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Pancreatite aguda fez jornalista perder 25 kg e ficar dois anos internado

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

22/08/2021 04h00

Quando deu entrada no hospital se queixando de dores no abdome e nas costas, o jornalista João Pedro Domingues, 31, não imaginava que ficaria dois anos internado. Nesse período, ele teve uma pancreatite aguda grave, uma fístula intestinal, foi submetido a 15 procedimentos cirúrgicos e precisou da nutrição parenteral para sobreviver. Conheça a história dele.

"Em dezembro de 2015, fui ao hospital com fortes dores na região do abdome e das costas, não fazia ideia do que tinha. Após alguns exames, fui diagnosticado com pancreatite aguda grave. Os médicos explicaram que como se tratava de uma doença que atacava o sistema digestivo, quanto mais eu comesse pela boca, mais pioraria a inflamação.

Por essa razão, eles tiraram minha alimentação por via oral e introduziram a nutrição enteral por meio de uma sonda nasogástrica. A dieta era líquida e ficava pendurada no mesmo suporte onde ficava o soro e as medicações. Não me adaptei à nutrição enteral, a sonda no nariz me incomodava e se tornava ainda mais desconfortável quando eu tinha enjoos e vômitos.

Com uma semana de internação, meu quadro se agravou e fui para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva). A nutróloga que me atendeu optou por substituir a nutrição enteral pela parenteral [administrada por via intravenosa] na tentativa de melhorar meu aporte calórico proteico e para ver se meu organismo aceitava melhor a dieta. A nutrição parenteral vinha numa bolsa transparente com um líquido branco que lembrava leite e que continha todos os nutrientes que eu precisava.

João Pedro Domingues, jornalista que teve pancreatite - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Como não estava respondendo ao tratamento e algumas partes do meu pâncreas estavam necrosados, tive que fazer uma cirurgia. Nesse tempo, eu e a equipe fizemos algumas tentativas para eu voltar a me alimentar pela boca, com uma dieta mais leve e pastosa, com purê, frutas amassadas, sopa, mas meu organismo rejeitou. Sentia dores no abdome e muito enjoo.

Foi uma fase difícil e precisei me adaptar a todas as mudanças repentinas na minha vida, a começar pela própria rotina de um hospital, falta de privacidade, remédio toda hora, contato com diversos médicos e enfermeiros, vários exames e os cerca de 15 procedimentos cirúrgicos que fiz para controlar as infecções e complicações que surgiam.

Na época tinha 25 anos, tive que trancar o último ano do curso de jornalismo, abandonei o estágio e meu pai morreu. Tinha dias bons e ruins, mas na medida do possível fiquei emocionalmente bem porque me apropriei da doença no sentido de buscar informações sobre a pancreatite, entender o que ela causava, como era o tratamento.

Além de ter fé na minha recuperação, o apoio da minha família e dos meus amigos foi importante, eles iam me visitar, tentava me distrair jogando videogame e assistindo a filmes.

Quando finalmente o quadro da pancreatite se estabilizou e parei com a nutrição parenteral, os médicos descobriram uma fístula intestinal localizada no intestino delgado e precisei colocar uma bolsa de colostomia.

Basicamente 80% do que comia pela boca extravasava e, em questão de segundos, ia direto para a bolsa. Meu intestino não absorvia nenhum nutriente, o que me levou um processo rápido e grave de desnutrição. Entrei no hospital com 68 kg e emagreci tanto que cheguei a 43 kg.

A nutrição parenteral foi fundamental para me manter vivo. Se não tivesse tido esse suporte, provavelmente teria morrido de desnutrição ou de outras complicações. Voltei com a parenteral para garantir o aporte calórico proteico necessário, mas dessa vez ela não foi exclusiva, também me alimentava por via oral para adaptar o sistema digestivo a receber alimento, pelo prazer de comer e para praticar a mastigação mesmo que a comida continuasse indo direto para a bolsa de colostomia.

João Pedro Domingues, jornalista que teve pancreatite - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O meu caso era delicado, como já tinha feito muitos procedimentos, entre eles uma peritoneostomia, isto é, deixaram a cavidade abdominal aberta. Meu abdome estava cicatrizando naturalmente. Fazer uma nova cirurgia para tratar a fístula era complicado, pois poderia trazer mais riscos, tive que esperar 1 ano e 8 meses para operar.

No total, fiquei 2 anos e 1 mês internado, principalmente devido à necessidade da nutrição parenteral, só podia ter esse suporte no hospital ou em home care, mas não tinha condições para esse tipo de recurso em casa na época.

Em janeiro de 2018, passei pela última cirurgia para a reconstrução do trânsito intestinal, retirada da fístula, da bolsa de colostomia e o fechamento do abdome. Não fiquei com nenhuma sequela. Fiz o desmame total da nutrição parenteral e voltei a me alimentar normalmente pela boca.

