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SP: médico acusado de enganar sobre correção peniana é proibido de atender

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Luiza Souto

De VivaBem, em São Paulo

22/01/2021 04h00

Luiz, 68, que pede para não ter sua identidade revelada, buscou em 2017 a ajuda de um urologista em São Paulo. Com a doença de Peyronie, caracterizada pela curvatura acentuada do pênis, não conseguia ter relações sexuais. Símbolo máximo da masculinidade, o pênis precisava voltar à sua performance. "A identificação do homem é o pênis. É como mexer no seio da mulher. Isso dá problema de cabeça", conta Luiz.

Após ver anúncios na internet, ele então procurou a ajuda do urologista Paulo Henrique Egydio, que prometeu não somente corrigir o problema como melhorar o desempenho sexual e aumentar o órgão. Feita a cirurgia, em 2017, ele se viu com uma prótese que deixava seu pênis permanentemente ereto logo depois. Como consequência, viu seu casamento ruir, passou a viver com crises de ansiedade, e não conseguia mais sair para trabalhar.

Acusado pelo Ministério Público de São Paulo de provocar danos no órgão sexual de pelo menos seis homens, o médico urologista Paulo Henrique Egydio, autor do livro "Como cuidar do seu melhor amigo", teve o exercício profissional proibido por seis meses, contados a partir de dezembro último.

A ação é preventiva e foi tomada pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) no dia 9 de dezembro de 2020. O médico diz que contestará seus acusadores na Justiça.

Urologista Paulo Henrique Egydio teve o exercício profissional interditado cautelarmente pelo Cremesp - Reprodução - Reprodução
O médico urologista Paulo Henrique Egydio teve o exercício profissional interditado cautelarmente pelo Cremesp
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Médico prometia corrigir, alongar e aumentar o diâmetro do pênis

Consta da investigação aberta pelo Cremesp, à qual VivaBem teve acesso, que Egydio empregava uma técnica de sua autoria sem chancela do CFM (Conselho Federal de Medicina) voltada para correção da doença de Peyronie —que, segundo a SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), acomete até 18% dos homens adultos.

Em casos mais graves, o órgão chega a formar um "L" devido a sua tortuosidade, e a doença pode levar à diminuição e estreitamento do pênis e à disfunção erétil. Geralmente ela é ocasionada por trauma durante a penetração e acomete homens na sua maioria acima dos 50.

Em seu site, Egydio oferece a técnica que leva seu nome, criada em 1998, e que ao contrário de outros procedimentos cirúrgicos, promete alongar e recuperar o tamanho e diâmetro do pênis, até o limite máximo dos nervos, vasos e uretra.

"Vai muito além do processo de desentortar o pênis", diz o texto no site do urologista. "O objetivo da técnica de expansão tecidual com incisões de relaxamento, além de alongar e igualar os dois lados do pênis para ficarem com a mesma elasticidade quando ereto, é possível, também, recuperar o pênis em seu tamanho original, e oferecer a largura e a firmeza necessária para a penetração."

Luiz, o paciente, conta que buscou ajuda do especialista, principalmente porque o médico "tem um marketing violento na internet". Egydio se anuncia como pioneiro na cirurgia de reconstrução peniana, prótese peniana e curvatura congênita, e diz possuir patentes nos EUA e na Europa.

Na consulta, o médico recomendou a colocação de uma prótese maleável. O material é feito de silicone sólido amoldável que envolve uma liga metálica e permite que a prótese seja posicionada de acordo com a preferência do paciente.

"Ele me recomendou essa prótese por ser um procedimento mais rápido. E caí nas garras dele. Gastei mais de R$ 60 mil, fora a dor no pós-operatório. Esse cara é um psicopata", descreve. "Tive crise de ansiedade e fui parar no psiquiatra. Você fica completamente desestruturado. Consegui parar para ver um filme depois de oito meses. E minha mulher me abandonou. Claro que havia outros motivos, mas esse foi a gota d'água."

