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Etarismo: que bicho é esse? Preconceito por idade prejudica saúde de idosos

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Imagem: iStock

Samantha Cerquetani

Colaboração para VivaBem

20/08/2021 04h00

Chegar à terceira idade com saúde e disposição é um privilégio, mas é comum que quem tenha mais de 50 anos já comece a sentir discriminação por estar envelhecendo. Ouvir frases como: "Você está velho demais para isso!", "Lugar de velho é em casa" ou "Está ficando gagá" começa a fazer parte do cotidiano de muitos idosos.

Essa discriminação passou a ser chamada de etarismo —mas também é chamada de idadismo ou ageísmo— e é bastante comum: de acordo com um relatório elaborado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) uma em cada duas pessoas no mundo já apresentou ações discriminatórias que pioram a saúde física e mental dos idosos.

O relatório global sobre preconceito etário faz parte de uma campanha realizada pela OMS para combater estereótipos e aumentar a discussão sobre o assunto. Para isso, foi realizado um levantamento com mais de 80 mil pessoas de 57 países.

Aqui no Brasil os dados também mostram que o etarismo começa até mesmo antes das pessoas chegarem à terceira idade: 16,8% dos brasileiros com mais de 50 anos já se sentiram vítima de algum tipo de discriminação por estarem envelhecendo.

O etarismo se manifesta de várias formas. Essas atitudes e ações dificultam a aceitação e acentuam a negação da velhice. A discriminação por idade é mais forte em sistemas onde a sociedade aceita a desigualdade social. Vania Herédia, presidente do departamento de gerontologia da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia)

Preconceito etário coloca a saúde em risco

A discriminação por idade pode ser velada e também explícita. O idoso costuma ouvir comentários desagradáveis, como se fossem "brincadeiras" sobre o envelhecimento, ou sente que não foi chamado para uma entrevista de emprego por causa da idade.

Essa exclusão da sociedade afeta a saúde mental, já que as pessoas mais velhas recebem continuamente sinais de não aceitação, desprezo, falta de respeito, agressões e humilhações —simplesmente pelo fato de terem envelhecido.

"O etarismo contribui para a baixa autoestima, sentimentos de desamparo, menos valia e leva ao isolamento. O idoso pode ter mais depressão também ao ser discriminado. É uma forma de negar a velhice e os idosos são vistos como a perda do vigor físico e a beleza da juventude", afirma Juliana Yokomizo, psicóloga do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Velho triste, idoso triste - iStock - iStock
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Além dos problemas mentais, o etarismo está associado à morte precoce, já que piora as condições de saúde de forma geral. O idoso discriminado e excluído da sociedade aumenta os comportamentos de risco que favorecem o surgimento de doenças, ou seja, deixa de se alimentar adequadamente, bebe ou fuma em excesso, o que reduz sua qualidade de vida.

Além disso, pesquisas realizadas em todo o mundo apontam que idosos que sofrem preconceito estão mais suscetíveis às doenças crônicas como as cardiovasculares, artrites, além de acelerar o declínio cognitivo, aumentando o risco de demências.

O etarismo também dificulta o acesso à saúde, o que eleva o número de mortes precoces. O preconceito por idade se infiltra em instituições como hospitais, centros médicos e, em alguns casos, ocorre racionamento na saúde em idosos, ou seja, a idade passa a determinar se a pessoa deve ou não receber alguns procedimentos ou tratamentos médicos.

A segunda edição da Pesquisa Idosos no Brasil, realizada pelo Sesc São Paulo e pela Fundação Perseu Abramo, apontou que 18% dos idosos afirmaram terem sido discriminados ou maltratados em um serviço de saúde. E 19% declararam terem sofrido algum tipo de violência física ou verbal.

Além disso, 81% dos participantes afirmaram que há preconceito contra o idoso no país. A pesquisa contou com a opinião de 4.144 brasileiros, sendo 2.369 pessoas com mais de 60 anos, e foi realizada entre janeiro e março de 2020.

Covid-19 e o aumento da discriminação ao idoso

Os especialistas consultados por VivaBem reforçam que o etarismo floresceu na pandemia. Quem não ouviu, por exemplo, que a covid-19 era uma doença que matava apenas os idosos?

Dessa forma, as pessoas acima de 60 anos foram estigmatizadas como frágeis, um "fardo" para a sociedade ou indivíduos descartáveis, já que viveram "o suficiente".

