa meta diariamente. Quando fiz 55, criei a rotina de todo sábado ou domingo caminhar sozinho de 5 km a 7 km no condomínio onde moro ou na rua.

O início na corrida

Heinrich Epp Neto vive há 50 anos com diabetes e virou corredor - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Quando me aposentei, em 2016, aos 60 anos, meu filho, que é formado em educação física, professor de corrida de rua e maratonista, falou que para ter um melhor controle do diabetes não adiantava só caminhar, precisava correr. Ele me encorajou dizendo que eu tinha tempo e condição física para dar o start, mas me orientou primeiro a passar no médico e fazer um check-up. Os exames deram ok e recebi liberação médica.

O segundo passo foi começar a fazer esteira na academia e treinar corrida três vezes por semana. Não tinha o acompanhamento de nenhum instrutor, uma vez meu filho foi correr comigo para corrigir algum eventual erro. Sou uma pessoa muito observadora, observava ele e outros atletas nas corridas. Também assistia maratonas na TV e vídeos no YouTube com dicas de corredores explicando o jeito certo de correr, de fazer as passadas, qual o tênis adequado.

Me preparei durante dois anos até participar da minha primeira prova de corrida de rua de 5 km em 2018, aos 62 anos de idade. Fiquei em quarto lugar entre o público da minha faixa etária, 60 a 64 anos. Me senti muito bem, a família ficou orgulhosa e isso me motivou a continuar. Ao total, participei de 10 provas de corridas de rua sempre buscando meu recorde pessoal. Sou fissurado em tentar me superar e fazer um tempo melhor do que o anterior.

Todo diabético praticante de atividade física tem que ter alguma fonte de energia de reserva. Nos meus treinos e provas, sempre ando com um suplemento energético para atletas caso sinta que estou entrando em hipoglicemia (queda de açúcar no sangue), como já aconteceu algumas vezes. Paro, tomo o suplemento, espero 2 minutos e volto a correr.

Não faço nada de diferente na alimentação pré-treino, geralmente como uma fruta ou barrinha de cereal, além de fazer de 5 a 6 refeições por dia. Diariamente aplico duas insulinas, uma que age no organismo o dia todo; e outra, corretiva, antes do café da manhã, almoço e janta.

O meu segredo é sempre medir a glicemia antes e depois da corrida. Com os anos de experiência, fiz alguns cálculos e percebi que preciso estar com 170 para fazer uma prova de 30 minutos. Se antes da corrida ela estiver abaixo disso, tomo refrigerante para ela subir e chegar ao número que preciso. No término da atividade, a glicemia fica entre 100 e 140, um bom nível.

Correndo pelo Diabetes e primeira meia-maratona

Não conhecia nenhum corredor amador diabético além de mim, tinha curiosidade em conhecer outros. Em 2020, encontrei o Correndo pelo Diabetes, uma organização sem fins lucrativos que estimula a prática regular de atividade física como ferramenta de promoção da saúde e inclusão da pessoa com diabetes. Qualquer indivíduo com a condição ou que cuide de alguém com pode participar. A idade mínima é a partir dos 14 anos desde que a pessoa seja acompanhada por um maior responsável.

Eles publicaram um post convidando para um programa de corrida. Entrei em contato, passei por uma avaliação e fui selecionado. Fiquei muito feliz, enxerguei no projeto uma oportunidade de melhorar o meu tempo de 5 km para 15 km e de fazer uma meia-maratona (21 km).

Heinrich Epp Neto vive há 50 anos com diabetes e virou corredor - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Dentro do programa, assistimos a palestras online e recebemos uma planilha com treinos personalizados. De segunda tem aula de ioga. Terça, quinta e sábado, treino de corrida; quarta e sexta, treino de força. Alguns exercícios faço de casa e a corrida na rua.

Uma vez uma senhora mais jovem que eu me parou e perguntou como arranjo tanto oxigênio para correr na minha idade. Não foi difícil responder: 'Tem que ter força de vontade'. Ela ficou ainda mais surpresa quando eu disse que era diabético.

Estabeleci a meta de fazer uma meia-maratona junto com meu filho em novembro deste ano, na Cidade Universitária. A corrida para mim representa tudo, estar em movimento na minha idade, 65 anos, e ainda com diabetes é uma coisa fantástica, a qual dou muito valor.

Esse ano celebrei bodas de ouro, completei 50 anos com diabetes. Seguindo as regras básicas de alimentação saudável, atividade física, controle da glicemia e cuidado com a saúde mental é possível alcançar qualquer objetivo. Foi assim que consegui me tornar um corredor não profissional".

Exercício é remédio

Essa reportagem faz parte da campanha de VivaBem Exercício É Remédio, que quer ressaltar a importância da atividade física para a saúde e dar dicas e ideias para combater o sedentarismo.

Os conteúdos abordam a importância da atividade física para prevenir e tratar doenças, os sinais que o seu corpo dá quando você não se mexe o suficiente, dicas para tornar o exercício um hábito, além de descobrir qual mais combina com você, cuidados essenciais para começar a se movimentar, inclusive na terceira idade e relatos inspiradores de pessoas que trataram questões sérias de saúde com atividade física. Mas tem muito mais. Confira todo o conteúdo da campanha aqui.

Essa é a terceira campanha de uma série de VivaBem que tem trazido conteúdos temáticos para auxiliar no combate a problemas que muitas pessoas enfrentam no dia a dia e contribuir para que você tenha mais saúde e bem-estar.

A primeira foi Supere a Depressão Pós-Parto, realizada em março; e a segunda foi Tenha Uma Boca Saudável, em junho.