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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Síndrome da cabana: isolamento pode causar medo excessivo de sair de casa

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Imagem: iStock

Luciana Borges

Colaboração para o VivaBem

15/07/2020 04h00

"Estou 100% pronta pra não sair de casa até agosto", diz a jornalista mineira Lucila Longo. Na semana passada, ela precisou deixar o apartamento onde mora com seus dois gatos, no bairro do Brooklin, zona sul de São Paulo, para ir por algumas horas a uma consulta de rotina. A tarefa deveria ser algo simples, mas a experiência gerou um estresse enorme para ela. "Esse dia que eu saí para ir ao médico foi horrível para mim. Entrei no carro já desesperada, carregando álcool em gel, máscara, prendi o cabelo. Olhava as pessoas nas ruas levando vida normal, conversando no bar, como se nada estivesse acontecendo. Era desesperador", conta ela.

Talvez você tenha se identificado um pouco com essa situação pela qual a jornalista de 34 anos passou porque, ao contrário do que possa parecer, nem todo mundo está confortável com a diminuição nas restrições de isolamento por causa da pandemia de Covid-19 no Brasil. Recentemente, o país ultrapassou a marca de 70 mil mortes e mais de 1 milhão e 800 mil pessoas infectadas com o novo coronavírus. Por isso, a atual situação pode, sim, ser um gatilho para criar medo na hora de começar a sair de casa.

É nesse momento que a chamada Síndrome da Cabana tem chances de se manifestar. Esse quadro pode começar com uma ansiedade excessiva gerada pela necessidade de sair do ambiente doméstico para fazer tarefas diárias e, principalmente, para se relacionar com outras pessoas apos esse longo tempo de isolamento ao qual muita gente se submeteu desde a metade de março deste ano.

Além dessa ansiedade e desse medo exacerbado, outros comportamentos podem indicar que há algo mais de errado, como explica Luiz Scocca, psiquiatra e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria): "Quando a pessoa começa a apresentar sintomas da Síndrome da Cabana, há uma série de modificações na produção de hormônios do corpo. É muito comum, por exemplo, a alteração nos ciclos de sono e de vigília. Acontece também um aumento no gosto por alimentos mais gordurosos, mais prazerosos, suculentos, com bastante carboidrato", diz ele. "Além dessas alterações, vale perceber se os poucos compromissos que se têm fora de casa, neste período de desconfinamento, passaram a se tornar um verdadeiro fardo".

Como identificar o problema

Síndrome da cabana coronavírus - iStock - iStock
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A Síndrome da Cabana está diretamente ligada à experiência do ser humano ficar longos períodos de tempo em isolamento social. Para alguns indivíduos, esse tipo de acontecimento pode ser um gatilho. "O termo foi descrito, à princípio, lá no começo dos anos 1900, em função de gente que ia para lugares remotos para caçar e, por isso, ficava isolado por longos períodos vivendo afastado", conta Wimer Bottura, médico psiquiatra presidente da ABMP (Associação Brasileira de Medicina Psicossomática) e membro do grupo de professores da cadeira de Psicologia Médica da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Quando retornavam ao convívio social, essas pessoas algumas vezes não conseguiam retomar a rotina e desenvolviam uma fobia de sair do ambiente doméstico e de se relacionar com os outros.

"Atualmente, este termo está sendo utilizado como uma transformação do conceito por conta do isolamento causado pela covid-19", diz Bottura. Isso não significa, porém, que qualquer desconforto com a ideia de sair de casa nesse momento se enquadre na Síndrome da Cabana. O diagnóstico correto só pode ser feito por especialistas, já que a síndrome não é classificada como um transtorno mental.

Ela pode ser um precursor ou o primeiro conjunto de sinais para alertar sobre algo. "Se o medo mais intenso começar a aparecer, é extremamente importante a pessoa procurar ajuda de um psicólogo para entender melhor o que está ocorrendo e, assim, buscar um tratamento adequado", alerta Yuri Busin, psicólogo e diretor do CASME (Centro de Atenção à Saúde Mental - Equilíbrio).

Já de acordo com Bottura, também é importante perceber como andam as suas conexões com outras pessoas, mesmo que à distância por causa da pandemia: "Se eu prefiro me relacionar com animais em vez de pessoas, então preciso fazer uma pausa, olhar para mim, saber o que está acontecendo. Não há nada de errado com os bichos, mas o humano é o único ser que precisa de outro igual a ele para sobreviver desde o seu nascimento. Aliás, não só para sobreviver, como para definir a sua identidade. Se eu prefiro o isolamento, ficar conversando com o espelho, há sinais de alguma crença de ser incompreendido ou injustiçado, algo que precisa ser tratado", diz o médico.

Como evitar a síndrome da cabana

Síndrome da cabana coronavírus - iStock - iStock
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Como muitas situações que envolvem a saúde mental, prevenir ainda é a melhor forma de tratar a Síndrome da Cabana. "Estabeleça uma rotina diária, de trocar de roupa, tomar banho, fazer leituras e exercícios físicos. A atividade física, aliás, é o mais importante na prevenção de várias doenças, inclusive a depressão e os transtornos ansiosos. Coisas mais simples, como abrir a janela e ter contato com a luz do dia, do sol, já fazem diferença. Também vale se inscrever em um curso online sobre algo que você goste ou contatar mais os amigos", diz Scocca.

Não há um tratamento específico neste caso, mas algumas medidas podem ser tomadas. A primeira delas é entender que a nossa saúde mental necessita de cuidado e atenção, bem como boa parte dos afazeres diários. "As pessoas podem ter muitos medos diferentes na atualidade, nossa geração nunca lidou com uma situação como essa da pandemia de covid-19. Por isso, é muito relevante o papel de psicólogos e psiquiatras para ajudar as pessoas a entenderem melhor com essas novas dinâmicas de vida", afirma o psicólogo Yuri Busin.

"Pessoas que já lidam com depressão e transtorno de ansiedade têm naturalmente uma tendência de ficarem mais isoladas, então é preciso tomar cuidado. A solidão não é boa conselheira", reforça do psiquiatra Wimer Bottura. Até porque, para o psiquiatra, o cenário geral é preocupante.

No entanto, dá para usar o momento para valorizar questões que andavam em segundo plano: "se podemos tirar alguma coisa de positivo - já que fomos obrigados ao isolamento -, é a revalorização dessa convivência em família, dos pais voltarem a ser pais, das famílias se reunirem, se organizarem para cuidar da casa", reflete. Ele ainda aponta que podemos repensar questões na nossa vida: "as conquistas tecnológicas nos permitem ficar distante do escritório e, ainda assim, produzir algo de qualidade. Talvez aquele sonho de morar em uma outra cidade, sabe? Viver com muito mais saúde mental, qualidade de vida, mais barato, diminuindo a poluição e o estresse".