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Vacinas não têm microchip nem alteram DNA; esclareça esses e outros mitos

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Lívia Inácio

Colaboração para VivaBem

12/07/2021 04h00

Em meio à maior crise sanitária do último século, o mundo também enfrenta um problema antigo: as notícias falsas ligadas às vacinas. Só entre maio e julho do ano passado, a veiculação de postagens distorcidas sobre o assunto cresceu 383% no Brasil, segundo dados divulgados pela USP (Universidade de São Paulo).

A história de que os imunizantes poderiam conter um microchip chegou tão longe que o volume de buscas pelo tema aumentou 3.600% entre dezembro de 2020 e janeiro deste ano, de acordo com o Sem Rush, plataforma especializada em pesquisas na internet. Mas por que a maior arma da ciência para vencer a pandemia sofre tantos ataques?

Passado e presente

vacinação, vacina - iStock - iStock
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Primeiro, é preciso entender que esse tipo de resistência não vem de hoje. Prova disso é uma famosa gravura exposta no Museu Britânico, em Londres.

Na imagem do caricaturista James Gillray, publicada em 1802, pessoas se imunizando ganham chifres, focinhos, patas e outras formas animalescas, numa suposição de que o processo levaria a deformidades. Qualquer semelhança com a história atual de virar jacaré não é mera coincidência.

Fazia 13 anos que a primeira vacina do mundo havia sido criada para combater a epidemia de varíola. A doença matava milhares de pessoas e, em alguns lugares do mundo, como na China, havia o costume de usar as crostas secas de um infectado para imunizar outros pacientes, em um método conhecido como variolação.

Enfraquecido, o vírus da crosta não era forte o bastante para matar alguém, mas suficiente para ativar o sistema imunológico do indivíduo e evitar complicações graves quando ele tivesse contato com a varíola. Se essa ideia, apesar de eficiente, assustava a muitos, foi ainda mais refutada quando o inglês Edward Jenner criou a vacina, seguindo a mesma linha de pensamento, em 1789.

Ao notar que a varíola bovina não apresentava risco às pessoas, inoculou o pus de uma vaca infectada em um menino de oito anos.

m contato com a variante humana logo depois, o garoto não sofreu sintomas severos da doença por estar imunizado após o contato com uma versão mais fraca do vírus. O estudo de Jenner foi publicado em 1798 e a vacina ganhou o mundo.

Caça às vacinas

Com os imunizantes, vieram também os movimentos antivacina. Sobretudo num período em que cuidados ainda precários causavam infecções após a vacinação. À época, a esterilidade bacteriológica era difícil e doenças como o tétano chegaram a ser associadas à imunização.

Para se ter uma ideia dos hábitos sanitários daquele tempo, apenas 50 anos após a invenção de Jenner foi que se descobriu que lavar as mãos antes dos partos reduzia a mortalidade materna.

Segundo o médico Guilherme Werneck, professor de epidemiologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o medo estava no fato de que se injetava uma substância estranha em um corpo saudável.

"Até hoje os discursos antivacinação jogam com a insegurança das pessoas", diz o especialista. "Isso se acentua quando a percepção do risco da doença é baixa: no caso da covid-19, se um jovem acha que não está vulnerável e tem medo do imunizante, não vai se vacinar."

Séculos se passaram, novas vacinas surgiram e epidemias foram erradicadas, como a da própria varíola. Mas a desconfiança permaneceu em diversas partes do mundo.

Entre os anos 1970 e 1990, por exemplo, notícias falsas sobre a imunização eram endossadas por celebridades. Nos EUA, Heather Whitestone, a primeira surda a receber o título de Miss America, sugeriu, em 1994, que sua deficiência havia sido causada pela vacina DTaP (que previne difteria, tétano e coqueluche). Seu pediatra negou a informação.

Foi nessa época também que surgiu o famoso estudo, publicado pela revista científica The Lancet, em 1998, associando a vacina tríplice viral a casos de autismo. Por ter sido aceito em um periódico renomado, o artigo do médico inglês Andrew Wakefield fortaleceu discursos antivacina e fez com que a proporção de crianças imunizadas caísse drasticamente na Europa.

Mas descobriu-se pouco depois que havia fraude na elaboração do trabalho. A pesquisa foi tirada do ar, o médico perdeu sua licença, mas o argumento antivacina, infelizmente, permanece até hoje.

