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Ela venceu o câncer 2 vezes e agora é médica na UTI oncológica pediátrica

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Renata Turbiani

Colaboração para VivaBem

04/04/2021 04h00

Ser médica pediatra sempre foi o sonho da paraense Luana Dias e, aos 17 anos, ela começou a realizá-lo, quando foi aprovada em medicina na UFPA (Universidade Federal do Pará). Porém, ainda no primeiro ano do curso, um diagnóstico súbito e inesperado de câncer por pouco não a impediu de continuar.

Mesmo tendo de passar por duas cirurgias, a segunda por conta de uma recidiva da doença quando estava quase concluindo sua graduação, ela conseguiu finalizar os estudos. Hoje, aos 28 anos, Luana integra a equipe de pediatria intensiva do Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo e da Santa Casa de Misericórdia, ambos em Belém, e usa a sua história para inspirar seus pequenos pacientes e suas famílias. A seguir, ela conta um pouco de sua trajetória, relata como tem sido o seu trabalho durante a pandemia e revela que já foi contaminada pelo novo coronavírus duas vezes.

"Sempre desejei ser médica, e para cuidar de crianças. Cresci admirando o trabalho dos pediatras, queria ser como eles. Minha mãe acredita que, inconscientemente, escolhi essa profissão e, mais ainda, essa especialidade porque perdi uma irmã na infância. Ela teve uma cardiopatia (doença no coração) e faleceu aos oito meses de vida. Eu, na época, tinha três para quatro anos.

Aos 17 anos fui aprovada no vestibular para o curso de medicina na UFPA. Era meu sonho virando realidade, mas por pouco não tive de abandoná-lo. No final de julho de 2010, ainda no primeiro ano da faculdade, eu estava na academia e, ao olhar no espelho, notei algo diferente na minha perna, um volume na coxa esquerda.

Mostrei para algumas pessoas, mas, como era algo bem discreto, me disseram que estava normal e que todo mundo tem uma certa assimetria no corpo.

A cada dia que passava aquilo me parecia mais estranho e resolvi conversar com o fisioterapeuta da academia. Ele me aconselhou a procurar um médico. Fui e iniciamos a investigação. Num primeiro momento, como eu estava praticando atividade física, acharam que podia ser um hematoma. Mas não era.

Tumor já estava bem grande

A ressonância magnética mostrou que se tratava de um lipossarcoma, e o tumor já estava bem grande. A notícia foi um baque, inclusive porque não havia casos de câncer na família e por esse tipo da doença não ser comum em jovens.

Apesar disso, decidi me manter positiva. Costumo dizer que Deus nos dá o frio conforme o cobertor. Quem mais sofreu com tudo isso, com certeza, foi minha mãe.

A cirurgia aconteceu em pouco tempo, em dois meses, mais ou menos, e não precisei fazer nenhum tratamento posterior, apenas acompanhamento. Isso foi ótimo porque me permitiu continuar os estudos normalmente.

Só que, quando eu estava no quarto ano medicina, em 2014, a doença reincidiu. Fazia exames periodicamente —no começo a cada três meses e, depois, a cada seis—, e um deles indicou a volta do tumor, e no mesmo lugar.

Naquela hora bateu o desespero, e foi pior do que antes. Um milhão de coisas passaram pela minha cabeça, não queria ter que reviver tudo, mas depois pensei: se consegui enfrentar uma vez, vou conseguir de novo.

Passei por uma nova cirurgia e precisei fazer radioterapia. Foram 30 sessões, uma por dia, de segunda a sexta-feira. Tive de usar cadeira de rodas e muletas por um tempo. Foi um processo muito difícil e doloroso, física e emocionalmente.

Tive apoio para não trancar a faculdade

Luana Dias 2 - Comunicação Pró-Saúde - Comunicação Pró-Saúde
Imagem: Comunicação Pró-Saúde

Durante o tratamento, de manhã eu ia para as aulas e, à tarde, para a clínica fazer a aplicação. Optei, novamente, por não trancar a faculdade e tive o apoio de muita gente.

A UFPA elaborou uma série de estratégias para que eu não perdesse tantas matérias e nem aulas. Essa rede de apoio da reitoria, dos professores, dos colegas e, claro, da minha família, foi o que me deu forças e permitiu que me formasse no tempo certo.

Quando terminei o curso, me mudei para São Paulo, para fazer a especialização em pediatria no Hospital Infantil Darcy Vargas. Fiquei dois anos, mas a saudade de casa falou mais alto. Na volta à Belém, me subespecializei em UTI pediátrica. Hoje, integro as equipes de pediatria intensiva do Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo e da Santa Casa de Misericórdia.