De acordo com Ana Laura Medeiros, geriatra do Hospital Universitário Lauro Wanderley da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), com a pandemia aumentaram os discursos preconceituosos e até uma culpabilização desse grupo.

"Pessoas chegaram a dizer que a sobrecarga no sistema de saúde estava ocorrendo por causa dos idosos. Em alguns lugares, discutiam se havia a necessidade de usar a ventilação mecânica em pessoas com mais de 80 anos. É como se a vida valesse menos", destaca.

Herédia concorda e acredita que a sociedade utiliza estigmas para não demonstrar o seu fracasso para a solução de problemas. "Com a pandemia, o idoso deixou de ser invisível para ser colocado numa situação de risco e novamente aparece como problema social. Não há uma integração das gerações e o idoso fica fora do circuito", diz.

Por que isso acontece?

O preconceito pela idade se manifesta por meio da forma que a sociedade pensa, sente ou age em relação aos idosos. Isso acontece porque os estereótipos associados ao envelhecimento normalmente não são positivos.

Por muito tempo, ser idoso significava ser dependente, frágil, incapaz e também era sinônimo de senilidade.

Para Medeiros, tudo isso fortalece o etarismo. "O envelhecimento é um processo inexorável e traz desgastes naturais. E isso é interpretado erroneamente como um estado global de fragilidade e perda de independência e autonomia. É importante frisar que o envelhecimento varia de pessoa para pessoa e os idosos não são todos iguais", completa.

Casal de idosos dançando, idosos felizes, idoso feliz, idoso dançando - iStock - iStock
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Já Alexandre da Silva, gerontólogo, fisioterapeuta, professor da Faculdade de Medicina de Jundiaí e colunista de VivaBem, acredita que esse preconceito é uma questão cultural e o fato de o idoso, na maioria das vezes, não estar trabalhando contribui para essa visão negativa.

No capitalismo, o idoso pode perder seu valor porque não está no mercado de trabalho, gerando renda. Mas é fundamental não se apegar aos rótulos e à naturalização do preconceito.

Vale destacar que o etarismo está enraizado na sociedade e, muitas vezes, as crianças desde cedo escutam frases que desvalorizam os idosos. E assim, normalizam-se os estereótipos relacionados à idade.

Frequentemente, ser velho está associado à imagem de uma pessoa triste e dependente, o que não condiz mais com a realidade da maioria.

Como combater?

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É fundamental que as mudanças e a conscientização da importância dos idosos na sociedade comecem dentro de casa, com os familiares.

"É necessário que ocorra o convívio entre as diversas gerações. As crianças precisam compreender o processo de velhice, que faz parte da vida, e a necessidade do respeito. É preciso promover o conhecimento sobre o envelhecimento e aumentar ações para inseri-los na sociedade", afirma Medeiros.

De acordo com Yokomizo, o etarismo não é intrínseco ao ser humano e essas ideias preconceituosas podem ser desconstruídas. "Isso pode dar uma abertura para o envelhecimento de forma plena, em que há uma aceitação dessa fase, sem negações ou sofrimentos", diz.

Vale lembrar que a pessoa que sofrer qualquer tipo de discriminação pode fazer uma denúncia junto aos conselhos municipais do idoso. No Brasil, há o Estatuto do Idoso que determina a reclusão e a multa em casos de discriminação.

"Envelhecer pode ser bom, deve ser visto como uma conquista. O idoso precisa ser valorizado tanto quanto os jovens. Muitos ainda estão cheios de energia, trabalham, têm sonhos e ajudam seus familiares. É fundamental ficar atento às fake news, que espalham mentiras sobre os idosos e que podem aumentar ainda mais o etarismo", completa Silva.

Uma forma de combater o etarismo no dia a dia é deixar de falar frases preconceituosas e estereotipadas. São pequenas mudanças que fazem a diferença.

Frases que demonstram etarismo, que você já pode ter dito sem se dar conta, aprenda e evite a partir de agora:

  • Ahhh, jura que você tem essa idade?
  • Qual o segredo para você estar tão conservada?
  • Desculpa perguntar, mas quantos anos você tem?
  • Você parece mais jovem.
  • Que bonita! Não entrega a idade.
  • É uma "coroa" enxuta para a idade dela.
  • Como tem coragem de sair com aquela roupa?
  • Ela/ele está velho demais para namorar/casar/ter filho.