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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Testes rápidos de DNA varrem mutações em genes, mas requerem cautela

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Imagem: iStock

Bárbara Paludeti

De VivaBem, em São Paulo

01/09/2020 04h00

Aposto que você já viu alguma propaganda por aí de teste rápido de DNA que promete mapear os seus genes à procura de sua origem, de alterações genéticas que aumentam o risco para determinadas doenças e até de uma dieta que combinaria melhor com o seu organismo.

A genética tem um quê de mistério e, normalmente, o médico geneticista só é procurado quando há alguma questão de saúde já presente que precisa ser investigada. O aconselhamento genético —que seria uma consulta para esclarecer e tomar alguma decisão para pessoas que possam sofrer algum risco ou portar uma condição genética— é bem pouco conhecido pela população.

Não é para menos, o número de médicos geneticistas no Brasil é baixo e eles não conseguem absorver a demanda por esse tipo de serviço. Além de ser algo inacessível para a maioria das pessoas. Segundo dados publicados na pesquisa Demografia Médica 2018, o Brasil tem apenas 305 geneticistas contra 39.234 pediatras —a segunda maior especialidade médica.

Proposta de autoconhecimento

Resultados de teste de DNA - Reprodução - Reprodução
Os meus resultados não mostraram nenhuma mutação genética que predispõe a nove doenças
Imagem: Reprodução

David Schlesinger, neurologista, doutor em genética pela USP (Universidade de São Paulo) e CEO do meuDNA, afirma que os testes rápidos de DNA têm a proposta de levar autoconhecimento sobre a própria saúde aos indivíduos. "Genética não é destino. Podemos mudar essa trajetória, esse caminho", afirma.

O teste meuDNA Saúde rastreia mutações que podem predispor a nove doenças: cânceres de mama, ovário, próstata, colorretal, de pele melanoma e endométrio, além de triglicerídeos alto, colesterol alto e doença de Wilson.

Ao saber precocemente que possui mais chances de desenvolver câncer de mama, a pessoa pode, por exemplo, diminuir o intervalo das consultas de prevenção e até avaliar com seu médico de confiança possibilidades de prevenção válidas para o seu caso. Lembra quando a atriz Angelina Jolie fez uma mastectomia dupla?

"A gente sequencia os 20 mil genes da pessoa. É a acessibilidade de conhecer o seu genoma em detalhes. Quando a gente faz isso, abre-se um leque de utilidade, que vai trazer um benefício para aquela pessoa, e vem de saber que você pode ter um alto risco de ter colesterol elevado e, portanto, de ter um infarto. E não estamos falando para a pessoa pegar o resultado do teste e ir até a farmácia comprar um medicamento, de jeito nenhum. Queremos trazer informação de relevância para a vida e a saúde das pessoas", explica Schlesinger.

No teste em questão, o DNA é analisado através da tecnologia de Exoma, que faz um sequenciamento completo dos genes. Por meio de inteligência artificial e bioinformática, as informações são comparadas com tudo o que já existe nos bancos de dados genéticos para identificar as variações que podem aumentar o risco de desenvolvimento de doenças. No caso de câncer de mama e ovário, por exemplo, o teste analisa todas as 15 mil letras dos genes BRCA1 e BRCA2, para identificar eventuais alterações genéticas associadas à doença.

Schlesinger explica que as técnicas laboratoriais tanto do teste genético rápido quanto do feito em laboratório são as mesmas. "Em um exame diagnóstico você tem uma pergunta clínica. Por exemplo, um histórico familiar forte de câncer, será que existe uma causa genética? E aí um médico especialista dentro do laboratório vai analisar e fazer um laudo. Nesses testes direto ao consumidor, a gente não parte de um problema, muitas vezes partimos de uma busca por mais informação, e até uma curiosidade ancestral ou de saúde", afirma.

Mas é bom reforçar novamente: esses testes procuram informações em seus genes que mostram que você tem maior probabilidade de ter uma doença específica por alguma mutação genética, mas eles não podem garantir que você vai tê-las. Eles não podem nem mesmo dizer quais são suas chances. Outras coisas, como seu estilo de vida, hábitos e local em que vive, também afetam (e muito) o risco de desenvolver certas doenças.

"De forma geral, entendo que os testes genéticos que avaliam riscos para o desenvolvimento de doenças devem ser sempre indicados mediante avaliação por um médico geneticista, para que seja verificada a indicação clínica e a melhor técnica a ser utilizada", opina Diogo Cordeiro de Queiroz Soares, geneticista dos hospitais Sírio-Libanês e A.C. Camargo, de SP, e do Real Hospital Português, em PE, diretor de relacionamento da SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica) e pesquisador da unidade de genética do HC da USP (Universidade de São Paulo).

E para dieta e aptidão física?

Teste de DNA 1 - Bárbara Paludeti/UOL - Bárbara Paludeti/UOL
É só esfregar esse cotonete na bochecha e remeter via Correio
Imagem: Bárbara Paludeti/UOL

Alguns testes do mercado vão além e prometem mapear o seu DNA para descobrir como ter uma alimentação mais adequada e personalizada ao seu metabolismo, ou de ajudá-lo a alcançar o máximo desempenho nos exercícios físicos e evitar lesões. Outras promessas perpassam por conhecer melhor a sua pele, saber se tem tendência a calvície, a ter mais cera de ouvido ou habilidade matemática.