Nunca me imaginei nessa área especificamente, mas a vida acabou me levando para esse caminho. E ele não é nada fácil, lido com o sofrimento diariamente e, querendo ou não, acabo revivendo alguns momentos dolorosos da minha história pessoal.

Por outro lado, como já fui paciente, e sei que um diagnóstico como o de câncer é avassalador, consigo me colocar verdadeiramente no lugar das crianças e de suas famílias.

Tento aliar conhecimento técnico com o que vivenciei

Acredito que nada acontece por acaso. Se passei por tudo aquilo lá atrás, certamente é porque precisava passar, era um aprendizado para poder estar onde estou neste exato momento. Com isso em mente, tento aliar no meu trabalho o que vivenciei com o conhecimento técnico que obtive.

É muito gratificante poder ajudar os outros. Uma das coisas mais bonitas da minha profissão é quando um paciente que estava no leito de morte consegue se recuperar e sair da UTI. Não há nada que pague esse momento. E algo muito especial que essa minha escolha me proporcionou foi trabalhar com a doutora Alayde Vieira, uma das médicas que participou do meu tratamento.

Ela foi meu espelho de dedicação e compromisso com o paciente e, durante um tempo, fizemos parte da mesma equipe no Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo. Sempre a admirei e dividir o mesmo espaço com ela foi uma honra e uma emoção enormes.

Alayde Vieira e Luana Dias - Comunicação Pró-Saúde - Comunicação Pró-Saúde
Alayde Vieira e Luana Dias: a médica participou do tratamento de câncer da jovem, e agora tiveram a chance de trabalhar juntas
Imagem: Comunicação Pró-Saúde

Vi muitas crianças em estado grave, é doloroso

Se o dia a dia na UTI pediátrica já não é fácil normalmente, com a pandemia ficou ainda pior. No começo, ninguém estava preparado para isso. Além do medo, cada dia vinha uma informação diferente sobre tratamentos e procedimentos. Foi um período de muito estresse.

A sobrecarga de trabalho também foi enorme nos primeiros meses. Todo mundo tinha que trabalhar por dois ou três, já que grande parte da equipe teve de ser afastada ou porque havia sido diagnosticada com covid-19 ou porque estava com suspeita.

Era muito angustiante estar ao lado de um enfermeiro ou fisioterapia em um dia e, no seguinte, receber a notícia de que ele estava doente, internado, intubado... Vivíamos uma apreensão constante.

Em maio de 2020, no auge da pandemia em Belém, quando os hospitais estavam lotados, aluguei um flat e saí de casa. Fiquei com medo de pegar o vírus e passar para os meus pais, irmãos e noivo. E ainda bem que tomei essa decisão, porque acabei pegando, e duas vezes. Na primeira, tive sintomas leves, parecidos com os de uma rinite. Em outubro, na reinfecção, perdi o paladar e o olfato.

Neste período todo, vi muitos casos de crianças em estado grave, isso é muito doloroso. Nos últimos meses, as pessoas têm vivido como se tudo estivesse controlado, resolvido, só que nos hospitais a realidade é outra. A covid-19 não acabou, pelo contrário. O coronavírus continua por aqui e não podemos descuidar, nem de nós e nem de nossas crianças."

O que é o lipossarcoma?

O lipossarcoma é um tumor derivado de células primitivas que sofrem diferenciação em tecido adiposo. Ele é considerado raro, sobretudo em crianças e adolescentes —estima-se que corresponda a menos de 1% de neoplasias em adultos, e seu pico de incidência é entre 40 e 60 anos.

Como explica Swene Marinho, oncopeadiatra do Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo, ele pode se originar em qualquer tecido mole do corpo, como músculo, tendão, gordura e ligamento.

"Nas crianças, não há uma causa definida para o seu surgimento, pois não existe o que chamamos de fator ambiental associado, como nos adultos. Alguns exemplos são consumo de álcool, tabagismo, exposição ao sol e a poluição e uso de hormônios. No geral, nos mais jovens, eles ocorrem devido a fatores genéticos mutacionais", diz a médica.

Os principais sinais do lipossarcoma são nódulos, inchaço e dor na região em que ele se localiza. O diagnóstico deve ser feito o mais precocemente possível, pois isso aumenta as chances de sucesso do tratamento, que envolve a retirada do tumor através de cirurgia e, caso necessário, a realização de sessões de quimioterapia e radioterapia.