Mentiras virais

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Imagem: pch.vector/ Freepik

Se décadas atrás notícias falsas já eram veiculadas na televisão, hoje, com a internet, esses conteúdos ampliaram seu alcance. Para Werneck, mais do que uma desconfiança na ciência, os movimentos antivacina revelam uma insegurança das pessoas com relação às instituições.

Sustenta-se um sentimento de que alguma ordem secreta está por trás de cada decisão do poder público. É comum que nesse cenário surjam respostas fáceis para argumentar conspirações e, com a ascensão das mídias sociais, adeptos a essas teorias se sentem empoderados para espalhar aquilo em que acreditam.

Durante a pandemia de covid-19, esse ponto é ainda mais sensível. Como a vacinação em massa é necessária para que o mundo alcance a imunidade coletiva, a veiculação de informações falsas pode retardar o fim da atual crise e permitir o surgimento de novas cepas.

Segundo uma pesquisa do Datafolha, em março deste ano, em torno de 9% dos brasileiros não pretendiam se vacinar. O número já foi maior, mas nunca é demais reforçar que, além de seguras, as vacinas são fundamentais para que o mundo vença o coronavírus coletivamente.

Verdadeiro ou falso?

Em meio a tantas notícias falsas, médicos e cientistas tentam esclarecer os boatos que circulam nas redes sociais. Um exemplo: se a vacina é feita do vírus, não há mesmo chance de que ela mate alguém?

O médico infectologista Bernardino Albuquerque, professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), garante que não e já começa explicando um detalhe: há diferentes formas de se fazer um imunizante.

É possível usar um vírus fraco ou inativado, que não mata ninguém, mas vai ativar o sistema imunológico e deixá-lo alerta para lidar com a doença.

Outro caminho é a vacina feita com partículas de RNA mensageiro que ensinam o organismo a criar a proteína spike do coronavírus. Em contato com ela, o sistema imunológico se fortalece para combater o Sars-CoV-2 quando ele aparecer de verdade. Mas será que esse tipo de vacina pode alterar meu código genético?

Não, não pode. E o infectologista Mauro Tamessawa, professor de medicina da UP (Universidade Positivo), explica por quê. O imunizante com RNA mensageiro não invade o núcleo celular, apenas programa a célula para produzir a spike. Logo, é impossível alterar o DNA.

É importante lembrar também que algumas pessoas terão reações enquanto o sistema imunológico trabalha. Esse aspecto ainda afasta muita gente dos postos de vacinação, mas não deveria. São sinais positivos do corpo, que passam rápido.

Efeitos mais graves podem aparecer, como em qualquer medicamento, mas a incidência é mínima. Um em cada 50 mil vacinados com a Pfizer ou a Moderna podem sofrer de miocardite se tiverem menos de 30 anos. Já a AstraZeneca pode levar a um caso de trombose a cada 100 mil imunizados. Já a CoronaVac não têm nenhum efeito colateral grave reportado, segundo Tamessawa.

Pode confiar!

Coronavírus, RNA, genoma do vírus - iStock - iStock
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Outra questão que ainda deixa pessoas inseguras diz respeito à rapidez com que a vacina foi feita. Se o imunizante do sarampo, por exemplo, levou 10 anos até ser distribuído, como é possível confiar em fórmulas feitas tão rapidamente?

O infectologista Fernando Bellissimo Rodrigues, professor da USP (Universidade de São Paulo), explica que as pesquisas das vacinas contra a covid-19 não partiram do zero. Quando os estudos começaram, já havia tecnologia desenvolvida em relação ao Sars-Cov-1, um vírus muito parecido com o Sars-Cov-2 e que causou a epidemia da Sars, em 2003.

Tamessawa acrescenta que, atualmente, as informações são trocadas numa velocidade nunca vista. "O que ainda ficou por responder foi o tempo que a imunidade da vacina dura. Para isso, teremos que aguardar, mas, mesmo que seja um período seja curto, já está valendo a pena", diz.

Por fim, para não restar mais dúvidas, vale também perguntar sobre a teoria do microchip, que associa a covid-19 a um plano de Bill Gates para dominar o mundo com a implantação de chips em imunizantes da Moderna. Seria mesmo possível fazer isso?

Não, não seria. "É uma ideia completamente absurda, mas para um comentário mais técnico é melhor perguntar para um engenheiro", brinca Tamessawa.