Com a ajuda de outro especialista, o paciente conseguiu reverter o problema, e colocou uma prótese inflável, composto por cilindros de silicone como se fossem balões no formato dos corpos cavernosos. Mas diz que sabe de outras vítimas, algumas chegaram a perder completamente a sensibilidade da região ou que não conseguiram reverter o problema da ereção permanente.

Médico fazia ao menos duas cirurgias por semana

No parecer, o Cremesp informa que, apesar de patenteada, a técnica desenvolvida pelo médico não é ainda um procedimento urológico consagrado e reconhecido na comunidade médica nacional e internacional.

"[Egydio] o faz de forma usual e corriqueira em sua clínica e nos hospitais em que opera pelo menos de 2 a 3 vezes por semana, e anuncia a técnica como sendo de alta credibilidade que corrige a curvatura peniana, recupera calibre e tamanho do pênis, referindo que sua técnica é 'essencial' nesses casos, além de promessa de resultados no campo sexual", diz a investigação que levou à sua interdição profissional.

Um dos pacientes ouvidos na investigação do Cremesp alega que sua prática lhe causou dano físico e psicológico, com prejuízo ao funcionamento do pênis, e que foi induzido a acreditar nessa cirurgia por propaganda enganosa e sensacionalista. Luiz também critica: "Ninguém recomenda fazer terapia antes do procedimento, como fazem na cirurgia bariátrica. Eu me saí até que muito bem, mas quantos homens não devem estar sofrendo?"

Procurado para dar mais detalhes sobre sua decisão, o Cremesp informa que as informações envolvendo sindicâncias e processos ético-profissionais tramitam sob sigilo determinado por lei.

"Não podemos prometer o aumento peniano"

Eduardo Bertero e Bruno Nascimento, urologistas representantes da ABEMSS (Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual), dizem que apenas 30% dos homens acometidos pela doença vão precisar de uma cirurgia, e que a maioria conseguirá conviver com a curvatura.

Se precisar realizar o procedimento, explica Bertero, o especialista vai decidir o material e o método junto ao paciente, de acordo com sua expectativa. O procedimento, claro, precisa ser chancelado pelo CFM, e o homem acometido da doença tem que estar ciente de todas as consequências. O que não entra nessa conversa, os dois decretam, é a promessa do aumento do pênis.

"O encurtamento do pênis também é uma das queixas mais frequentes por quem tem a doença. De maneira geral, quando o caso é grave, sempre falo que vou tentar deixar reto, colocar implante, mas muito provavelmente não vou conseguir a dimensão que o pênis tinha. Se hoje ele está com 11 cm, se conseguir 12 cm ou 13 cm é um avanço", descreve.

"Mesmo técnicas de tentativa de recuperação (do tamanho) envolvem riscos específicos, que são a disfunção erétil e perda de sensibilidade. Mas não podemos prometer o aumento peniano. O que posso prometer é que o pênis do paciente vai ficar funcional. Sou muito claro: 'não vai voltar ao que era antes'", enfatiza Bertero, especialista em Peyronie pela Universidade de Boston (EUA).

Os profissionais não quiseram comentar o método de Egydio, mas ressaltaram que existem diversas cirurgias para tratar a doença mundo afora, e a credibilidade de cada método se conquista quando a técnica é reproduzida pelo planeta.

"A gente usa técnicas já publicadas. Quando há uma mudança, é preciso ter protocolos, estudos publicados disponíveis para outros urologistas", resume Nascimento, especialista pela USP (Universidade de São Paulo).

Preparo psicológico é importante

Em artigo publicado no UOL, Jairo Bouer, psiquiatra especialista em sexualidade e colunista de VivaBem, conta que recebe muitas perguntas quanto a métodos eficazes para aumento do pênis, e alerta que as evidências indicam que o índice de complicações possíveis, como fibrose, disfunção erétil e até infecções graves, é muito alto.

Em conversa com VivaBem, ele observa que a relação do homem com o pênis, e como ele o enxerga —se acha que é muito pequeno, torto, ou tem o formato que acredita não ser o ideal— pode impactar na sua autoestima a tal ponto de muitas vezes ele apresentar um quadro ansioso ou depressivo.