"A verdade é que a grande maioria desses testes não tem evidência científica comprovada, além de possuírem alta probabilidade de resultados falso-positivos e falso-negativos, o que pode levar a uma orientação nutricional e/ou esportiva equivocada, levando a um comprometimento da saúde do indivíduo. Nesse sentido, inclusive, o FDA (órgão regulador dos EUA) suspendeu alguns testes genéticos diretos ao consumidor, pois ainda observa os riscos e benefícios e potenciais malefícios desse tipo de teste", ressalta Soares.

Por isso, atenção: não há estudo científico robusto e confiável que demonstre que testes genéticos podem fornecer informações úteis para a escolha de uma dieta ou do melhor tipo de exercício para você. "Teste de nutrigenética tem quase a mesma validade que um horóscopo, não dá para pautar decisões importantes da vida por ele", brinca David Schlesinger.

Ancestralidade

Teste de ancestralidade - Reprodução - Reprodução
O meu teste de ancestralidade mostrou que sou 94% europeia, sendo 27% do norte da Itália. Faz sentido pelo meu sobrenome, né? Foi ali mesmo que meu bisavô nasceu
Imagem: Reprodução

A maior parte dos testes disponíveis no mercado também propõe identificar as variações genéticas espalhadas pelo DNA de cada pessoa e as compara com as variações características de diferentes povos catalogadas em diversas bases de dados mundiais públicas e privadas.

"Saber sua ancestralidade não muda quem você é, mas te conta sobre quem seus antepassados foram. Ainda mais aqui no Brasil, que teve uma população trazida à força da África, e que se misturou com europeus e indígenas", afirma Schlesinger.

No teste do meuDNA são consideradas 88 populações ao redor do mundo. É uma possibilidade de voltar e saber de onde vieram os antepassados até oito gerações atrás, o equivalente aos bisavós dos tataravós.

É caro?

Numa rápida pesquisa no Google você consegue encontrar diversas empresas que disponibilizam testes rápidos de DNA, com valores variando entre R$ 400 e R$ 1.200, dependendo da proposta —quanto mais amplo o estudo, mais caro o teste.

Não estamos falando de algo acessível a grande parte da população, mas quando Steve Jobs, cofundador da Apple, sequenciou seu DNA para tentar mapear possíveis tratamentos contra um câncer de pâncreas contra o qual lutava há anos, ele pagou US$ 100 mil.

Teste rápido de DNA - Bárbara Paludeti/UOL - Bárbara Paludeti/UOL
O kit para coleta do seu DNA chega exatamente desse jeito
Imagem: Bárbara Paludeti/UOL

De acordo com o biógrafo do empresário, Walter Isaacson, o mapeamento permitiu que os médicos personalizassem seu tratamento medicamentoso —uma área conhecida como farmacogenética.

"A maior disponibilidade de tecnologia barateou todo o processo e também gerou um aumento exponencial de conhecimento que abre muitas oportunidades para que as pessoas se conheçam biologicamente", conta Cesário Martins, engenheiro da computação e diretor do meuDNA.

À venda via site, o usuário recebe em casa tudo o que precisa para fazer, por conta própria, a coleta do DNA pela saliva, com o cotonete apropriado. Após essas etapas, ele envia o kit ao laboratório via Correio. Em cerca de seis semanas, recebe o email para acessar os resultados.

Segurança dos dados

Esse tipo de teste não requer regulação de órgãos do governo porque não faz diagnóstico, mas está sujeito a controle, já que mexe com dados pessoais sensíveis.

"O meuDNA, apesar de ter 1 ano como empresa, pertence à Mendelics, primeiro laboratório genômico do Brasil, que existe há 12 anos. Em razão disso, já nascemos enquadrados no que prega hoje a LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados]: as informações genéticas presentes em nosso banco de dados são de propriedade do usuário, que possui o total controle sobre seu uso e só o usuário pode decidir o que quer fazer com eles", explica Martins. "Os dados biológicos são criptografados e ficam sob três camadas de segurança, para ficarem super seguros na nuvem".

De qualquer forma, vale ficar muito atento ao fazer seu cadastro no site e concordar com qualquer coisa quando for submeter o seu teste: leia as letras miúdas. "O dado é seu, a gente recomenda que você compartilhe com pessoas relevantes: sua família e seu médico, mas se você quiser colocar num banco de dados público para procurar parentes, ele é seu, mas nós não vamos fazer isso", garante Schlesinger.

Em seu site, a SBMG se posiciona a respeito desse tipo de teste: "O alerta dos médicos é que presunções equivocadas podem acarretar em prejuízo a saúde física e mental de pacientes. A SBGM recomenda que sempre seja buscado um médico e/ou profissional da saúde capacitado, antes de realizar esse tipo de procedimento, para receber as recomendações e esclarecimentos necessários".