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Você pode estar se fazendo de vítima e nem perceber: entenda os sinais

Homem triste vitimismo - iStock
Homem triste vitimismo Imagem: iStock

Dan Novachi

Colaboração para o VivaBem

01/07/2020 04h00

Se frases como "Isso só acontece comigo!" ou "Nada dá certo para mim!" são frequentes no seu repertório, é possível que você esteja adotando uma mentalidade de vítima diante das circunstâncias da sua vida.

Em diversos momentos da vida as coisas podem fugir do nosso controle e algo que desejamos pode não acontecer como planejado. Uma oportunidade profissional não alcançada, uma prova com um resultado ruim, um relacionamento que chega ao fim contra a nossa vontade. Algumas vezes, inclusive, vivenciamos fatalidades que nos marcam de maneira mais profunda, gerando maior dificuldade em superá-las.

A recorrência de situações que dão errado, entretanto, nem sempre é simples fruto do acaso ou de um suposto complô cósmico que impede a nossa vida de seguir o fluxo que planejamos. É possível que determinadas situações aconteçam como consequências de atitudes ou displicências que permeiam nosso comportamento. É importante observar, portanto, como você tem encarado esses momentos. Como você enxerga o seu papel diante dos relacionamentos, expectativas e fatos cotidianos da vida que não acontecem como você desejava?

Segundo Ilíada Alves, psicóloga clínica membro do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e preceptora da residência em Psiquiatria do Hospital das Clínicas Dr. Ramadês Nardini, "a 'vitimização' pode ser socialmente definida como o hábito de condicionar sentimentos de dó e piedade a si próprio. Pessoas que atribuem ao outro ou ao universo a culpa por não se sentirem capazes de promover mudanças ou solucionar problemas". A psicóloga ressalta, contudo, que a leitura de determinados comportamentos precisa compreender seu funcionamento dentro do histórico de vida de cada pessoa e exige um olhar empático.

No tocante às circunstâncias que geram esse tipo de comportamento, Alves salienta que "cada pessoa desenvolve as próprias estratégias de enfrentamento para lidar com situações adversas". De acordo com ela, processos falhos de comunicação podem estimular indivíduos a adotarem estratégias e posturas vitimistas, caso percebam que essa forma seja a única maneira de obter a validação do outro. "Assim, esse modelo de comunicação pode tornar-se circular e reforçador", finaliza.

Sinais frequentes

"Em geral quem se faz de vítima são pessoas com baixa autoestima, que receberam pouco afeto quando crianças e que só tiveram atenção dos familiares quando machucadas ou doentes", explica Sonia Maria Duarte Sampaio, psiquiatra e coordenadora do Projeto Vincular (Psicoterapia de Casal e Família) no IPq do HC-FMUSP.

Para a psiquiatra, diante deste cenário, essas pessoas quando adultas tendem a associar dor e sofrimento como busca de amor e atenção. "São pessoas que estão sempre reclamando da vida, apresentando queixas recorrentes, sejam elas relacionadas ao corpo, como doenças ou dores; ou ligadas ao trabalho, amigos ou familiares", define. Os indivíduos que possuem esse tipo de comportamento costumam não se responsabilizar por seus erros ou dificuldades e podem utilizar de seus problemas para angariar atenção do outro.

Segundo Thaís Oliveira, psicóloga hospitalar da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, a sinalização de uma pessoa que se vitimiza comumente se segue ao modo com que encara seus traumas e dificuldades: "Normalmente é alguém que passou por dores durante a sua vida e que não foram compreendidas nesse processo", adiciona. Para a psicóloga, ao negar a possibilidade de enfrentar esses problemas, a pessoa adota uma postura de vítima e "acaba acreditando que a história dela é sempre mais triste, dizendo que as coisas nunca dão certo para ela ou que a vida é injusta", finaliza.