Um mês após receber alta, retomei minha vida, voltei para a faculdade, me formei e arranjei um emprego. Faço acompanhamento com nutróloga e nutricionista, criei novos hábitos, não sigo nenhuma dieta específica, tenho uma alimentação saudável, parei de ingerir bebida alcoólica e pratico atividade física regularmente.

Passar por tudo isso foi uma grande lição. Na doença, a gente aprende a ser humilde e confiar na capacidade dos outros quando perdemos nossa independência e não podemos fazer algo por nós mesmos."

Entenda a pancreatite

A pancreatite aguda é uma inflamação que acomete o pâncreas, um órgão do trato digestório, que fica atrás do estômago, próximo das alças intestinais. Ele é responsável pela produção de vários hormônios como insulina e pancreatina, e enzimas que digerem a comida.

"A causa mais comum da pancreatite é a pedra na vesícula. Essa pedrinha sai da vesícula e passa por um canal em comum do pâncreas e da bile, e acaba inflamando a saída desse canal e obstrui a drenagem da secreção do pâncreas. Em mais de 70% dos casos, a pancreatite ocorre pela migração da pedra na vesícula (colelitíase)", explica Simone Reges Perales, cirurgiã do aparelho digestivo da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Além da pedra na vesícula, a inflamação do pâncreas pode ocorrer pelo excesso de álcool, hipertrigliceridemia, comum em pacientes obesos, que tem colesterol alto, causas autoimunes ou hereditárias. Os principais sintomas são dores abdominais, febre, olho amarelado, pressão baixa, náuseas, vômito e mal-estar generalizado.

Quando ocorre uma necrose do pâncreas é preciso fazer cirurgia. "Apenas 20 ou 30% dos pacientes evoluem para uma pancreatite aguda grave. O pâncreas, nesse caso, pode ter uma necrose do tecido e o médico precisa operar para retirar um pouco do tecido inflamado e necrosado no abdome. Esse paciente precisa de UTI e é um caso relativamente grave —a mortalidade gira em torno de 5 a 12% desses casos", alerta Henrique Perobelli, gastroenterologista e colo-proctologista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.

O especialista explica que é muito comum a necessidade de novas intervenções cirúrgicas, porém, o paciente tem grandes chances de se recuperar 100%.

Nutrição enteral e parenteral

João Pedro Domingues, jornalista que teve pancreatite - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

A nutrição enteral é dada ao paciente através de uma sonda que vai do nariz ao estômago ou é colocada por endoscopia no próprio estômago, se exteriorizando pela parede do abdome.

Já a nutrição parenteral é administrada na veia do paciente. A principal diferença entre elas é que a nutrição enteral usa nosso sistema digestivo para ser absorvida, enquanto a parenteral entra diretamente pela veia e não precisa ser absorvida.

A nutrição enteral é indicada quando não há possibilidade de a pessoa se alimentar pela boca, tem dificuldades para engolir, se recusa a comer e quando não é possível usar a via oral. Há situações em que o problema está no esôfago ou no estômago. Nesses casos, a dieta pode ser dada diretamente no intestino delgado. A nutrição enteral é contraindicada quando o trato digestivo não estiver apto a recebê-la como em casos de obstrução, vômitos e diarreia.

Teoricamente, qualquer alimento ou bebida pode ser administrado na nutrição enteral, no entanto, como as sondas que vão até o estômago são finas e delicadas, alimentos mais espessos podem entupi-las. O mais recomendado é que sejam usadas apenas fórmulas industrializadas, que contêm todos os nutrientes necessários e na viscosidade correta.

A nutrição parenteral é indicada quando o trato digestivo não pode ser usado, não deve ser usado ou quando ele não é suficientemente funcional para permitir que o indivíduo se mantenha nutrido. Por se tratar de um procedimento complexo, a nutrição parenteral deve ser aplicada por um médico especializado para que o paciente tenha o maior benefício com os menores riscos.

As fórmulas que são dadas na veia são extremamente controladas e específicas, fornecendo tudo o que a pessoa precisa para se manter nutrida, inclusive por anos, se necessário.

Todas as etapas da nutrição parenteral, desde a sua fabricação ou manipulação até os cuidados com os cateteres usados para administrá-la, exigem um controle muito estrito, conhecimento e prática dos profissionais envolvidos para evitar o risco de infecções.

Ela não é indicada quando a via digestiva pode ser usada e é suficiente para nutrir o indivíduo, quando não é possível ter uma veia para infundi-la ou qualquer complicação metabólica que a limite.

É importante ressaltar que, em todas as situações em que os pacientes estejam com dificuldade de manter a pressão sanguínea em nível normal, tanto a nutrição enteral quanto a parenteral estão contraindicadas.

Fonte: Paulo César Ribeiro, médico intensivista, gerente médico da equipe de terapia nutricional do Hospital Sírio-Libanês (SP) e membro do Comitê de Terapia Nutricional da Associação Brasileira de Medicina Intensiva.