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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Vamos falar sobre morte? Tema é importante, principalmente na pandemia

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Priscila Carvalho

Do VivaBem, em São Paulo

04/11/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Há resistência em falar sobre a morte, mas fugir é nocivo, contribuindo até para a piora da saúde mental
  • Discutir o assunto faz com que você trabalhe ainda mais o sentimento e esteja preparado para a perda em algum momento da vida
  • Entender a finitude, entretanto, não é negar os sentimentos ou não vivenciar o luto

Nem todo mundo se sente confortável para falar sobre a morte. Além das crenças populares dizerem que o tema dá azar, obviamente ninguém gosta de perder alguém e é dolorido tocar no assunto. Mas do mesmo jeito que gostamos de falar da vida, é fundamental ter uma educação sobre a perda e saber discutir o tema.

"Em uma sociedade em que a pauta é definida pela suficiência, e as tristezas e impotências são vividas como doenças, é fundamental ter essa discussão. Pensar somente no aspecto da vida foge da realidade", diz Maria Cristina Guarnieri, psicóloga clínica e autora do livro Do Fim ao Começo Falando Sobre Perdas, Luto e Morte.

Discutir o assunto faz com que você trabalhe ainda mais o sentimento e esteja preparado para a perda em algum momento da vida. Muitas vezes, as pessoas sofrem muito por não saberem falar da morte e, quando são surpreendidas pela perda de um ente querido, sentem-se desnorteadas.

"A morte é algo que não controlamos e que nos leva para um lugar desconhecido, por isso ainda há uma certa resistência em falar dela. Mas fugir é nocivo, contribuindo até para a piora da saúde mental", diz Valeria Tinoco, psicóloga especialista em luto, sócia-fundadora do Instituto Quatro Estações de Psicologia.

A especialista explica que, se o indivíduo aprende que não pode falar sobre o assunto, no momento em que realmente precisa, pode evitar procurar ajuda e provocar uma reclusão e isolamento ainda maior.

Olhar para o tema ao longo da vida também ajuda no desenvolvimento de sentimentos individuais e na maior compreensão de si mesmo e dos outros. "Se você sabe o quanto algo dói, é mais fácil desenvolver o processo de superação e até desenvolver a empatia em relação aos outros", diz Guarnieri.

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Relação com a finitude

Em 2018, um estudo encomendado pelo Sincep (Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil) e realizado pelo Studio Ideias mapeou a percepção de brasileiros sobre o tema. Os resultados mostraram que 74% das pessoas não falam sobre a morte no cotidiano; falar sobre o tema foi visto como algo depressivo (48%) e mórbido (28%).

Entretanto, mais da metade (55%) dos participantes concordaram que "é importante conversar sobre a morte, mas as pessoas geralmente não estão preparadas para ouvir". Para 57% o tema pertence à esfera da intimidade e apontou amigos e parentes próximos como pessoas mais procuradas para conversar sobre isso.

Em uma entrevista à BBC naquele ano, Gisela Adissi, estudiosa do tema e presidente do Sincep, disse que as condições da modernidade favoreceram o afastamento do assunto das casas dos brasileiros: "É um dado mundial que historicamente nos afastamos da morte com a hospitalização. Antigamente, o doente ficava em casa, recebia visitas ali. Hoje, os hospitais são uma baita negação da morte: tem horário de visita, convívio limitado, a mediação da tecnologia. O que se faz quando morre alguém no hospital? Onde fica o necrotério? Lá na garagem, do lado da lavanderia".

Com a pandemia, então, piorou. É mais difícil fazer uma cerimônia de despedida e velar da forma tradicional algum familiar. Por isso, muitas vezes, a aceitação da morte e o processo de luto se tornam ainda mais difíceis.

Segundo as especialistas, é fundamental concretizar a perda para entender o processo do fim da vida. "Muitas vezes é bem mais difícil entender o fim, se não vê o corpo da pessoa ou se não consegue se despedir. Por isso é importante fazer um ritual com ela mesma, para finalizar esse processo", sugere Tinoco.

Embora a discussão sobre a morte seja tão importante, a perda de alguém que se ama é bem dolorida. Entender a finitude, entretanto, não é negar os sentimentos ou não vivenciar o luto. Também não é saudável dizer para alguém, em um momento de tristeza, que é preciso entender que o fim da vida é um processo natural.

O ideal é respeitar a dor daquele indivíduo no momento e tentar confortá-lo ao máximo. O diferencial é tratar do tema sem a necessidade de um acontecimento do tipo. Falar, por exemplo, o que algum familiar próximo gostaria de receber ao morrer, saber suas escolhas, como se quer ser cremado, enterrado ao lado de alguém, se deseja doar os órgãos. Apesar de parecer mórbido, é uma maneira de fazer o tema presente.

Todos podemos nos beneficiar aprendendo a como reagir ao luto de uma forma que não o prolongue, intensifique ou rejeite a dor.