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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Queimou comida porque falava no celular? Conheça a cegueira por desatenção

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Isabella Abreu

Colaboração para o VivaBem

30/07/2021 04h00

É provável que você já tenha passado por algumas experiências de desatenção no seu dia a dia que tenham resultado em sustos, tropeções ou até mesmo acidentes mais sérios. Falava ao telefone enquanto cozinhava e deixou a comida queimar? Digitava no WhatsApp enquanto dirigia e quase bateu o carro? Checava o e-mail durante uma reunião e perdeu a orientação do chefe?

A explicação para isso recebe o nome de "tunneling". O termo é usado para definir o estreitamento de atenção e cognição que sofremos quando estamos estressados ou sob pressão. Nessas condições, reagimos como se estivéssemos limitados pela estrutura de um túnel, daí o nome.

Segundo Thaís Gameiro, neurocientista pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e sócia da Nêmesis, empresa que oferece assessoria e educação corporativa na área de neurociência organizacional, o fenômeno em questão, também conhecido como "inattentional blindness" (cegueira por desatenção), ocorre muitas vezes porque nosso processamento sensorial e cognitivo é limitado. Ou seja, nossa capacidade de identificar adequadamente, processar e reagir aos estímulos que nos são apresentados é restrita.

"Na prática, utilizamos nossos recursos atencionais para filtrar as informações que serão processadas como prioridade", diz. Essa seleção ocorre na maior parte das vezes de maneira intuitiva e inconsciente, na qual definimos aquelas informações com maior relevância e mobilização emocional para serem processadas de maneira mais eficiente pelo nosso cérebro. "Essas são as informações que ficarão em nosso foco atencional, enquanto as demais serão deixadas de lado ou processadas de forma menos eficiente", afirma.

O que acontece é que, com tantos estímulos e informações aos quais somos expostos diariamente, é comum que mesmo as pessoas mais organizadas, produtivas e com excelente capacidade de foco e atenção vivam momentos de cegueira por desatenção, deixando que fatos e informações inesperadas passem despercebidos. "Essa falha, bastante comum a todos nós, pode causar pequenos contratempos, retrabalhos, atrasos em entregas pessoais e profissionais, mas também pode gerar consequências mais graves, como acidentes", alerta.

A especialista explica que, do ponto de vista neural, o "tunneling" normalmente é causado por uma sobrecarga do nosso córtex pré-frontal (e também dos sistemas sensoriais —visuais, auditivos etc), que, ao direcionar seus recursos para o processamento de um conjunto de informações, acaba não tendo disponibilidade para processar informações adicionais que surgem ao mesmo tempo.

"O estresse, o acúmulo de informações e de atividades que vivenciamos em nossa rotina moderna favorecem a sobrecarga do nosso sistema, fazendo com que o fenômeno da cegueira por desatenção seja cada vez mais frequentes em nossa sociedade", diz Garneiro.

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Hiperfoco no celular pode funcionar como distração na hora de dirigir
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Danos para saúde

De acordo com Ricardo Wainer, psicólogo e professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), o "tunelling" é uma ocorrência que praticamente todo ser humano irá vivenciar em algum momento. Mas ele, em si, não é causador de problemas em nossa saúde física e/ou mental. "O que, sim, causa comprovadamente problemas é o estresse crônico que leva o organismo à exaustão de sua capacidade natural de autoadaptação (busca da homeostase)", diz.

A grande quantidade de hormônios do estresse (principalmente cortisol e adrenalina) acaba sendo tóxica tanto ao sistema nervoso quanto ao sistema cardiovascular, favorecendo o surgimento de doenças. Hipertensão, diabetes, obesidade, baixa imunidade para infecções, insônia, transtornos emocionais e de ansiedade, dentre tantas outras doenças associadas ao estresse podem surgir, se considerarmos um quadro sustentado de sobrecarga cognitiva.

"A cegueira por desatenção é um dos sintomas desse quadro de estresse e, quando ocorre de maneira muito frequente, pode trazer prejuízos para a vida pessoal e profissional, além de ser um fator de vulnerabilidade para causa de acidentes", completa Gameiro.

Como usar o hiperfoco a seu favor

É curioso notar que o excesso de foco, positivo para resolver questões específicas, é também o principal responsável por causar a cegueira por desatenção. Quando estamos muito concentrados em resolver um problema ou detectar um determinado estímulo, acabamos direcionando grande parte dos nossos recursos cognitivos e sensoriais para o estímulo alvo e, com isso, acabamos negligenciando outros aspectos do contexto, que passam despercebidos. Dessa forma, o hiperfoco deve ser utilizado com cautela.

"Há situações em que esse excesso de foco pode ser positivo, como por exemplo para a conclusão de atividades que demandam a atenção concentrada, como quando estamos escrevendo um relatório, resolvendo um teste matemático, desenvolvendo um projeto", diz Patrícia Lessa, diretora pedagógica nacional do método Supera, rede de escolas de ginástica para o cérebro.

Na opinião de Wainer, para utilizarmos nossa atenção da melhor forma é preciso entender que ela é uma capacidade com limitações e com interações com diversos outros processos mentais (como memória, percepção etc.). Ele também aconselha que façamos atividades que exijam alto grau de concentração uma de cada vez e que não fiquemos mais do que aproximadamente 45 a 60 minutos na tarefa sem algumas pausas para descanso. Além disso, se a a tarefa é complexa e longa, é melhor fazê-la por partes e, se possível, com a conferência por outra pessoa.

Outras dicas do especialista são: realizar atividades mais complexas e difíceis no início do dia (quando a atenção está plena), evitar a atenção dividida, ou seja, fazer várias coisas ao mesmo tempo e evitar o uso de substâncias que, embora gerem menor percepção de cansaço e/ou desatenção, tendem a fazer com que nossa capacidade de concentração fique prejudicada. "E não confie excessivamente no quanto você acredita na sua capacidade atencional. Todos os seres humanos são falhos em sua atenção, mesmo aqueles que a superestimam", destaca o psicólogo.