Sampaio sinaliza ainda que é importante diferenciar o comportamento de vitimização de outras duas patologias que apresentam, entre outros diversos sintomas, o fato de seus portadores se sentirem prejudicados pelos outros ou pelas circunstâncias. São elas: o Transtorno de Humor Depressivo e a Simulação. De acordo com ela, a depressão faz com que o indivíduo tenha "uma visão pessimista e distorcida da realidade, de modo a ver o mundo sempre com cores sombrias, tendendo a se vitimizar". No caso da simulação, "a pessoa se vitimiza de modo consciente para obter vantagem de alguma forma, seja emocional ou financeira", define.

Por que é tão difícil se perceber nesse comportamento?

De acordo com Alves, o rótulo imprimido à palavra vitimização, bem como outros atributos negativos associados a esta denominação, podem explicar a dificuldade de se reconhecer neste papel. "O uso da expressão 'se fazer de vítima' também pode ser interpretado como uma minimização do problema ou da experiência emocional" ressalta. Deste modo, ao sentir que uma experiência que considera dolorosa é banalizada, este reconhecimento se tornaria ainda mais difícil para o indivíduo.

Por outro lado, o problema ser apontado por outras pessoas pode ser essencial para que a pessoa se perceba nesse papel. "Nossa consciência se forma através do olhar do outro. É através da interação com o outro que eu percebo tanto as minhas qualidades como meus defeitos", adiciona Sampaio. Ainda segundo a psiquiatra, a pessoa que se vitimiza normalmente não tem consciência de sua atitude. "É necessário que alguém diga a ela que está muito queixosa, que está se vitimizando muito e a ensine a procurar a responsabilidade em si mesma", pontua.

Alves e Oliveira destacam também a importância do acompanhamento psicológico nesses casos, para que o indivíduo consiga potencializar seu processo de autoconhecimento. Deste modo, a pessoa tem mais chances de reconhecer esses comportamentos em si mesma, aprendendo a olhar para si através de uma outra perspectiva, questionando esse papel. "Normalmente uma pessoa que se vitimiza tem dificuldades em compreender suas próprias emoções e com vem a dificuldade em administrar seus próprios comportamentos", adiciona Oliveira.

Ferramentas que podem facilitar mudanças nesse comportamento

Para Sampaio, a pessoa que se coloca constantemente no papel de vítima precisa aprender a lidar com suas próprias sombras, mazelas e carências, bem como as estruturas criativas de sua personalidade, suas qualidades e virtudes. Ela destaca também a importância de se estimular comportamentos resilientes: "a psicologia entende por resiliência a capacidade que temos de sofrer revezes na vida e voltarmos ao nosso eixo, enfrentá-los e voltarmos a ser exatamente como éramos antes", explica.

Ao lidar com nossas dificuldades próprias e aquelas que a vida nos impõe, seria importante, portanto, ativarmos o arquétipo do herói dentro de nós, orienta a psiquiatra. "O herói enfrenta, age, encara o desafio, vai à luta e não reclama", finaliza.

Oliveira também orienta que o indivíduo precisa desenvolver um processo de responsabilização de sua própria vida, reconhecer os comportamentos diante das suas relações e até mesmo diante da sociedade, estabelecendo limites para si e também para a atuação dos outros. "É importante buscar compreender melhor as emoções diante das dificuldades da vida e buscar olhar por uma outra perspectiva", direciona. Para saber avaliar em qual momento está sendo de fato vítima de alguma situação e quando está utilizando esse recurso para se defender ou não tomar uma ação diante de um problema.

Ainda de acordo com Alves, é importante que o indivíduo reflita sobre as crenças que construiu sobre si mesmo, as pessoas e o mundo ao seu redor ao longo da vida. Uma vez que elas interferem profundamente no modo como ele se comporta frente as situações. "Esses conceitos são constituídos por regras e ideias difíceis de serem articuladas", explica a psicóloga.

"Uma pessoa que, por exemplo, acredita que 'nada dá certo na sua vida' pode ter uma crença de 'incapacidade'. E não se sentir competente o suficiente para obter êxito em situações que estão condicionadas ao seu desempenho, pode interferir nas suas escolhas", exemplifica.