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Vacina 100% nacional anunciada por Bolsonaro sairá apenas no ano que vem

O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, ao lado do presidente Jair Bolsonaro durante live em abril - Reprodução/Facebook
O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, ao lado do presidente Jair Bolsonaro durante live em abril Imagem: Reprodução/Facebook

Guilherme Russo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

27/06/2021 04h00

Em meio à suspeita de corrupção relacionada à compra de 20 milhões de doses da vacina contra covid-19 Covaxin, que envolveu o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em uma grave crise, os estudos com a principal aposta do governo federal para um imunizante "totalmente nacional" e outras três vacinas financiadas pelo MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) caminham a passos lentos.

Mais de três meses após o governo federal anunciar que estava financiando o desenvolvimento da Versamune, em 26 de março, o imunizante é, segundo o secretário de Pesquisa e Formação Científica do MCTI, Marcelo Morales, o projeto mais avançado. Contudo, a Anvisa solicitou que mais pacientes sejam envolvidos nas fases 1 e 2 do que o previsto quando a vacina foi protocolada na agência. A data para novo protocolo é 24 de julho.

Primeiro, os laboratórios realizam pesquisas pré-clínicas para conhecer o comportamento do vírus. A seguir vêm os estudos com testes em humanos, são três fases clínicas. Na primeira, é avaliada a segurança e possíveis reações indesejáveis. Na segunda, avalia-se a dosagem e a forma de vacinação com componentes mais adequados e a capacidade de gerar anticorpos (contra o novo coronavírus) na população que deverá ser indicada para receber a vacina. Na terceira, são realizados testes em grandes populações.

Além da Versamune, o MCTI destaca outros três projetos de imunizantes em estágio "mais adiantado": um spray nasal desenvolvido pelo Instituto do Coração, em São Paulo, que pretende impedir também a transmissão do coronavírus por agir nas vias respiratórias para imunizar as pessoas; uma vacina desenvolvida pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); e um imunizante desenvolvido na Bahia, de RNA.

O governo federal promete que destinará R$ 310 milhões para o desenvolvimento da vacina que avançar para a fase 3 dos estudos — que envolverá mais de 20 mil voluntários.

"Esse ajuste [pedido pela Anvisa] foi feito e, para isso, foi elaborado um novo lote piloto. Em breve, nós vamos iniciar a vacinação em ensaio clínico com pacientes", disse Morales à Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 da Câmara dos Deputados, no último dia 15. Segundo o secretário, o MCTI financia atualmente estudos de 15 vacinas.

Desenvolvida pela empresa Farmacore Biotecnologia, em parceria com a FMRP (Faculdade de Medicina da de Ribeirão Preto), a Versamune foi anunciada em março pelo ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, horas depois de o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciar a Butanvac, qualificada na ocasião pelo tucano como "a primeira vacina brasileira contra o novo coronavírus" — noticiou-se depois, porém, que o imunizante conta com tecnologia norte-americana.

O MCTI não retornou ao pedido de entrevista do UOL a fim de detalhar as informações a respeito da Versamune. O professor Celio Lopes Silva, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da FMRP, cientista que coordena os estudos da Versamune na faculdade do interior de São Paulo, também não conversou com a reportagem, alegando ter "compromissos já estabelecidos". Especialistas também evitaram comentar o assunto. Mas a diretora executiva da Farmacore Biotecnologia, Helena Faccioli, concordou em responder perguntas por e-mail.

Faccioli afirmou que, juntamente com a empresa americana BDS Biotech, a Farmacore Biotecnologia investiu US$ 20 milhões no desenvolvimento da Versamune "antes de apresentar o projeto aos demais parceiros, dentre os quais o governo federal" — que, segundo a executiva, investiu R$ 3,8 milhões nos testes pré-clínicos coordenados pela FMRP.

"Para o ensaio clínico de fase 1 / 2, o consórcio está buscando recursos com o governo federal, estimados em R$ 30 milhões, que compreende tanto o desenvolvimento do lote para o estudo como a definição de rendimentos de produção e estabelecimento das condições para produção industrial", explicou.

Faccioli estimou que, se tudo correr bem durante os estudos com pacientes — que devem começar em agosto, segundo a empresa — a Versamune poderá ter seu uso emergencial aprovado pela Anvisa no primeiro trimestre de 2022.

A fabricação é feita por meio de proteína recombinante, usando a Spike do vírus Sars-CoV-2 para produzir o imunizante. Caso se mostre segura e eficaz, a vacina deverá ser aplicada em duas doses, com intervalo de 28 dias.

A executiva afirmou que a Farmacore Biotecnologia está em negociação com indústrias brasileiras para a produção em escala da Versamune. "O acordo deve ser fechado nos próximos 30 dias."

Segundo Faccioli, o valor de cada dose "será determinado na fase de escalonamento industrial, mas o preço não será superior ao valor médio das vacinas que estão sendo disponibilizadas na atualidade no Brasil".