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Comer com atenção ajuda a entender sinais de fome e saciedade; como fazer?

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Imagem: iStock

Gabriela Monteiro

Colaboração para o VivaBem

19/07/2021 04h00

Praticar o estado de atenção plena, conhecido como mindfulness, nos permite ter mais controle não só sobre nossos atos, mas também sobre nossas reações e emoções. A alimentação também não foge da regra e o mindful eating propõe que, durante a refeição, o indivíduo esteja de corpo presente, com uma curiosidade genuína por aquilo que coloca dentro do seu corpo, sem julgamentos, somente resgatando essa conexão tão primária de nossa espécie, que sumiu lentamente com o avanço da modernidade.

"O mindful eating não é um movimento, mas sim uma prática que nasce a partir do mindfulness e da meditação", explica a nutricionista Cynthia Antonaccio, coautora do livro "Mindful Eating - Comer com Atenção Plena" e idealizadora do Instituto Nutrição Comportamental. "Por meio da atenção plena, aprendemos a nos conectar com a tríade cabeça, corpo e coração. Isso já é algo natural do nosso corpo, mas precisa ser estimulado, por isso se chama prática: é preciso praticar todos os dias", diz.

Segundo ela, em geral, estamos sempre remoendo o passado ou pensando no futuro. Quando transferimos isso para o comer, é a mesma coisa: você está em uma mesa almoçando, mas está com o celular ou está pensando em outra coisa, não está ali de fato. "Isso, no caso da comida, faz com que as pessoas comam muito mais do que o necessário sem perceber, ou tentem curar algumas feridas emocionais com a comida", explica a especialista.

Como funciona a prática

O papel do nutricionista que busca auxiliar o seu paciente a criar essa conexão é, sobretudo, não impor nenhum tipo de cardápio, pois isso iria justamente contra o que a prática prega. Seu papel é acompanhar as escolhas desse indivíduo, entender por que elas foram feitas e auxiliá-lo com alguns exercícios.

Um deles é propor que o sujeito esteja atento aos seus sinais internos de fome e saciedade. "Pense em uma criança que trava a boca quando não quer comer. Ela faz isso porque já sabe que não quer, não gosta, ou que está cheia. Para o adulto, deveria ser o mesmo. Por isso, não faz sentido submetê-lo a comer aquilo em uma dieta, sendo que ele estará desconectado daquele alimento e de sua cultura", explica Antonaccio.

Pensando por essa ótica, devo comer somente "besteiras", se essa for a minha vontade? Não é bem por aí. As práticas de alimentação saudável devem se manter, mas é preciso que haja algum nível de conexão, seja pelo paladar ou por outros motivos, com aqueles legumes escolhidos, por exemplo. E no caso de flexibilização, não há espaços para culpa!

O mindfulness é estar na vida como um principiante, de cabeça aberta, mandando embora todo tipo de julgamento. E isso não só pode, como deve ser aplicado em sua relação com a comida também".

Cynthia Antonaccio, nutricionista

Há alguns níveis de saciedade cravados pelos estudiosos da área. Aprender a dar notas à sua fome é parte do processo. Não é necessário parar de comer somente quando já estiver completamente saciado (nível 10), somente médio (nível 6) já é suficiente. Mas também não deixe para se alimentar quando estiver passando mal de fome (outro nível 10), a regra da nota média aqui também vale.

Ainda sobre a questão da saciedade, a revista de saúde da Universidade Harvard afirma: a digestão envolve uma série complexa de sinais hormonais entre o intestino e o sistema nervoso e pode levar até 20 minutos para o cérebro registrar a saciedade. Portanto, comer muito rápido e em muita quantidade pode ser um problema, pois não há tempo hábil para que o seu cérebro compreenda que seu corpo já está cheio. É isso que gera a sensação de estufamento e desconforto, o "comi demais", após as refeições. Parar de comer antes de se sentir completamente cheio é a certeza de que, daqui alguns minutos, você estará totalmente satisfeito.

O mesmo artigo ainda revela que comer enquanto estamos distraídos pode diminuir ou interromper a digestão, e não digerir bem pode ocasionar perda de parte ou de todo o valor nutritivo de alguns dos alimentos que consumimos.

Mindful eating usado no tratamento de doenças

Stephanie Meyers, nutricionista do Instituto de Câncer Dana-Farber, usa técnicas de atenção plena para ajudar pacientes com câncer em suas dietas, encorajando-os a meditar sobre a comida enquanto estão voltando a comer comida sólida depois de um tempo se alimentando via sonda alimentar.

A psicóloga Jean Kristeller, da Indiana State University, e colegas da Duke University conduziram um estudo sobre técnicas de alimentação consciente para o tratamento da compulsão alimentar. O estudo controlado randomizado incluiu 150 comedores compulsivos e comparou uma terapia baseada em atenção plena a um tratamento psicoeducacional padrão e um grupo de controle.

Ambos os tratamentos foram efetivos tanto no tratamento da compulsão como no da depressão, mas o mindful eating parecia ajudar as pessoas a desfrutarem mais de seus alimentos e ter menos culpa e necessidade de controle. Os participantes que meditaram —tanto antes quanto depois — apresentaram respostas ainda melhores. A conclusão de Kristeller e dos outros especialistas envolvidos foi que a prática ajuda as pessoas a reconhecer a diferenciar fome de saciedade e introduz um "momento de escolha" entre o desejo e comer.

Primeiros passos

Lilian Cheung, nutricionista e conferencista da Escola de Saúde Pública de Harvard, expôs os fundamentos da alimentação consciente em seu livro de 2010, "Savour: Mindful Eating, Mindful Life", que escreveu em parceria com o mestre Zen Thich Nhat Hanh, unindo ciência e budismo. Confira as dicas para começar ainda hoje:

  • Respire fundo, olhe para os seus alimentos com curiosidade, de preferência, preparando-os você mesmo. Pense em todo o caminho que aquele ingrediente percorreu para chegar até ali, do raio de sol ao supermercado;
  • Reserve um tempo, o que puder e couber na sua rotina, onde você se dedicará somente à essa atividade;
  • Estruture o ambiente, tirando os distratores como celular, televisão, livros. "Ao comer, apenas coma", diz Cynthia Antonaccio;
  • Coma sempre à mesa, não vá para o sofá ou coma em pé. E é importante estar confortável em sua posição;
  • Coloque todos os aparatos que se colocaria para uma visita e monte uma mesa agradável. Isso ajudará no prazer em comer;
  • Estabeleça uma rotina que, apesar de flexível, exista na maior parte dos dias. Exemplo: tomar café da manhã todo dia, almoçar todo dia, tentar comer sempre no mesmo horário;
  • Esteja plenamente atento aos sinais internos de saciedade e também aos seus sentimentos enquanto come;
  • Preste igualmente atenção em cada mordida, no sabor daquele alimento, sua textura, seu cheiro e até sua temperatura;
  • Também preste atenção ao ambiente que o cerca, onde você está, que lugar é esse, o que o compõe e quem está ao seu lado;
  • Desligue o julgamento de calorias e afins. Apenas agradeça por aquela oportunidade de comer;
  • Seja mais autocompassivo e compreenda que nem sempre vai ser perfeito.