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Encontrados genes que podem gerar resposta imune à covid na América do Sul

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Imagem: iStock

Júlio Bernardes

Do Jornal da USP

24/09/2020 04h00

Para desenvolver diagnósticos e vacinas que detectem e previnam a covid-19, cientistas pesquisam a presença dos genes HLA, que expõem o vírus para as células de defesa do corpo, em populações de todo o mundo. Havia poucos registros da América do Sul e, por essa razão, uma pesquisa internacional com participação da FMVZ (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia) da USP (Universidade de São Paulo) levantou informações genéticas da população sul-americana para ampliar a base de dados sobre os genes. A partir desse levantamento, o estudo apontou as partes do vírus com mais chances de serem identificados pelos genes HLA, o que será essencial na criação de kits de diagnóstico e vacinas específicas para uso na região.

Os genes HLA (sigla em inglês para antígeno leucocitário humano) expressam proteínas nas superfícies das células humanas que reconhecem e exibem as proteínas (antígenos) dos patógenos para as células do sistema imune, processo conhecido como "apresentação de antígenos". "Ele permite que células de defesa como os linfócitos T possam eliminar as células infectadas pelos patógenos como, por exemplo, o vírus da covid-19", conta ao Jornal da USP o geneticista e biotecnólogo Ruy Diego Chacón, pesquisador da FMVZ que participou do estudo. "Ao mesmo tempo, também acontece a ativação de outras importantes células de defesa, os linfócitos B, a produção de anticorpos capazes de neutralizar o vírus e ainda a geração da memória imunológica, que aumentaria a resposta imune frente a novas infecções pelo vírus."

De acordo com o pesquisador, a base de dados sobre os genes HLA mais usada no mundo, a Allele Frequency Net Database, possui pouca informação sobre a América do Sul. "Para atender essa limitação, fizemos um levantamento de mais de 2.000 estudos genéticos e geramos informações atualizadas e mais representativas sobre as variações dos genes mais comuns nos países da região", destaca. "Conseguimos atualizar os registros em mais de 12 milhões de dados novos, principalmente no caso do Brasil, onde o incremento foi de aproximadamente 2.300 vezes."

As informações reunidas na pesquisa foram usadas para identificar, por meio de técnicas computacionais, os potenciais epítopos imunogênicos nas proteínas do novo coronavírus (SARS-CoV-2) mais afins às variantes dos genes HLA existentes na América do Sul. "Os epítopos, também chamados de determinantes antigênicos, são pequenas partes dos antígenos (vírus, por exemplo), com potencial de ativar a resposta imune", ressalta Chacón. "Os epítopos se ligam às células e também aos anticorpos, capacidade que é aproveitada para o desenvolvimento de kits de diagnóstico sorológico, que indicam a exposição da pessoa ao vírus e de vacinas de nova geração."

Testes e vacinas

O pesquisador aponta que, por meio de processos biotecnológicos, é possível produzi-los em larga escala, de forma segura e barata. "Atualmente, estão em teste mais de dez vacinas baseadas em epítopos para combater a covid-19", destaca. "Entre elas está a EpiVacCorona, desenvolvida na Rússia, cujos testes se encontram no momento nas fases clínicas 1 e 2", destaca. Essas fases correspondem aos estudos com pessoas saudáveis e portadores da doença, em grupos pequenos (20 a 100 pessoas). No momento, as vacinas mais adiantadas, como a desenvolvida no Reino Unido pela Universidade de Oxford, está na fase 3 (estudo com grupos maiores, de até 10 mil pessoas, em diversas regiões do mundo).

Segundo Chacón, os genes HLA são altamente variáveis, com mais de 22 mil tipos conhecidos na espécie humana, e a composição deles em cada população é diferente. "Cada tipo de HLA apresenta afinidade por determinados epítopos", afirma. "Desta forma, conhecer os alelos mais frequentes nas pessoas de uma região permite também predizer e conhecer quais seriam os melhores epítopos que poderiam gerar uma resposta imune mais eficiente nessas pessoas."

A pesquisa identificou epítopos que seriam capazes de ser reconhecidos por 100% dos tipos de genes HLA mais frequentes na América do Sul. "Eles podem ser usados para o desenvolvimento de kits de diagnóstico e vacinas epitópicas contra a covid-19 específicas para a região", observa Chacón ao Jornal da USP.

"Os resultados do trabalho podem auxiliar outros estudos que vêm sendo conduzidos para entender melhor a relação entre os genes HLA e a suscetibilidade à covid-19, explicar por que algumas pessoas apresentam menor ou maior severidade da doença."

As informações genéticas reunidas pelo estudo poderão contribuir ainda com pesquisas sobre doenças infecciosas, além de doenças endêmicas, autoimunes e câncer. "Já se sabe que o tipo de HLA pode influenciar a resposta da pessoa frente a essas doenças", conclui o pesquisador.

A pesquisa foi realizada por David Requena , da The Rockefeller University (Estados Unidos), Aldhair Médico, da Universidad Peruana Cayetano Heredia (Peru), Ruy Diego Chacón , Manuel Ramírez e Obert Marín-Sánchez, da Universidad Nacional Mayor de San Marcos (Peru).

Os resultados do trabalho são descritos no artigo Identification of Novel Candidate Epitopes on SARS-CoV-2 Proteins for South America: A Review of HLA Frequencies by Country, publicado no site da revista Frontiers in Immunology em 3 de setembro.

Genes HLA da América do Sul e frequências alélicas ponderadas (WAFs)

Genes HLA da América do Sul e frequências alélicas ponderadas (WAFs) - Reprodução - Reprodução
No gráfico acima, são mostrados os tipos de genes HLA mais comuns em cada um dos países da América do Sul; Brasil é o país que teve maior número de pessoas que tiveram as informações genéticas analisadas, seguido por Colômbia, Argentina, Chile, Peru e Equador; dados serão usados em estudos sobre as diferenças na severidade dos casos de covid-19
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