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Pandemia aumenta casos de xenofobia; como isso impacta saúde mental?

Rafaela Barros e Huang Zhen Sheng - Acervo pessoal
Rafaela Barros e Huang Zhen Sheng Imagem: Acervo pessoal

André Aram

Colaboração para o VivaBem

10/04/2021 04h00

Segundo o dicionário, a palavra xenofobia significa repugnância a pessoas ou coisas provenientes de países estrangeiros. Antes de a pandemia ter início no país, em meados de março de 2020, o marido chinês de Rafaela Barros, 26, Huang Zhen Sheng, 29, já era alvo de piadas pelos "olhos puxados". Frases do tipo: "Você está acordado ou está dormindo? Abre esse olho", ocorriam com uma certa frequência. Mas com a pandemia, as ofensas pioraram, foram a áreas públicas e que fizeram mudar até mesmo a rotina do casal.

Natural de Taishan, na província de Guangdong, Sheng vive no Brasil há 10 anos, veio sozinho aos 19 anos, só com o dinheiro da ida e sem falar português, em busca de trabalho e uma vida melhor. Além de alguns pertences pessoais, Sheng trouxe um caderno onde estudava o idioma para saber o básico, porém muito do que aprendeu foi com a esposa carioca. Juntos há cinco anos, eles se conheceram pelo Facebook, e da união veio o único filho do casal, uma menina hoje com 2 anos. Apesar de quase uma década morando no país, Sheng ainda tem dificuldade com a língua, então Barros facilita a comunicação.

"Antes da pandemia, as pessoas já tinha um olhar diferente, por ver uma brasileira com um chinês, e com a pandemia algumas pessoas demonstraram bastante raiva com asiáticos em geral", comenta ela. A jovem, que mora com o marido no bairro de Cordovil, zona norte do Rio, recorda-se com tristeza de uma situação em que eles foram bombardeados com insultos diante da filha. O casal estava com um amigo chinês numa lanchonete no bairro do Cachambi, também da zona norte, quando passou um caminhão de limpeza urbana, e um dos coletores disse uma avalanche de provocações de teor xenofóbico.

Um deles olhou para o meu marido e o amigo dele, e começou a dizer ofensas, que eles tinham que voltar pra China, que eles que trouxeram a doença pra gente, xingou de vários palavrões, falou que todos eles tinham que morrer. Eu não tive reação, não sabia o que dizer".

Por não se comunicar fluentemente, Sheng somente observa as inúmeras situações discriminatórias, não reage às ofensas, mas costuma ficar bastante chateado e abalado, de acordo com a esposa. Em outra ocasião, desta vez em um shopping (após a reabertura), o casal foi comprar um brinquedo para a filha, quando um homem se aproximou de Sheng e o chamou de "coronavírus".

A carioca confessa que fica muito triste quando essas situações ocorrem, para ela é algo inadmissível uma pessoa desejar a morte de outra. Ela conta que nunca houve agressão física, mas teme pela segurança do marido, que já pensou várias vezes em voltar para a China de forma definitiva, só não fez isso por causa da esposa e filha e também pela ausência de condições financeiras.

Barros tem esperança que com as vacinas, as agressões xenofóbicas sejam apenas uma lembrança triste do passado. "Dizem que o Brasil é um país que acolhe outras culturas, mas não é isso não", lamenta.

Para o psicólogo Leonardo Morelli, a discriminação, na verdade, tem muito a ver com o medo, e que esse temor muitas vezes se transforma em raiva. "No cenário da pandemia, os chineses estão sendo vistos de maneira errônea, como se tivessem culpa pela covid-19 ter se espalhado por todo o mundo, sendo que a ciência já provou que, de qualquer forma, os vírus estão por toda parte, podem sofrer mutações e aparecer em forma de pandemia, como já aconteceu outras vezes ao longo da história", afirma.

Mas como é uma doença "misteriosa", as pessoas costumam buscar por respostas, mesmo que seja culpar alguém com base em seu próprio preconceito. Morelli diz que aqueles que buscam através da agressividade uma maneira de melhorar as frustrações podem sofrer de outras patologias e merecem atenção redobrada. O médico enfatiza serem pessoas que já estão doentes e não percebem, agindo por emoção e causando mais problemas do que soluções.

Pintou o cabelo de loiro para não sofrer xenofobia

O auxiliar de cabeleireiro Sérgio Akio, 47, possui ascendência japonesa, mas já foi confundido com chinês quando estava caminhando em um parque próximo de sua casa, no bairro Tatuapé, em São Paulo. "Estava caminhando quando de repente um rapaz pulou na minha frente, esticou os olhos e começou a falar palavras enroladas, sem sentido algum, com a intenção de me ridicularizar por eu ser de origem asiática. Na hora fiquei assustado, a namorada dele pediu que parasse, mas ele continuou a me humilhar. Saí de lá e, quando cheguei em casa, comecei a chorar de nervoso", desabafa.

Em outro momento e ambiente, Akio não havia notado uma fila na casa lotérica e logo ouviu alguém gritar "Ô Japão, eu estava na sua frente, viu!". "Falei pra ele aprender a respeitar as pessoas, ele deu risada e saiu", relembra Akio. Ao ser atendido pela funcionária do estabelecimento, ele notou que ela tinha traços asiáticos também, mas usava maquiagem pesada e cabelos loiros. Foi quando ele teve a ideia de tingir os cabelos para ver se os ataques diminuiriam —e deu certo.

Faz quase um ano que Akio mudou o visual, e desde então raramente sofre xenofobia, segundo ele, até a pessoa assimilar que ele é um oriental, a piada já perdeu a graça. Assim como Sheng, ele também já foi chamado de "Corona" na rua.

Para as vítimas de xenofobia, as consequências podem ser graves, segundo a psiquiatra Milena Fonseca. Elas podem sofrer de sintomas de ansiedade, depressão e sintomas fóbicos, principalmente fobia social, agorafobia (fobia de estar em ambientes muito cheios ou fechados), e isso pode agravar bastante, trazendo consequências danosas para a saúde mental desses indivíduos, inclusive para a forma como eles vão se readaptar a um local totalmente novo.

Do ponto de vista de tratamento, além do acompanhamento psicológico, Fonseca ressalta o uso de medicamentos em relação aos sintomas apresentados pela vítima, se ela estiver muito ansiosa ou depressiva.

A vítima de xenofobia pode denunciar o caso ligando para o disque 100, registrando um Boletim de Ocorrência nas delegacias de polícia ou buscando auxílio na promotoria de justiça do Estado em que reside.

Fontes: Lucas Bifano, médico psiquiatra especialista em gestão da saúde com formação em psiquiatria e medicina da família e Comunidade pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); Leonardo Morelli, médico psicólogo diretor Instituto Milton H. Erickison Vale do Aço e que participou da implementação do serviço de Assistência ao Paciente Suicida junto ao Serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII (principal hospital público de Belo Horizonte, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, que operacionaliza o SUS em nível estadual); Milena Sabino Fonseca, médica psiquiatra da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.