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Já ouviu falar em anorexia emocional? Acomete pessoas que têm medo de afeto

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Roseane Santos

Colaboração para o VivaBem

10/08/2020 04h00

Já ouviu falar em anorexia emocional? Apesar de não ser um transtorno oficial -não é reconhecido pelo DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) — é um problema conhecido em salas de grupos de autoajuda. Eles costumam denominar assim pessoas que não conseguem estabelecer vínculos afetivos.

Um exemplo é a história do promotor de vendas, Nelson Matias, 56 anos, que diz que as questões sexual e afetiva o incomodam desde a infância. Sem ter nenhum relacionamento (amoroso ou sexual) há 23 anos, ele fala que chegou a ter uma paixão durante nove anos e sua amada sempre o rejeitava. Certa vez, viajaram juntos para um evento e ela resolveu dar uma chance. O interesse dele acabou nesse momento. "Nunca casei e nem tive um namoro longo. Quando tinha uns 18 anos, fiquei com uma menina por uns nove meses, mas não posso falar que foi algo sério. Normalmente, minhas paqueras duravam uns dois meses no máximo. Só que de um tempo para cá, não consigo ficar mais com ninguém", diz ele.

Paulo Tessarioli, psicólogo e presidente da Abrasex (Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e Terapia Sexual), explica que a anorexia emocional ou sexual é compreendida a partir da reação típica de "nojo" em relação ao movimento de dar ou receber "alimentação" em forma de amor ou contato físico. "Em outras palavras é a rejeição em nutrir-se com relacionamentos afetivos e/ou sexuais, por esse motivo é que se utiliza o termo 'anorexia', situação observada na negação por alimento na anorexia nervosa", esclarece.

Anorexia emocional - moça incerta sobre parceiro - iStock - iStock
Pessoas com anorexia emocional costumam sofrer por não perderem oportunidade de formar vínculos afetivos nutritivos
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O problema é que assim como quem tem anorexia nervosa perde nutrientes importantes para o corpo se manter e sustentar, pessoas com anorexia emocional também perdem a oportunidade de construir vínculos que podem ser importantes para sua saúde psíquica. Por isso é que essas pessoas acabam buscando ajuda em grupos de autoajuda sobre amor e relacionamentos.

A psiquiatra e psicoterapeuta Elizabeth Zamerul, mestre em psiquiatria pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que é comum os "anoréxicos emocionais" buscarem situações que os impeçam de construir um relacionamento mais sólido e duradouro. Geralmente se sentem atraídos por pessoas casadas, que moram muito longe (até em outro país) ou que deixam bem claro que são indisponíveis (saíram de um compromisso recente, etc).

Eles ficam, mas não aprofundam para um nível de maior intimidade. Nesse quadro podem estar os sedutores compulsivos, que desaparecem ao sentirem que conquistaram o outro. O importante é buscar suprir a necessidade de algum afeto por alguns momentos, mas sem o risco "de se prender" a alguémElizabeth Zamerul, psiquiatra

Segundo Tessarioli muitas vezes a compulsão sexual se apresenta como um sintoma da anorexia emocional. "Uma vez que a educação sexual falha, outras causas como abusos e baixa autoestima podem prejudicar o desenvolvimento afetivo, gerando uma forma estereotipada de se relacionar sexualmente", diz. A referência do especialista remete a um ditado popular que muitos falam sobre envolvimentos amorosos: "Quem têm vários, na verdade, não tem nenhum".

Como a anorexia emocional surge?

Zamerul cita um estudioso que é autoridade no tema relacionamentos afetivos, o psicólogo americano Ross Rosenberg. Ele diz que a anorexia emocional ocorre quando a pessoa já sofreu muito em relacionamentos anteriores e desiste de se relacionar, para interromper a dor emocional que pode ser provocada por essas relações. Segundo Rosenberg, isso funciona como um mecanismo de defesa psicológico para prevenir mais sofrimento. O grupo DASA (Dependentes de Amor e Sexo Anônimos) conceitua a anorexia emocional como sendo a rejeição compulsiva de dar e receber nutrição social, sexual e emocional.

Como ainda não existem estudos científicos sobre o assunto, Zamerul fala usando suas observações na prática clínica. "Esse fenômeno está relacionado a traumas, que geralmente ocorrem desde a infância, com a família de origem e podem continuar através de relacionamentos disfuncionais na adolescência e vida adulta", diz. Ela acrescenta que possivelmente também pode ocorrer depois de acontecimento traumático já na fase madura, como um namoro com violência psicológica, moral, física ou perda patrimonial.

Mundo virtual estimula comportamento

Anorexia emocional - homem recusando beijo - iStock - iStock
O mais comum é que os homens apresentem um comportamento mais conquistador, enquanto as mulheres se envolvem em padrões de relacionamento mais difíceis, como se atrair pessoas comprometidas ou indisponíveis
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Nelson acredita que a modernidade do mundo virtual, com vários sites de relacionamento e aplicativos, acabou se tornando um recurso para quem foge dos relacionamentos reais. " Para quem tem esse padrão, a internet multiplicou isso por dez mil. É parecido com uma dependência química", diz o vendedor. Tessariolli considera que não se pode colocar na internet o peso dos transtornos causados pela anorexia emocional.

"Vivemos em uma sociedade onde o sexo é tido como essencial, um poderoso elixir para combater diversos males ou dissabores da vida, mas ao mesmo tempo ele é visto com desconfiança, gerando medo e até traumas. Essa relação dicotômica com o sexo gera alguns sintomas. Um deles é o uso e abuso das novas tecnologias que podem conferir aos seus usuários uma sensação de proteção contra possíveis frustrações típicas do relacionamento pessoal", diz.

A anorexia emocional costuma ser tratada com a psicoterapia, em que serão trabalhados os traumas da infância e da vida adulta. Existe também a possibilidade de grupos de mútua ajuda como o já citado DASA, o MADA (Mulheres que Amam Demais Anônimas), o CODA (Codependentes Anônimos). Esse tipo de grupo pode servir como apoio, mas não substituem o serviço de profissionais especializados. Caso a pessoa apresente quadros de ansiedade ou depressão associadas à anorexia emocional é necessária a ajuda de um psiquiatra.