"E quando se pega alguém muito fragilizado do ponto de vista da autoestima, ou do desempenho sexual, essa pessoa é capaz de ir a qualquer ponto. Muitas vezes é nessa brecha onde são oferecidas muitas técnicas que não foram cientificamente testadas nem tem respaldo da sociedade médica", ele frisa.

Por isso, ele atenta, é importante procurar um especialista em saúde mental para passar por uma avaliação antes de qualquer cirurgia e entender eventuais riscos que qualquer técnica cirúrgica pode trazer:

"Quando nos procuram sobre a questão do tamanho de pênis, a gente fala que não tem técnica confiável para aumentá-lo, e que toda técnica tem que ser chancelada pelo meio científico, porque você está mexendo com a autoestima da pessoa."

Justiça julgará processo no início de fevereiro

Além da investigação no Conselho, Egydio foi denunciado à Justiça pelo Ministério Público em 2019 por falsidade ideológica e propaganda enganosa, por causar danos a homens portadores de moléstias sexuais penianas e, entre outras promessas, dar bons resultados no campo sexual.

Consta do processo que ele promoveu publicidade que sabe ou deveria saber enganosa e abusiva, ao recomendar cirurgias de correção da curvatura peniana com implantação de prótese semirrígida (ou maleável) a pacientes, sem que houvesse perda de sensibilidade da função reprodutiva, causando danos às vítimas.

Procurado, o MP diz que recebeu denúncias de vítimas e que elas estão em análise da Justiça. Diz ainda que não pode dar mais informações porque o processo está em segredo de Justiça. O recurso será julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no dia 3 de fevereiro deste ano.

Outro lado

Por meio de nota, a defesa de Egydio diz que "os atos administrativos que tramitam nos Conselhos Regionais e Federal de Medicina cursam sob dever de sigilo a todas as partes envolvidas". Ela afirma que em 2011 o mesmo Cremesp deu parecer afirmando que o procedimento do urologista "é uma modificação de uma técnica cirúrgica já consagrada mundialmente, e sua contribuição no aprimoramento desta técnica é reconhecida e incorporada na estatística de correção de Peyronie".

Por telefone, a assessoria de imprensa do médico afirma que a decisão do Cremesp "é apenas técnica", em que o profissional não pode expor elementos que provam a sua inocência. Avisa ainda que ele contestará seus acusadores na Justiça, além de recorrer da decisão do órgão no CFM.

"Queremos entender por que estão fazendo isso com um profissional de mais de 20 anos de carreira, se a própria Justiça já entendeu que não havia o mínimo de elementos para aceitar a denúncia do Ministério Público. A vida dele está devastada."

A Sociedade Brasileira de Urologia diz que não recebeu nenhuma denúncia formal em relação ao urologista, mas informa, por email, que não tem o poder de fiscalização e cerceamento do exercício da medicina. E que eventuais denúncias recebidas que tenham por objeto infrações ao Código de Ética Médica cometidas por seus associados serão levadas a conhecimento dos Conselhos Regionais de Medicina.

"Mas caso um associado seja condenado por decisão judicial, haverá aplicação de penalidade que poderá variar entre a simples advertência, até a expulsão do quadro associativo", diz a entidade.

"Ele não é menos homem pela dificuldade de penetração"

Alexandre Saadeh, psiquiatra coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, ensina que a relação com o pênis é muito importante, cultivada pelos homens individualmente, e socioculturalmente estimulada.

"O tamanho, a grossura, se tem ereção, se ejacula longe, isso desde a infância e adolescência vai te caracterizando, e você cria uma noção da sua masculinidade pela funcionalidade do pênis."

E a melhor maneira para a mulher conseguir ajudar o parceiro com um problema sexual, ele ensina, é falar que está ali junto com ele, além de incentivá-lo a procurar ajuda médica. "Em alguns casos graves, a reversão é muito difícil. Aí o homem vai se sentir muito menos homem", alerta.

"Cabe à mulher, que conhece seu prazer, estimular esse cara, já que a penetração será quase impossível, usar brinquedos, a língua, o dedo, mostrar para ele que continua ativo, que ele consegue algumas coisas com outros estímulos. Ele não é menos homem pela dificuldade de penetração."